Behemoth e Deicide comandam noite de death metal no Rio

Texto: Carlos Monteiro
Fotos: Ian Dias

Um pouco mais de um mês após presenciar um culto cristão com Stryper, Bride e Petra (leia resenha aqui) , a casa de shows Sacadura 154, no Rio de Janeiro, foi no extremo oposto para o death metal herege das veteranas Behemoth e Deicide. Nesta sexta (26/09), foi a passagem carioca da The Unholy Trinity, turnê que reuniu a banda polonesa e a norte-americana, acompanhadas da atração norueguesa e pouco conhecida Nidhogg para uma série de cinco shows no Brasil.

A casa estava bem vazia quando abriu as portas e também durante o show de Nidhogg, projeto do cantor de mesmo nome, vindo da banda Wilczyca. Baseado no seu primeiro e futuro álbum solo “Narcissus”, o show começou morno nas duas primeiras canções, porém em “Transilvania” o cantor se postou no meio do palco, debaixo de uma iluminação vermelha, ornamentado com uma coroa e braceletes com espinhos. Durante a canção, ele também levanta e bebe um cálice de vinho/sangue. Os primeiros efeitos visuais sinistros da noite criaram uma atmosfera interessante e atraíram um pouco mais o público. 

Em uma pausa, Nidhogg contou uma história engraçada quando tentou conhecer o famoso Cristo Redentor. No entanto, chegando lá, tentou passar o cartão de crédito oito vezes e não funcionava. Resolveu, então, ir numa lojinha de souvenirs e escolheu uma imagem do Cristo. Dessa vez, o cartão funcionou e ele vai levá-la para casa. 

Outra canção executada foi “Jeszcze Zemści Się Ziemia”, da banda Wilczyca e cujo registro de estúdio teve a participação do falecido Roman Kostrzewski, vocalista e compositor principal do Kat até 2005. Mas uma boa surpresa veio ao final, quando Nidhogg anuncia que vai tocar uma canção do Sepultura pela primeira vez na turnê e que, na dúvida entre qual escolher, lembrou da guerra na Ucrânia e que os políticos não ligam para nada, apenas para… “Territory”, que então é executada, com sua bateria marcante inicial e conquistando o público.

Era chegada a hora de uma das atrações que o público queria mesmo ver. O baixista e vocalista figuraça Glen Benton, do Deicide, e o restante da banda entram no palco com as luzes da casa ainda acesas para fazerem alguns ajustes no som. A entrada é tão anti-clímax quanto o som cru pelo que são conhecidos. Depois dos ajustes, as luzes finalmente se apagam e, ali mesmo, começa o show com “When Satan Rules His World”, pancada do álbum “Once Upon a Cross”, de 1995. O ritmo continua sem firulas com “Carnage in the Temple of the Damned”, do primeiro álbum “Deicide” (1990) e “Behead the Prophet”, de “Legion”, o segundo e dos mais famosos (1992). Do mais recente trabalho, “Banished By Sin” (2024) (leia resenha aqui), base da turnê, vem então “From Unknown Heights You Shall Fall”, que abre o disco.

É merecida a presença do Deicide no line up da turnê The Unholy Trinity por ser uma legítima representante do “death metal da Flórida”, originária de Tampa, cena importante para o estilo, que teve o Death como um dos seus principais representantes. Além de Glen Benton no baixo e vocal (e cicatriz de cruz invertida queimada na testa), o Deicide tem em sua formação ainda o baterista (e da formação original) Steve Asheim e também os guitarristas Taylor Nordberg e, mais recentemente, Jadran “Conan” Gonzalez.

Benton praticamente não interage com a plateia, mas o som fala por si só. Destaque para “Sacrificial Suicide” e “In Hell I Burn”, outros bons momentos. O final só podia ser com as  clássicas “Dead by Dawn” (também do primeiro álbum) e “Homage For Satan”, esta um pouco mais recente, de “The Stench of Redemption” (2006), mas ambas recebem reação acalorada pelo público. Que aliás agora já era bem mais numeroso e em sua maioria pelos headliners que viriam a seguir, porém com total respeito pelos representantes da Flórida.

