Do gutural ao piano: em pleno feriado, fãs do Opeth e do Savatage dividem a pista do Espaço Unimed para prestigiarem suas bandas do coração

Texto: Daniela Reigas

O metal tem diversas vertentes e não é raro que o público seja bastante eclético, passeando entre as dezenas de subgêneros sem grandes problemas, ou pelo menos, respeitando aqueles que não lhe fazem muito a cabeça. Isso ficou bem nítido na última segunda-feira, 21, no Espaço Unimed, onde duas das bandas que haviam composto o line-up do festival Monsters of Rock (leia resenha aqui) dois dias antes fizeram suas apresentações solo: Opeth e Savatage. Embora haja muitas diferenças entre as duas, ambas estão dentro desse mesmo guarda-chuva e têm duas características em comum: canções mais longas que a média, que mesclam passagens suaves & melódicas com solos ‘fritados’ e bateria mais acelerada + uma legião fiel de aficionados que sabem de cor cada detalhe da história da banda e das músicas. Isso posto, não haveria problema ou confronto algum entre as duas bases de fãs, mas era possível identificar de longe, pelas camisetas e comportamento, quem estava ali pra ver o quê, e assim, os que trajavam as vestes do OPETH chegaram mais cedo e já estavam a postos para o início da apresentação, que começou  pontualmente às 19:30h.

Ao som de falas meio fantasmagóricas e macabras e com praticamente apenas a iluminação da logo da banda no telão, os suecos vão adentrando o palco, que traz a bateria à direita e o teclado à esquerda. Na penumbra, o chapéu de abas largas do vocalista/guitarrista Mikael Åkerfeldt é uma das poucas coisas fáceis de se distinguir. Sendo essa a turnê de divulgação de The Last Will and Testament (2024), a abertura não poderia ser outra que não §1, com seu refrão explosivo, que conta com backing vocals do guitarrista Fredrik Åkesson e do tecladista Joakim Svalberg. Apesar da canção terminar quase que abruptamente com uma baquetada seca de Waltteri Väyrynen, quem conhece já sabe e imediatamente bate palmas. Uns minutos de silêncio se seguem no palco enquanto Mikael, já sem o chapéu, faz a primeira – de muitas – troca de guitarra e então temos logo a primeira surpresa da noite, se compararmos o setlist com o que foi tocado no festival: Master’s Apprentices, do álbum Deliverance (2002), a que os fãs reagem com um ‘hey hey hey’ no início. Enquanto Mikael abusa de seus guturais na maior parte dos 10 minutos da faixa, Fredrik e o baixista Martín Méndez passeiam bastante pelo palco, trocando de lado para cumprimentar os fãs. A diferença de volume das guitarras é bem notável, pois o solo de Fredrik fica quase inaudível quando comparado ao de Mikael. O público faz as vezes de coral durante a passagem mais melódica da canção. 

Em seguida, mais uma inesperada, a bem progressiva The Leper Affinity, de Blackwater Park (2001), que traz dedilhados, solos harmonizados em oitavas, vocais limpos, guturais, e claro, performance impecável de Waltteri coordenando todo mundo com todas as mudanças de andamento. Destaque para o solo de Joakim no encerramento da faixa, que conta com uma pequena ‘falha’ que certamente teria passado despercebida ao público se não fosse o ‘exposed’ de Mikael, que diz que deveria ter sido usado um timbre de piano comum, mas que exclusivamente nessa noite, havíamos ouvido o som de um piano elétrico Fender Rhodes (devido a um possivel esquecimento de Joakim para trocar de timbre). Em seguida, o cantor agradece: “Obrigadonão é incrível, eu sei uma palavra em português” e dá as boas vindas ao público, fazendo uma piada sarcástica sobre a banda que tocaria em seguida: “somos a atração dessa noite, vamos tentar deixá-los um pouco surdos antes deles tocarem”. O músico também diz que é bom estar de volta e que ama a cidade.Notando que aproximadamente 60% do público traja camisetas do Savatage e outras bandas de sonoridade similar, ele diz ainda que é possível que muitos ali não curtam o tipo de vocal que ele executa, e se justifica dizendo que adotou essa estratégia porque no início da carreira ele não sabia cantar. Comentando sobre o setlist da noite, faz um trocadilho dizendo que o show será ‘carne com batata’ (expressão inglesa que quer dizer somente o básico), mas que não deve ser um problema já que brasileiros adoram essa combinação. A lista de piadas do tio do pavê parece não ter fim, quando ao comentar do novo álbum, diz que não, esse não é o testamento dos membros da banda. 

