Best of Blues and Rock 2025 encerra com grandes shows no domingo: Hurricanes, Judith Hill e Deep Purple
Texto: Jéssica Valentim
Fotos: André Tedim
O quarto e último dia do Best of Blues and Rock 2025, realizado neste domingo, 15 de junho, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, celebrou o encerramento do festival com uma sequência de apresentações que combinaram energia, técnica e emoção. Em uma tarde ensolarada e com público expressivo desde cedo, a banda brasileira Hurricanes abriu os trabalhos com um show à altura do evento.
Hurricanes aquece o palco com blues rock de primeira linha
Formada em 2016 em Santa Maria (RS) por Leo Mayer e Rodrigo Cezimbra, a Hurricanes teve início a partir de uma conexão musical entre os dois artistas. Cezimbra, à época envolvido com projetos mais voltados ao folk, impressionou Mayer ao cantar trechos de clássicos de Led Zeppelin e Free. A afinidade sonora levou à fundação da banda, que dois anos depois se mudou para São Paulo. A formação atual inclui ainda Henrique Cezarino no baixo e Guilherme Moraes na bateria.
Com dois álbuns lançados — Hurricanes (2023) e Back to the Basement (2024) —, o quarteto aposta em composições autorais fortemente influenciadas pelo blues rock das décadas de 1960 e 1970. Referências como Cream, Black Crowes e os já citados Led Zeppelin e Free são perceptíveis tanto na sonoridade quanto na estética da banda, que tem como proposta levar o público a uma viagem ao passado — e cumpre essa missão com propriedade.
A apresentação no festival começou pontualmente às 17h20 e contou com um setlist que mesclou faixas dos dois trabalhos de estúdio. Acompanhados por duas backing vocals que enriqueceram os arranjos com camadas adicionais de soul e dinamismo, os músicos mostraram maturidade artística e presença de palco cativante. A sintonia entre os integrantes, a qualidade das composições e o entrosamento com o público — já numeroso naquele horário — fizeram do show uma grata surpresa para quem ainda não conhecia o grupo. A banda finalizou seu set com um cover de With a Little Help from my Friends, dos Beatles, que aqueceu o público presente.
Com forte identidade e potencial para alcançar novos mercados, inclusive internacionais, a Hurricanes provou ser uma das grandes promessas do rock nacional atual. Uma banda que, sem dúvida, merece maior reconhecimento.
Judith Hill faz estreia solo no Brasil com performance arrebatadora
Na sequência da banda Hurricanes, o palco do Best of Blues and Rock 2025 recebeu, às 18h50, a cantora, compositora e multi-instrumentista norte-americana Judith Hill. Em sua primeira apresentação solo no Brasil, a artista impressionou o público com uma performance tecnicamente impecável, vocalmente poderosa e repleta de sensibilidade.
Judith Hill ganhou notoriedade ao participar dos bastidores de grandes nomes da música, tendo trabalhado como backing vocal para Michael Jackson, Prince e Stevie Wonder. Foi justamente ao lado deste último que a artista esteve pela primeira vez no Brasil, em 2011, como integrante da banda de apoio do show histórico no Rock in Rio. Mais de uma década depois, Hill retorna ao país em nova fase da carreira, agora como artista solo consolidada e aclamada na cena soul/funk alternativa.
Com um repertório autoral fortemente influenciado pela soul music e pelo funk americano, Judith também incorpora elementos marcantes de jazz e blues em suas composições, criando uma sonoridade sofisticada, emocional e visceral. Durante cerca de uma hora de apresentação, a cantora conduziu o público por um show envolvente e dinâmico, alternando momentos mais intensos com passagens suaves e introspectivas.
Acompanhada por uma banda afiada, Judith demonstrou domínio absoluto do palco, não apenas como intérprete, mas também como musicista, interagindo com o público e os instrumentistas com naturalidade e carisma. Com performances que beiram o espiritual, sua entrega ao vivo vai além da técnica — é também emocional e catártica.
Embora seu trabalho esteja fora dos padrões do mainstream, a artista é amplamente reverenciada no circuito underground e alternativo, e sua participação no festival agregou uma camada de sofisticação artística ao line-up. A apresentação reafirmou o talento e a versatilidade de Judith Hill, deixando uma forte impressão em quem teve o privilégio de assisti-la ao vivo.
Deep Purple encerra o festival com um show histórico e celebração ao legado do rock
Fotos: André Velozo e Best of Blues and Rock
É quase impossível encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do Deep Purple. Fundada em 1968, a banda britânica é considerada um dos pilares do hard rock e do heavy metal, ao lado de nomes como Led Zeppelin e Black Sabbath. Sua influência atravessa gerações e moldou a trajetória de milhares de músicos pelo mundo — incluindo Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, que em sua autobiografia afirma ter mudado de vida ao ouvir Ian Gillan cantando no rádio pela primeira vez.