Chega então a hora de receber os donos da noite. A bordo de bom recém-lançado álbum, “The Shit ov God” (2025) (leia resenha aqui), de onde é tirada “The Shadow Elite”, a impactante música de abertura já cantada em coro pelo público. Depois de uma música nova, nada melhor que um clássico. E então a iluminação fica toda vermelha e o vocalista e guitarrista Nergal se agacha, como se preparando para o que virá a seguir. E quando de fato começa “Ora Pro Nobis Lucifer”, do clássico “The Satanist” (2014), o inferno vem à Terra, e o vermelho da iluminação se complementa alternada com o amarelo, mostrando, que sim, estamos orando para Satanás e ardendo em fogo. 

Já nesse início, Nergal, vestido com uma saia e peitoral de estilo egípcio, se movimenta bastante, vindo à frente do palco para puxar o coro do refrão. Ao seu lado, ora no palco, ora subindo em duas pequenas plataformas, o guitarrista Seth e o baixista Orion, com suas roupas em farrapos e maquiagem de corpse paint, garantem o visual do show.

A terceira canção da setlist é a esperada, acelerada e brutal “Demigod”, do álbum homônimo de 2004, para delírio da plateia. Em seguida, chegamos a “The Shit ov God”, ótima para ser executada ao vivo, praticamente um novo clássico. Aqui, Nergal executa uma dança em transe, com os braços para cima, em frente ao baterista Inferno, como se recebendo a benção de Satanás. A formação nessa hora com Seth e Orion à frente cria outro efeito marcante. 

Sem pausa para descanso, vamos para outro clássico, “Conquer All”, também de “Demigod”, e “Blow Your Trumpets Gabriel”, do EP homônimo de 2013, com refrão cantado pelo público. Para essa, Nergal havia saído do palco e retomado com uma máscara preta cobrindo apenas os olhos. Esse visual, junto com o corpse paint no rosto, tronco todo pintado de branco e apenas os braços (até acima do cotovelo) pintados de preto criam um efeito visual interessante para sua figura magra.

O reforço da iluminação no palco e as mudanças de visual de Nergal são uma atração à parte. Em “Ov Fire and the Void”, ele inova de novo, agora com um capuz, e o show tem mais iluminação temática de fogo, seguida por “Lvciferaeon” e seu trecho “If I am God Everyone Is” cantado em coro com os fãs. A esperada “Bartzabel”, de “I Loved At Your Darkest” (2018), começa com iluminação branca focada apenas em Seth, em seguida em Inferno e, com a chegada ao palco de Orion, a luz cai nele também. É a deixa para Nergal voltar com uma mitra (aquele enorme chapéu de cone de papas), com espinhos, correntes penduradas e cruzes de cabeça para baixo. Outra mudança de visual vem na dobradinha “Solve”/”Wolfes of Siberia”, com Nergal agora acrescido de capuz. Antes de “Once Upon a Pale Horse”, ele veste uma espécie de poncho.

Vamos chegando à parte final do show e Nergal pergunta quantas pessoas nasceram depois de 1991, ano que a banda foi formada. Não são tantas, mas ele se mostra agradecido pelos jovens presentes e aponta principalmente para três moças no mezanino, dizendo que a próxima canção é para elas. É a deixa para “Cursed Angel of Doom”, bônus do primeiro álbum “Sventevith (Storming Near the Baltic)” (1995),  porém anterior a ele.

Para as duas últimas, mais clima: Orion entra junto com a batida do bumbo de Inferno do início de “Chant for Ezkaton 2000 e.v.“. Durante a canção, um momento bem blackened death metal: Nergal, Orion e Seth cospem sangue na plateia. É a preparação para a apoteose final de “O Father O Satan O Sun”. Nessa, Nergal usa um enorme e bonito manto vermelho, gorro com uma peruca que não mostra bem seu rosto. Seth e Orion também voltam com gorro e a luz indireta toda vermelha em cima dos três cria um efeito fantástico. Ao final arrasador, fica a certeza de que dessa travessia ao Inferno ninguém escapou. 

 

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *