Lucifer embala celebração ao ocultismo com pitadas bem humoradas de classic rock e heavy metal em SP
Texto: Daniela Reigas
Fotos: Tamira Ferreira
Através da turnê “Satanic Panic”, promovendo o lançamento de seu quinto álbum, autointitulado (IV), disponível desde janeiro desse ano, a banda europeia retorna à América Latina com três datas agendadas no Brasil, sendo domingo, dia 6 de outubro a passagem por São Paulo – novamente o Espaço Fabrique Club foi o local escolhido, casa que teve ingressos esgotados na apresentação de 2022.
O evento na realidade contou com várias bandas de estilos correlatos que fazem parte da sonoridade do próprio Lucifer e, para poder comportar tantas apresentações, começou cedo, com os portões abrindo às 15h.
Sem mais delongas e pontualmente então, às 20:30h, as luzes se apagam e o luminoso escrito LUCIFER em vermelho ao estilo de painel de boate vintage se acende, levando os fãs a chamarem a entidade pelo nome. O baterista sueco Nicke Andersson (THE HELLACOPTERS, ENTOMBED), com seu característico quepe, é o primeiro a ocupar seu posto, seguido pelos colegas e conterrâneos Martin Nordin & Linus Björklund (guitarras), Harald Göthblad (baixo), e por último, sua esposa e musa da noite, vocalista e fundadora da banda, a alemã Johanna Sadonis, que apenas acena brevemente para se juntar à formação.
Com todos ainda de costas para o público, abre o set “Crucifix (I Burn for You)”, do álbum IV, de 2021. O riff pesado ‘regido’ por Johanna logo dá espaço a um groove dançante bem rock ‘n’ roll. A voz dela é nítida e parece que estamos ouvindo um disco, embora ela pareça um pouco incomodada com a altura do pedestal ou o fio de seu microfone, que está ligeiramente enroscado na caixa de retorno, e muito discretamente acena a um técnico, que vem verificar o equipamento. Os fãs berram o refrão a plenos pulmões. Durante o solo, Martin vem mais à frente do palco e é ovacionado, enquanto Johanna se recolhe e permanece abaixada próxima à bateria. Ao retomar a frente, ela grita um simples “São Paulo!” à plateia, suficiente para que respondam com gritos de empolgação, o que se repete numa breve pausa dramática antes do último refrão. Muito carismática, a frontwoman aponta para alguns sortudos da primeira fila ao cantar ‘I burn for you’ com seu olhar marcante e cabelos loiros esvoaçantes, tal qual as mangas de morcego de sua roupa.
Em seguida, mais um hit – “Ghosts”, do álbum III, que conta com uma bateria bem marcada – e logo no início dos golpes de Nicke, uma das ferragens ameaça cair, mas novamente o técnico vem prestar assitência e a faixa segue sem problemas. Ainda do mesmo álbum, seguem com a branda “Midnight Phantom”; pouco se ouvem os vocais de apoio dos guitarristas, o que deixou a faixa menos encorpada do que deveria. Ao final dessa canção, Johanna finalmente cumprimenta a plateia e diz que é bom estar de volta – e realmente eles deviam estar muito felizes de voltar à cidade, pois a faixa seguinte foi uma grata surpresa que não havia sido incluída nos shows anteriores da tour latinoamericana: a intensa “Dreamer”, do segundo álbum, na qual Johanna entrega tudo de si com uma excelente performance vocal e corporal, agachando-se à beira do palco para estender o microfone à plateia no refrão. Linus também conquista o público com suas caras e bocas durante o solo. Muito sorridente e encantada com a calorosa participação dos fãs, a cantora agradece com um “Obrigada” em português mesmo, sendo obviamente ovacionada.
Adentrando finalmente no mais recente trabalho, V, vem “A Coffin Has No Silver Lining”, e os músicos mostram que estão bem entrosados e se divertem muito, principalmente Harald, que dança bastante com o baixo como se o instrumento fosse sua parceira de baile. O clima muda para um tom um tanto mais soturno com “Wild Hearses”, a fúnebre declaração de amor até depois da vida, com destaque para o solo de Martin, e novamente um gesto carinhoso de Johanna com os fãs, que dá a mão a um deles enquanto canta ‘Baby, take my hand’. Dando continuidade, vem a pedrada “Fallen Angel”, que abre o álbum V e é atualmente a faixa mais executada nos streamings – é até um pouco estranho que ela não tenha sido eleita a faixa de abertura dos shows, pois sem dúvida faz todos baterem cabeça. Comentando justamente sobre o lançamento, Johanna introduz “At the mortuary” explicando que se trata de uma canção sobre um amor já falecido, que se encontra no necrotério. Apesar de ser uma faixa mais longa que a maioria, é bem dividida entre partes cadenciadas e agitadas, sendo assim não fica arrastada, muito pelo contrário.
Na sequência, “The Dead Don’t Speak” com refrão fácil de memorizar, faz todos cantarem juntos o refrão, e os mais ousados tentam alcançar também os vocais etéreos de Johanna, que remetem a vozes do além. A próxima faixa é uma valsa romântica perfeita para embalar os casais góticos presentes: “Slow Dance in a Crypt”, a power ballad do álbum. Finalizando a parte principal do set, é hora de trazer uma música mais enérgica, então voltam ao IV com “Bring Me His Head” e aqui Johanna brinca com Linus, responsável pelo lick principal e solos, como se ele fosse o rei a quem ela quer decapitar, inclusive mexendo em seus longos cabelos loiros e gesticulando o ato de degolá-lo. Mais uma vez a alemã agradece o público e a banda se retira brevemente do palco.
Após poucos minutos, todos exceto Johanna retornam para que a banda possa executar um medley genial que vem fazendo nessa tour: a melancólica intro de “I Want You (She’s So Heavy)”, dos Beatles, – que veio muito a calhar pois o lendário Sir Paul Mccartney também se apresenta na cidade ainda esse mês -, emendando na vigorosa “Maculate Heart”, que sem dúvida já é um hit, dada a animação dos fãs ao ouvirem Johanna entrando com “Bring it on”. Os espíritos continuam lá no alto para o encerramento com a já conhecida dobradinha “California Son”/ “Reaper on Your Heels”- na primeira, tanto banda quanto fãs agitam bastante e sacodem seus cabelos, e sem descanso, Nicke já faz a contagem para a derradeira da noite, que traz um duelo de guitarras e até mesmo uma pandeirola sacudida ao final por Johanna só pra fazer graça. Agora sim, preparando-se para retirar em definitivo do palco, os músicos começam a guardar os instrumentos enquanto jogam souvenirs em direção ao público, e Johanna, agradecendo e dizendo ao fãs que os ama, deseja boa noite e os relembra de darem uma passadinha no cemitério mais próximo no caminho de casa.
Embora curto, o setlist foi satisfatório e a interação da banda com a plateia também – na saída do show ainda era possível ver pessoas comprando o merchandising oficial, prova de que realmente valeu a pena fazer parte de mais essa ode ao submundo.
Mesmo sendo dia de eleições estaduais/municipais no país, às 15:30h já havia uma fiel legião de headbangers para garantir seu lugar e prestigiar a primeira banda, a paulista NIGHTPROWLER, com pegada de heavy metal tradicional setentista mesclada com hard rock, tanto no visual à base de couro e correntes, como nos timbres e velocidade dos riffs.
A banda, composta por Fernando Donasi (vocal – TEMPLOMAYOR), Luke de Couto, Igor Senna (TROVÃO – guitarras), Lucas Chuluc (TROVÃO, ÁLCOOL – baixo) e Marck Oliver (bateri – ARMADILHA), apresenta a faixa nova, “Free the Animal”, e também executa canções de seu álbum ‘No Escape’, de 2018. Uma apresentação regada a muitos tappings – com participação inclusive de Fernando, que também é guitarrista – e vocais agudos, assim como uma ótima faixa instrumental – o petardo “The Witches Curse”. Com certeza uma ótima pedida para iniciar o dia.
A segunda a subir ao palco, às 16:25h, é a também paulista WEEDEVIL, de doom/stoner, que inclusive transforma o palco em um cenário mais ritualístico adicionando uma cruz invertida e uma cabeça de bode ao pedestal da cantora Carol Poison. O vocal ao mesmo tempo intenso e melódico da bela jovem já chama atenção desde o início, embora possamos perceber que ela esteja visivelmente incomodada com seu retorno durante toda a primeira faixa – o que se confirma quando já na segunda música, ela pede “pelo amor de Satan” que aumentem seu volume, e felizmente o problema parece ser resolvido. O grupo, que conta ainda com Cláudio Funari (GIANT JELLYFISH) mandando excelentes linhas de baixo, Henrique Bitencourt (GIANT JELLYFISH, ATOMIC DUST) e Paulo Ueno nas guitarras e Flávio Cavichioli na bateria, executa quase que na íntegra seu mais recente trabalho, “Profane Smoke Ritual”, lançado em junho. Uma performance de alto nível e que sem dúvida impressionou quem já havia escutado nas plataformas digitais e angariou novos fãs.
Já às 17:10h, a vibe muda completamente com a presença dos mineiros da TANTUM, banda de Hard & Heavy que usa e abusa do vermelho em sua composição visual, desde as pinturas faciais tribais até os figurinos e o volumoso cabelo da frontwoman/multi-instrumentista Chervona (vocais, teclado e flauta transversal) – e não à toa, pois o grupo promove o recém-lançado sigle ‘ROJO’, que conta a história da guerreira de mesmo nome. O show é recheado de performances cênicas da cantora munida de diferentes elementos como máscara de odalisca e cálice de sangue, referenciando diversas faixas do álbum de estreia “Turning Tables” (2022). Compõem o palco ainda Laer Aliv no baixo e os estreantes Jango Brumano (guitarra) e Rafael Mineiro (bateria). Chervona agradece a recepção sempre calorosa dos paulistanos e anuncia que temos a honra de estar ouvindo em primeiríssima mão a faixa “On the Road”, ainda não lançada; portanto, ela nos ensina a cantar junto o refrão e pede que todos acompanhem também com palmas. Embora o estilo em alguns pontos destoe bastante do Lucifer, o público foi respeitoso e se divertiu bastante.
Outra banda mineira, esta na estrada já há cerca de uma década, devolve a atmosfera macabra ao ambiente: às 18:20h entra a PESTA, com seu stoner/doom. Formada por Thiago Cruz – Vocal, Marcos Cunha – Guitarra, Anderson Vaca – Baixo, Flávio Freitas – Drums, apresentam majoritariamente faixas de seu álbum “Faith Bathed in Blood”, de 2019, já que atualmente estão em processo de composição do próximo trabalho. Boa parte do peso com certeza fica a cargo do timbre de baixo e dos vocais por vezes fantasmagóricos. É nítida a influência do Black Sabbath e em alguns momentos o frontman parece conseguir unir algumas das melhores características dos dois vocalistas mais icônicos que passaram pela trajetória dos avôs do doom: Ozzy, através dos vocais mais agudos, e Dio, através da esvoaçante bata cigana e os chifrinhos para espantar mau-olhado.
Última atração antes da principal, às 19:30h chega então a novata paulista Space Grease, com elementos que passam pelo punk rock, acid rock, psicodelia experimental e até mesmo ritmos latinos, pela presença de percussão com atabaques e maracás (que, por sinal, mal se ouvem). Formada por Jú Ramirez (vocal), Franco Ceravolo (guitarra & vocal de apoio), Diego Nakasone (guitarra), Tonhão (baixo) e Giga (drums), possuem apenas um EP (“Can’t Hide”), de 2023, cuja faixa-título foi a que mais chamou atenção. A essa hora, a casa certamente já conta com um público muito maior pela proximidade do show do Lucifer – horário nobre que talvez devesse ter sido reservado para uma das bandas com sonoridade mais semelhante. Jú anuncia uma faixa inédita, “Get Away”, que fará parte do EP a ser lançado em breve. Encerrando com a agitada “Separation Time”, seu primeiro single, a banda se despede agradecendo a receptividade da plateia.
Um evento com tantas bandas e em um dia de movimentação atípica na cidade ter ocorrido sem atrasos nem problemas técnicos significativos merece aplausos também para a equipe que faz tudo acontecer, e que permitiu ao público, realizado, porém já cansado, pudesse ir embora a tempo de usufruir do transporte público.
Setlist Lucifer:
Crucifix (I Burn for You)
Ghosts
Midnight Phantom
Dreamer
A Coffin Has No Silver Lining
Wild Hearses
Fallen Angel
At the Mortuary
The Dead Don’t Speak
Slow Dance in a Crypt
Bring Me His Head
Bis:
Intro – I Want You (She’s So Heavy) (The Beatles cover)/Maculate Heart
California Son
Reaper on Your Heels