Ao longo das décadas, o Deep Purple passou por diversas formações, sendo as mais icônicas a Mark II — com Ian Gillan (vocal), Ritchie Blackmore (guitarra), Roger Glover (baixo), Jon Lord (teclado) e Ian Paice (bateria) — e a Mark III, com David Coverdale e Glenn Hughes ocupando os vocais e o baixo, respectivamente. A atual formação, conhecida como Mark IX, mantém os veteranos Gillan, Paice e Glover, acompanhados de Don Airey nos teclados e Simon McBride na guitarra.
Em 2025, o Deep Purple não está em turnê regular. O show no Best of Blues and Rock foi uma das únicas três apresentações marcadas no ano, ao lado de datas nos Estados Unidos e em Dubai — o que reforça ainda mais o privilégio de tê-los no Brasil, celebrando um legado que já ultrapassa cinco décadas.
O show começou às 20h19, após a introdução instrumental, diante de um público expressivo no Parque Ibirapuera. A organização havia informado que cerca de 85% dos ingressos haviam sido vendidos, mas o local parecia ainda mais cheio — reflexo da reverência ao nome que encerrava o festival.
Abriram com o clássico “Highway Star”, que foi recebido com entusiasmo coletivo: o público cantou em uníssono, inclusive os solos. Na sequência, apresentaram “A Bit on the Side”, faixa do mais recente álbum =1. Logo depois, surpreenderam com “Hard Lovin’ Man”, do icônico Deep Purple in Rock (1970), que não havia sido incluída na turnê anterior, e emendaram com “Into the Fire”, também desse álbum seminal.
Ian Gillan então saudou os presentes, dizendo o quanto estava feliz por voltar a São Paulo e agradeceu a todos calorosamente. Em tom bem-humorado, apresentou Simon McBride, que realizou um solo de guitarra antes de ser acompanhado pelos outros integrantes para a execução de “Uncommon Man”, do álbum Now What?! (2013). Antes da música, Gillan dedicou a canção, como de costume, ao inesquecível Jon Lord: “Obrigado, vocês são incríveis — e como sabem, esta é sempre dedicada ao grande Jon Lord.”
Ao anunciar “Lazy Sod”, ouviu um “I love you” vindo da plateia e respondeu com um simpático “Nós também amamos vocês.” A banda claramente se divertia no palco, com Gillan sorrindo ao dividir o microfone com McBride durante a música.
Demonstrando estar particularmente de bom humor, Gillan comentou que sempre sente vontade de explicar o significado da próxima canção, mas que dessa vez não o faria — e passou a emitir sons aleatórios no microfone, acompanhados com bom humor por Don Airey, que fez seu solo neste momento. Na sequência, apresentaram “Lazy”, do lendário Machine Head (1972). Impressiona como, aos 78 anos, Ian Gillan mantém a voz em forma admirável, considerando sua idade e trajetória.
Um dos momentos mais emocionantes da noite veio com “When a Blind Man Cries” — introduzida por Gillan como “Uma música sobre aqueles menos afortunados do que nós.” A atmosfera intimista arrebatou a plateia. Em um momento de espontaneidade, após gritos de seu nome, Gillan pediu silêncio: “Chega disso, obrigada.”
O vocalista então compartilhou brevemente a história de “Anya”, do disco The Battle Rages On (1993), antes de mais um solo de teclado de Don Airey, seguido da execução de “Bleeding Obvious”, também do mais recente álbum.
Esses momentos instrumentais funcionaram não apenas como parte do espetáculo, mas também como respiro estratégico para a voz de Gillan — algo compreensível, sobretudo quando se trata de um artista com mais de 50 anos de estrada. E sendo Don Airey quem é, não há absolutamente do que reclamar.
O set principal se encaminhava para o fim com “Space Truckin’”, faixa energética que, curiosamente, teve uma recepção morna do público. No entanto, tudo mudou com os primeiros acordes de “Smoke on the Water”. Pessoas de todas as idades cantaram o refrão em uníssono — uma verdadeira celebração. Mais do que um clássico, a música é um rito de iniciação para muitos guitarristas e uma das mais emblemáticas da história do rock.
Após uma breve pausa, a banda retornou para o encore com a instrumental “Green Onions” (cover de Booker T. & the MG’s), seguida de “Hush” (original de Joe South, mas eternizada pelo Purple) e encerrando a noite com a contagiante “Black Night”, que pôs fim à jornada sonora com chave de ouro.
O encerramento do Best of Blues and Rock 2025 não poderia ter sido mais significativo. O Deep Purple mostrou por que é considerado um dos maiores nomes da música mundial. Em tempos em que o futuro é incerto, sobretudo para bandas com integrantes tão veteranos, cada apresentação deve ser encarada como um privilégio — e esse show certamente será lembrado como um daqueles momentos únicos que merecem ser vividos com atenção, respeito e admiração.