Secos & Molhados e 50 anos de sua estreia

Lançado em 1973, há exatamente 50 anos,  o disco de estreia do Secos & Molhados, por vários fatores é um marco dentro da cena musical nacional. Poderíamos aqui apontar vários conceitos que tornavam essa marca tão forte, mas seria trabalho longo enumerar tantos fatos que colocam o disco neste patamar.

Secos & Molhados' completa quatro décadas | VEJA SÃO PAULO

A começar pela capa do trabalho, onde mostram as cabeças dos integrantes da banda, “servidas” em bandejas juntos a produtos que rementem ao nome do grupo, produtos secos e molhados. Por si só, a arte é um convite ao que se encontra ali dentro, e como alguns jornalistas da época apontaram, seria um ritual antropofágico, “servindo” a banda para o deleite do público.

O álbum lançado ainda na primeira metade da década de 70, se depara com o momento mais problemático e duro da ditadura militar e seus anos de chumbo, com o AI-5 já instaurado e a censura em sua hora de retaliação máxima, o grupo chama a atenção do público e se torna um fenômeno dentro da indústria brasileira, que após uma apresentação no ano de lançamento do registro, chama a atenção e atinge números de vendas estratosféricos na época, se tornando de imediato um sucesso, vendendo mais de 1.500 cópias ainda na primeira semana de estreia e em dois meses, alcançou a marca de 300 mil vendas, chegando quase a tirar o posto de Roberto Carlos em números.

Secos e Molhados (1973) |

A banda que não se enquadra em um único rotulo, traz influências do rock progressivo, do rock n’ roll clássico, além de alguns traços da música popular brasileira, como o baião, além de um pouco do jazz. Mas um dos pontos que traz a banda a atenção, principalmente ao ponto de vermos passar perante o regime daquele período é o fato da androgenia ser tão evidente dentro da temática e estética do grupo. Ney Matogrosso, vocalista e figura principal, chama a atenção por si só. Maquiado, com trejeitos femininos enquanto reproduz os versos, prende a visão numa figura emblemática e ao mesmo tempo misteriosa, principalmente ao analisarmos com o conteúdo de algumas letras, como a da música “Vira”, onde se brinca com a sexualidade em meio a alegoria do folclore nacional:

O gato preto cruzou a estrada
Passou por debaixo da escada
E lá no fundo azul, na noite da floresta
A lua iluminou a dança, a roda, a festa

Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira
Vira, vira, lobisomen
Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira

Vemos como o Secos & Molhados consegue alcançar um status de astros dentro do cenário nacional, sendo também jogados ao cenário internacional sendo lançados na Argentina, México e Portugal. E o impacto e importância que o disco nos traz é como através de uma cortina de chumbo tão dura como eram os anos 70 no Brasil, eles conseguem passar por cima disso, pelo menos na maior parte do tempo, ainda que vez ou outra, a censura tentasse controlar as performances, que na maioria das vezes era apontado como o vocalista, o motivo de não poder ser livre como se pretendia. Sobre as letras, muitos apontam como terem passado sob a mesma censura por conta do tom poético e de difícil entendimento e o duplo sentido acaba causando confusão em meio aos que deveriam estar segurando a disseminação da mesma.

Seja por qual motivo for, o marco foi fincado e Secos & Molhados entra em diversos pontos como um dos mais emblemáticos trabalhos já lançados na MPB e sua presença nunca deixará de ser notada por ouvintes ou mesmo estudiosos do período ao qual foi lançado.

Secos & Molhados - Desciclopédia

 

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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