Anunciando a faixa seguinte, ele explica que essas músicas são muito complexas e cheias de elementos, como por exemplo a participação de Ian Anderson (Jethro Tull); e já que o flautista obviamente não pode estar presente, um membro da equipe deles fica literalmente agachado atrás da bateria inserindo manualmente estes samples durante a música, fazendo com que ela soe ligeiramente diferente a cada execução. E assim entra §7, um tanto quanto arrastada, dando destaque às linhas de baixo. Ao final, Mikael agradece e pergunta se todos estão se divertindo, e alguém grita ‘Não!’ na plateia; “posso tornar a sua experiência mais conveniente, senhor?”, ironiza o cantor. “Eu estou me divertindo; podem perceber pela minha expressão facial? Minha namorada às vezes pergunta se eu estou bravo, mas é só o bigode”. Ele continua dizendo que a banda já possui diversos álbuns (14), e que apesar de não aparentarem, eles são velhos. Dando a dica de que a próxima faixa viria de Damnation (2003), um “álbum mais tranquilo” (foi o primeiro a não contar com vocais guturais), e que Fredrik puxaria a intro, alguns fãs já haviam sacado que era hora de pegar os celulares para acender a lanterna em In My Time of Need, uma bela balada, a qual um dos refrões fica a cargo total da plateia. A voz limpa de Mikael tem um timbre realmente bonito, e escutando apenas essa música, custamos a acreditar que aquele mesmo homem pode mudar pra um gutural agressivo sem o menor esforço em questão de segundos. “Bonito, isso foi bem  sonoro” diz Mikael, elogiando a participação. “Vocês aguentam mais algumas músicas?” e mesmo sem esperar a resposta ele comenta como foi fazer parte do Monsters of Rock, apesar de estarem mais para ‘gremlins’. “Foi ótimo, fomos recebidos com muita hospitalidade, com chefs nos servindo salsichão e cerveja num lounge onde eu estive junto aos caras do Europe (também suecos). Acho que bebi um pouco demais pra me lembrar do show do Scorpions, mas eles são sempre bons”. Ele ainda faz questão de explicar que a faixa seguinte passa por um processo um tanto quanto estressante ao ser executada ao vivo, fruto de sua ‘idiotice’ ao compor o refrão num tom abaixo do restante – sendo assim ele e Fredrik precisam trocar de afinação em tempo real. Trata-se de  §3, e apesar do grau de dificuldade exigido, os músicos tiram de letra, sendo aplaudidos ao final. Lamentando que deverão partir do nosso lindo país no dia seguinte, Mikael diz que levarão essa noite incrível com eles para sempre, e se o público quiser, quem sabe eles voltem futuramente para mais shows. “Mas antes de ir, vamos fazer um som do Ghost Reveries (2005) pra vocês” – anunciando assim Ghost of Perdition, onde as quebras de compasso são bem evidentes e é possível ouvir alguns fãs chamando Waltteri  de monstro. Destaca-se também a voz aguda de Joakim contrastando com os graves de Mikael. Os fãs cantam junto os ‘aiaiais’ da melodia, e ao término, clamam pelo nome da banda, que se retira brevemente do palco, mas logo retorna, e Martin, agora com um gorro andino, comanda uma jam que serve de introdução para Sorceress, do álbum homônimo de 2016. Na passagem que intercala alguns dedilhados e riffs, o público acompanha com palmas, e o lick de guitarra do final é acompanhado com ‘o-o-os’. Afinando a guitarra para a última música, Mikael apresenta a banda e diz que não faz ideia do porquê essa faixa antiga se tornou popular, com seus 14 minutos e pouco, mas espera que todos gostem; agradece novamente e pede a todos que se cuidem. E, com sua intro pesada, vem Deliverance, do álbum homônimo de 2002. Felizmente a guitarra de Fredrik voltou mais alta para o bis, destacando seu solo entre tantas passagens dessa longa faixa. Em alguns momentos, os fãs mais jovens até abrem uma roda na pista, mas que não dura muito. Perfeitamente sincronizados, luzes e música cessam ao mesmo tempo em que Mikael diz o último Obrigado e assim os suecos, sorridentes, fazem sua reverência final, jogam palhetas e baquetas para os fãs mais próximos e se retiram.

