Dorsal Atlântica: há 35 anos, banda lançava “Searching for The Light”

Em algum dia de 1989, não sabemos precisar a data, pois os álbuns nacionais têm essa carência de exatidão, a Dorsal Atlântica lançava “Searching for The Light”, terceiro álbum da carreira desta que é uma das bandas pioneiras do Metal brasileiro e que é assunto nosso por aqui nesta segunda-feira.

Depois do lançamento do ótimo “Dividir e Conquistar“, que se tornou uma pérola do Heavy Metal, com músicas que se tornaram clássicas como “Tortura“, “Vitória” e “Velhice“, eis que CarlosVândaloLopes, levou a cabo uma ideia audaciosa: fazer uma Ópera-Thrash, uma ideia até então inédita entre as bandas que faziam música pesada por nossas terras. Mais do que isso, a ideia era lançar um box com três LPs, mas, por questões econômicas, foi dividida em três partes, o que virou uma trilogia, que começou aqui em “Searching for The Light” e terminaria em “Alea Jacta Est“, que conta a história de um Cristo negro, pobre e de uma região periférica. Aqui em “Searching for The Light“, a história gora em torno de um lugar cheio de injustiças, desigualdade social, tendo uma pequena elite que se alimenta disso. Alguma semelhança com o Brasil? Sim, claro. Então quem pensa que o discurso progressista e antifascista de Carlos Lopes é coisa atual, deve voltar e estudar história. O cara sempre esteve do lado certo.

A formação estava estável, tendo além de Carlos, seu irmão, o baixista Cláudio, que lamentavelmente nos deixou no ano passado, além do baterista Toninho Hardcore. Se os dois primeiros álbuns foram escritos em língua portuguesa, a partir da trilogia, Carlos optou por escrever em inglês, a língua-padrão do Heavy Metal. E o vocalista/ guitarrista deu uma declaração sobre a mudança do idioma nas letras da Dorsal Atlântica. Aspas para ele:

“Quando imaginei o Searching, pensei em uma nova forma de tocar metal, como se o trio fosse uma pequena orquestra clássica executando rock pesado, mas fugindo de todos os clichês. Liricamente, concluí que não deveria escrever letras da maneira tradicional, mas sim contando uma história, como se estivéssemos musicando um livro, tanto que não houve preocupação com rimas, apenas com o conteúdo. O álbum foi composto para ser cantado exclusivamente em inglês.”

Para a gravação, Carlos também disse que na ocasião, a banda não dispunha de um produtor. Quem ajudava neste sentido, eram os técnicos de gravação. O estúdio utilizado ficava em uma fazenda no interior do estado do Rio de Janeiro, de propriedade de Dona Lili Marinho. Sim, a primeira dama da Rede Globo. Ainda de acordo com Carlos, o saudoso Roberto Marinho chegou a aparecer no estúdio enquanto a banda gravava a sua Ópera-Thrash.

Musicalmente falando, “Searching for The Light” traz uma melhoria sensível na produção, além de canções mais elaboradas, com variações no andamento, além das já citadas letras que faziam com que o ouvinte pensasse e não simplesmente “batesse cabeça”. Claro que há aqueles que preferem dizer que a Dorsal Atlântica faz comício ao invés de shows. A banda não toca para esse tipo de público alienado e o álbum está entre os maiores já lançados no cenário da música pesada nacional. Quem gosta de música pesada, rápida e agressiva, não ficará decepcionado.

A ideia inicial para a capa seria trazer ovelhas desgarradas, mas o fotógrafo André Barcinski não curtiu nenhuma imagem apresentada pela banda e produziu uma foto de um ator no meio de um tubo de Metal, como se fosse alguém procurando por uma luz, exatamente como a ideia do álbum, que narra um mundo desigual, onde os mais oprimidos buscam por uma luz, uma solução dos problemas. Coisa que o elitista odeia, afinal, é uma “aberração” ocupar o mesmo espaço em um aeroporto com um rico. Aliás, tivemos um ministro da economia recente que afirmou que não queria mais “as empregadas domésticas” viajando para a Disney. E teve metaleiro aplaudindo uma fala deplorável dessas.

Infelizmente, o trabalho ganhou um status “cult”. O álbum está fora de catálogo e é até possível comprar pela internet, mas o preço é bem salgado: a partir de R$250, é possível adquirir o LP. O álbum não está disponível nas plataformas digitais de streaming. A Dorsal Atlântica fazia história, mas não conseguiu romper as fronteiras do underground, ainda que, através da influência de Carlos Lopes, a banda tenha recebido alguma atenção de veículos como os jornais “O Globo” e o “JB”, ambos do Rio de Janeiro.

A Dorsal Atlântica segue em plena atividade, depois de passar anos em hiato. Eles têm se dedicado a gravar álbuns através de crowfunding, onde os fãs financiam a gravação e ganham uma cópia física do álbum. A Dorsal Atlântica foi confirmada como uma das atrações do Bangers Open Air, novo nome do festival que por duas edições foi conhecido como a versão brasileira do badalado Summer Breeze, que se conseguiu no verão do hemisfério norte. A apresentação vai acontecer no ano que vem. Enquanto a gente não testemunha a Dorsal em um grande festival, como há muito tempo já era de merecimento, vamos celebrar os 35 anos desta grandiosa obra, que merece atenção, especialmente se você for antifa ou no mínimo, tenha consciência de classe, o que está faltando para muito metaleiro por aí.

Searching for The Light – Dorsal Atlântica
Data de lançamento – 1989
Gravadora – Heavy

Faixas:
01 – Hierarchic Democracy
02 – Fighting in Gangs
03 – Misery Spreads
04 – Not to Leave the Power
05 – Only One of Them (Must Be Left)
06 – Gathered Prisoners
07 – Childish Boots and Steps
08 – The Ones Left Scream
09 – History Starts (to Take a Route)

Formação:
Carlos Lopes – vocal/ guitarra
Cláudio Lopes – baixo
Toninho Hardcore – bateria

Flávio Farias

Fã de Rock desde a infância, cresceu escutando Rock nacional nos anos 1980, depois passou pelo Grunge e Punk Rock na adolescência até descobrir o Heavy Metal já na idade adulta e mergulhar de cabeça na invenção de Tony Iommi. Escreve para sites de Rock desde o ano de 2018 e desde então coleciona uma série de experiências inenarráveis.

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