A movimentação no espaço Unimed é perceptível ao vermos alguns camisas-pretas deixando o local, e muitos que estavam nos bares mais ao fundo e nas laterais vindo para a frente e centro da pista; a expectativa de quem estava ali para o SAVATAGE era imensa, e muitos fãs vieram de longe, tendo em vista que a banda escolheu o país para seu grande retorno aos palcos, mas teve São Paulo como única cidade incluída no roteiro. O palco vai sendo montado, agora com a bateria ao centro, e pouco antes das 21:30h, o telão se acende com uma animação de uma guitarra emergindo das pedras, e ao exibir a logo da banda, os membros vão entrando, primeiramente os dois (!) tecladistas convidados para a turnê: Shawn McNair, à direita, e Paulo Cuevas à esquerda, seguidos de Jeff Plate nas baquetas e Johnny Lee Middleton no baixo, e as primeiras notas de The Ocean já começam a soar, disparando o coração dos fãs; a intro emenda-se numa medley com “City Beneath the Surface”, quando chegam os guitarristas Al Pitrelli & Chris Caffery, e, claro, o frontman e vocalista Zak Stevens, já chamando a galera com um “São Paulo, let me hear you!” (quero ouvi-los!) e sendo prontamente atendido com muitos hey! hey! hey!. Todos a postos, o show verdadeiramente começa com Welcome, como já era a tradição. Com um breve “Como estão?” de Zak, mas sem tempo pra papo furado, já mandam a paulada Jesus Saves. O telão vai exibindo animações criadas exclusivamente para algumas faixas, nesse caso, uma grande cruz vermelha em neon com o nome da música. O povo brada o refrão a plenos pulmões e Zak também os comanda nos ‘hey!” acompanhando as quebras da música. Chris manda ver no solo, e Johnny sorri o tempo todo pra plateia. “Olá! Como vai? Faz barulho aí” diz Zak, gastando todo seu português, que segundo ele, vinha aprendendo naquela semana. Então o cantor nos convida a embarcar no navio e desbravar The Wake of Magellan – no entanto, logo volta e se corrige, pois essa teria sido a terceira música do setlist do Monsters. No Unimed, os fãs são então presenteados com a clássica Sirens, da longínqua estréia da banda (1983), que faz todo mundo pular, e a inesperada e suingada Another Way, que traz Pitrelli ao centro do palco para solar ao lado de seus companheiros. Zak agradece a receptividade e comenta que havia prometido aquela música há muito tempo atrás. Agora sim, chegamos à jornada épica de The Wake of Magellan, com o telão mostrando a grande embarcação cruzando o caos do oceano. Aqui, Pitrelli tem liberdade criativa para executar os solos, e não desaponta. Apesar de todos os músicos (exceto Jeff) fazerem os múltiplos backing vocals do final, não dá pra ouvi-los com muita distinção. Eis que, sem firulas, o riff da próxima música deixa todos os fãs embasbacados, pois mesmo anos antes da banda entrar em hiato, ela já não era tocada há um bom tempo: Strange Wings, trazendo um pouco da fase hard rock da carreira. No final, só faltou uma segunda voz fazendo os agudos originalmente gravados pelo saudoso Ray Gillen, mas só de terem incluído essa faixa, já foi uma surpresa muito agradável. Na sequência, mais uma porrada, puxada pelas baquetas de Jeff: Taunting Cobras, uma das faixas mais esperadas, que muitos ficaram pedindo no encerramento do Monsters. O telão exibe um castelo cujo fosso é tomado por serpentes raivosas – tanto quanto Chris, que faz caretas e bate cabeça durante o solo, agitando todo mundo. Uns minutinhos de pausa para trocar de instrumentos são suficientes para que os fãs comecem a gritar o nome da banda, estimulados por Jeff batendo palmas e mumbos. Zak então informa que a próxima também é do álbum The Wake of Magellan, e com Pitrelli mandando a intro sentado sobre um dos PAs no palco, inicia-se Turns to Me, mesclando suas partes mais agitadas com as mais suaves. A plateia canta junto em diversos momentos, ao que Zak responde com “Bom trabalho!” ao final. Uma pausa pra retomar o fôlego, e novamente solta um “Obrigado” – e pede atenção para a próxima faixa: “check this one out” (“se liga nessa aqui”) e entra a cadenciada Dead Winter Dead. O público acompanha com palmas e ‘hey’ regidos pelo maestro Zak. Ao final, emendando músicas, o cantor diz apenas “acho que sinto a tempestade”, em referência à faixa instrumental que se inicia, The Storm, uma das várias power ballads super emotivas do Savatage, onde a guitarra é protagonista e parece cantar. Al Pitrelli faz uma performance impressionante e é ovacionado ao final – Zak volta e também exibe admiração pelo colega. Ainda com o tema chuvoso, mas dessa vez, sem a presença da dita cuja – ao contrário do Monsters -, o cantor anuncia Handful of Rain, que vem seguida de Chance. Em ambas, a voz de Zak preenche o ambiente junto aos fãs, que cantam junto em peso. Ao final, o telão, que até então exibia uma animação com diversas bandeiras do mundo todo,  exibe finalmente a do Brasil em destaque, sincronizada com o final da música, e Zak, com uma pirueta, agradece o carinho dos fãs. Dizendo que eles têm algo bacana trazido do álbum Dead Winter Dead, temos uma outra canção perfeita para marcar esse retorno triunfal: This Is the Time, com seu refrão emblemático, que parece anunciar um dos maiores hits da banda: Gutter Ballet. O Unimed inteiro tenta fazer um coro para acompanhar a introdução, mas cada um está num tempo – algo que Zak logo consegue coordenar para que fique uníssono. Todos pulam e cantam juntos, e Chris Caffery reproduz muito bem o solo de Criss Oliva; já Zak opta por preservar sua voz para as próximas canções e não tenta simular os agudos de Jon ao final. Sem demora, já vem outro mega hit, mas agora da era Zak – Edge of Thorns. “Fucking amazing!” (incrível pra car@lho!”) diz ele ao ver a reação do público. Tentando retomar a fala em meio a gritos de “Savatage! Savatage!”, Zak desiste de anunciar a próxima e deixa que Jeff faça o trabalho, e assim o público se cala para “The Hourglass” – talvez a única faixa que deu uma amornada no clima, mas que ainda assim traz bastante interação com a plateia, e com seu final melancólico, prepara a atmosfera para o que viria a seguir. Zak então pede um instante para agradecer ao grande mentor e idealizador de tudo isso, sem o qual esse espetáculo jamais teria existido: estamos falando, claro, de Jon Oliva. Vale lembrar que o músico encontra-se em estado delicado de saúde após um acidente no qual fraturou a coluna há alguns anos e portanto, não consegue excursionar pelo globo. Mas isso não quer dizer que ele não está presente – e assim, ouvimos uma gravação com a voz dele dizendo que tem um pequeno presente para os fãs. Inicia-se Believe, e com um pouco de atraso, o telão finalmente passa a exibir o vídeo preparado especialmente para essa ocasião.A canção é executada com um dueto virtual de Zak e Jon, e, como não poderia deixar de ser, imagens de Chriss são exibidas durante o solo. Chris fica visivelmente emocionado, apontando para o céu e pedindo a todos que aplaudam o gênio que nos deixou precocemente. Difícil quem não tivesse chorado com tão bela homenagem. Ao som de “Oliva! Oliva!”, Zak manda um “Amamos todos vocês” e a banda se retira por alguns minutos. 

Os efeitos especiais futuristas de “Power of the Night” começam a tocar e deixam no ar a dúvida se é mais um trecho que será usado de introdução, mas logo a vem a confirmação de que sim, eles iam mesmo executá-la, levando o público a vibrar. Durante o solo, Zak se retira do palco para trocar sua camisa preta por uma camiseta amarela do Brasil, em estilo seleção de futebol, personalizada com seu nome e o número 5 nas costas; o microfone demora a ser religado quando ele volta e perdemos uns versos da última estrofe. Caminhando para o derradeiro fim, Chris puxa o riff de Hall of the Mountain King, e embora a voz de Zak demonstre um pouco de cansaço, ele se arrisca até a replicar os “AH AH AH” típicos de Jon. Com isso, “my São Paulo friends” estava cumprida a missão, pois assim como o Opeth, eles também seguiram dali a 2 dias para o Chile, dando continuidade ao festival Monsters/Masters of Rock. 

Embora fã que é fã sempre sinta falta de algumas canções em específico no setlist – tal como When the Crowds are Gone -, deu pra lavar a alma (mesmo que não literalmente como queria Zak) e comprovar que a banda está entrosada o suficiente para gravarem material novo. Em entrevista, eles já haviam declarado que material existe, pois Jon nunca para de compor – mas que eles estavam receosos de como estaria a performance da tropa após longo hiato. Certamente, os fãs ficarão aguardando, pois álbum novo significa mais shows, e quem sabe na próxima vinda mais cidades brasileiras serão privilegiadas. 

Setlist Opeth

  • 1

Master’s Apprentices

The Leper Affinity

  • 7

In My Time of Need

  • 3

Ghost of Perdition

Sorceress

Deliverance

Setlist Savatage

The Ocean/City Beneath the Surface (medley)

Welcome

Jesus Saves

Sirens

Another Way

The Wake of Magellan

Strange Wings

Taunting Cobras

Turns to Me

Dead Winter Dead

The Storm

Handful of Rain

Chance

This Is the Time 

Gutter Ballet

Edge of Thorns

The Hourglass

Believe

Power of the Night

Hall of the Mountain King

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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