Entrevista Cachorro Grande: Vocalista Beto Bruno fala sobre volta da banda, planos para o futuro e o show em São Paulo no dia 8 de agosto

Quem viveu os primórdios da MTV e da cena independente do começo dos anos 2000, já ouviu falar de Cachorro Grande. Até mesmo quem não viveu isso já, em algum momento, ouviu o grande sucesso da banda, “Sinceramente”, tocando em algum lugar. 

Formada em Porto Alegre, em 1999, a banda atinge o seu sucesso na música brasileira com seu terceiro álbum “Pista Livre”, que está fazendo 20 anos em 2025. 

Em 2019 a banda anuncia seu fim devido a conflitos internos, porém eles retornam em 2024 para celebrar os 25 anos de carreira em uma turnê que passará por todo o Brasil e tem show marcado para São Paulo no dia 8 de agosto no Carioca Club

Para falar sobre a história da banda, seu retorno e o show que eles farão em São Paulo na próxima sexta, nossa jornalista Tamira Ferreira falou com o vocalista e um dos fundadores da Cachorro Grande, Beto Bruno, e você confere tudo abaixo: 

Estava pesquisando sobre a sua trajetória na música e foi algo que você sempre quis fazer, parece até um filme sobre um garoto que tinha um sonho de se tornar um rockstar. Como você vê tudo que aconteceu com você para chegar até aqui? Vendo tudo que a Cachorro Grande alcançou como banda?

Beto Bruno: Legal que você comentou que parece um filme porque recentemente saiu um documentário sobre a carreira da Cachorro Grande que se chama “A Última Banda de Rock” do diretor Lirio Ferreira e estreou ano passado.

Foi só ali que eu me dei conta dessa história, depois que eu vi o filme, eu considero uma história muito bonita. Porque eu nunca tinha parado para pensar, claro que sempre valorizei e continuei correndo atrás, mas tem um momento que esse pensamento se perde e é necessário um resgate para gente valorizar o que está acontecendo hoje de novo com a banda que é essa turnê de 25 anos, essa reunião. 

Vendo o filme pela primeira vez eu vi como tudo valeu a pena. Tudo que eu queria era só montar uma banda e viver de música, de rock, estar na estrada, mas aconteceu muito mais do que isso, algo que eu nunca imaginei que iria acontecer. 

Hoje eu posso dizer que me sinto realizado e não poderia ter feito nada melhor com a minha vida senão fazer parte da banda Cachorro Grande. 

Foi uma época muito boa para o rock independente que estava em alta pelo Brasil. Vocês esperavam esse crescimento da Cachorro Grande no começo dos anos 2000? 

Beto Bruno: De jeito nenhum, nós queríamos ser uma das bandas mais legais do underground porto-alegrense em primeiro lugar, foi onde tudo começou. Isso já parecia grandioso para nós, fazer parte do cenário da cidade. 

Porém, as coisas começaram a tomar uma proporção que a gente não tinha planejado, com certeza nos atrapalhamos bastante com isso, mas não foi nada absurdo.

A Cachorro Grande nunca foi uma banda com uma exposição absurda, mas qualquer coisa que viesse para nós a partir de ser uma das bandas mais legais da cidade, já era lucro. 

E como você falou, eu concordo, o início da década, foi a primeira vez que as bandas independentes começaram a chegar mais próximo do mainstream e pelas próprias mãos. 

A coisa aconteceu mesmo com a Cachorro Grande depois que fomos contratados por uma gravadora de grande porte, a Deckdisk, e foi a partir dali que a banda explodiu no resto do país. 

Então a gente segurou no underground, na Independente Futebol Clube, mas eu posso te dizer que se não fosse a intervenção da gravadora, a banda poderia ter implodido com o tempo, mas, com certeza, estaríamos fazendo a mesma coisa, iríamos estar em cima do palco, mas talvez em menores. 

Eu estava vendo sobre a contratação de vocês com a Deckdisk, tem uma história que vocês falaram para eles que já tinham as músicas prontas, mas não tinham, e tiveram que compor tudo em uma semana. Como foi essa história?

Beto Bruno: Foi uma coisa muito doida, porque tinha acabado de sair o segundo álbum. Dois meses depois que o lançamos, e ele nos ajudou muito a chegar em uma gravadora, nós tivemos o primeiro encontro com o Rafael Ramos que era o diretor musical da Deckdisk aqui em São Paulo. 

Estávamos discutindo sobre um contrato para gravar três álbuns, só que ele nos surpreendeu dizendo que o estúdio da gravadora no Rio de Janeiro estaria disponível em três meses e se tínhamos músicas para gravar um disco. 

Ninguém pensou em outra resposta, apenas sim (risos), só que não tínhamos canções. Na verdade, eu acho que tinha três músicas que a gente estava trabalhando e mesmo assim elas estavam incompletas, não tinha arranjo e não tinha o final das letras. 

Quando terminou a reunião, eu e o Gross, guitarrista da banda, nos trancamos em um quarto do hotel que morávamos, que a própria gravadora tinha disponibilizado para nós, e não saímos dali enquanto não tivéssemos 12 músicas prontas: com letra e arranjo. 

Foi isso que aconteceu (risos), em menos de uma semana já estávamos com todas essas músicas e logo em seguida ensaiando com a banda toda para gravar o disco. Nada melhor que um empurrãozinho (risos). 

A banda teve uma quebra da bolha do rock n’ roll e alcançou um grande sucesso nacional com “Sinceramente”, que é uma balada. Como foi para vocês verem o estouro dessa música? 

Beto Bruno: Eu adoro as baladas das bandas de rock, tem uma que são matadoras, nos shows elas funcionam muito bem e realmente traz um outro tipo de público que não é o roqueiro ortodoxo.

A gente ama isso também, a gente gosta de música pop, de música popular, a gente gosta de tudo que faz parte da nossa vida e nunca tivemos preconceito com isso. 

Só que até então, a gente não tinha feito uma balada nesse molde de amor, a gente já tinha uma balada no primeiro disco que era “O Dia de Amanhã”, mas era outro papo, era uma coisa mais filosófica. 

A coisa mais engraçada de todas, para você ver como estava a minha cabeça na época, eu fui contra a inclusão dessa música no disco. Impressionante como estava errado porque ela acabou sendo a música mais famosa da banda. 

Eu entendo a sua pergunta porque é muito engraçado, a Cachorro Grande é um tipo de rock mais pesado, os shows são em um volume absurdo. Mas tem essa balada no meio que traz outros públicos. 

Na época, inclusive, até os fãs mais ortodoxos da banda torceram o nariz, mas pode ter certeza de que hoje é uma das músicas que eles mais curtem também porque ela impregnou no ouvido de todo mundo naquela época. 

E ela levou vocês para um outro patamar porque antes era aquela coisa MTV, cena independente.

Beto Bruno: Exatamente, ela abriu muitas portas para nós. Na mídia e no público. 

Vocês saíram da cena de Porto Alegre, vieram para São Paulo e se consolidaram com um sucesso nacional, mas alguma vez rolou a vontade de ir para fora, fazer um álbum em inglês? 

Beto Bruno: O lance de cantar em português é uma decisão nossa desde o início, a gente não abre mão disso, somos uma banda brasileira de rock. 

Vontade de ir para fora sempre teve, mas eu vou te dizer porque nunca aconteceu… 

A Cachorro Grande está no meio entre o underground e o mainstream, então a gente nunca pode deixar de tocar, é uma banda que estava todo final de semana na estrada. Até hoje, misturando os shows solos e os da turnê da Cachorro, estou todo final de semana na estrada.

Nós tínhamos muitos compromissos, uma coisa que uma banda do underground não tem e eles podem tirar um mês da sua vida para ir para fora. E ao mesmo tempo a gente não era uma banda tão grande, que pudesse se dar ao luxo de ficar um mês fora do Brasil e bancar uma turnê. Não era uma banda que faria uma turnê solidificada em outro país. A gente iria chegar lá tocando em lugar muito pequeno porque ninguém conhece a banda. 

Então a gente sempre esteve ali no meio, diferente do Skank, eles com certeza tocariam em Portugal, em Londres e teria um público, de brasileiros, ok, mas teria uma casa cheia. A Cachorro Grande não. 

Posso até te falar que faltou um pouco de coragem.

E essa questão de vocês cantarem em português, é uma interpretação minha, mas eu acho que a Cachorro Grande tem muito a cara do Brasil, mesmo vindo de um estilo que é indie inglês, as letras falam muito sobre o que é ser brasileiro e o nosso dia a dia.

Beto Bruno: Que legal ouvir isso, obrigado, é um elogio! 

E eu acho que combina muito com vocês cantando em português. 

Beto Bruno: Estamos conversando com o nosso público, com a nossa geração, com as pessoas que estão a nossa volta e com as pessoas que compram os nossos discos. 

Fora a influência que a gente tem de música brasileira é muito grande, e muita gente não sabe disso, mas, não só o rock brasileiro, também a MPB, Tropicália, são influências muito grandes na banda. 

Quando pequeno, que eu era um beatlemaníaco, pela primeira vez eu escutei Os Mutantes, soando daquela maneira, mas cantando em português, para mim pareceu óbvio e eu não sentia diferença. E do jeito que eles usavam as palavras, era um lance tão genial quando escutei Os Mutantes, e a fase mais rock do Gil e do Caetano.

Eu não sentia que a música deveria se em inglês só porque era rock, eles fizeram de uma maneira tão genial e aquilo abriu a nossa cabeça.

Eu vejo que as bandas agem de formas diferentes em sua formação. Tem algumas que são mais contratuais, outras criam um forte vínculo de amizade. Como era essa relação dentro da Cachorro Grande? Eu sei que vocês eram muito próximos e isso até gerou um conflito e o fim da banda, mas para vocês tinha essa importância de todos os membros terem um papel importante na música?

Beto Bruno: Bom, as bandas que eu sou realmente fã são bandas de verdade, não são bandas produzidas por gravadoras, por empresários. São bandas que antes de se reunirem e decidirem tocar juntos, já eram amigos que ouviam música juntos e que tinham o mesmo sonho, o mesmo gosto musical.

Eu tenho o maior orgulho de falar que a Cachorro Grande é uma dessas bandas. 

Os meninos que ouviam Beatles, Rolling Stones, Os Mutantes, Caetano e Gil, The Who e queriam fazer música própria desde o início.

Nunca teve essa coisa de: “Eu sou o dono da banda, eu que montei, eu dei o nome”, por parte de nenhum dos integrantes, a gente sempre soube o papel de cada um desde o início. Eu tenho certeza de que sem alguma dessas partes, não teria acontecido conosco o que aconteceu. 

Era uma relação de família mesmo antes de começar a banda, antes de começar a se encontrar todos os dias para compor, ensaiar e no final de semana estar na estrada, que é aí que o negócio pega mesmo. 

Claro que como toda família, uma hora essa bolha iria explodir e foi o que aconteceu. 

Muitas pessoas falam: “Como assim acabou?”

Cara, foram 21 anos juntos, é tão raro as bandas passarem do teste do segundo disco, nós lançamos 10, foi muito tempo junto. 

O mais legal de tudo, é hoje, cinco anos depois da banda ter acabado, a gente estar em cima do palco e curtindo como nunca.

As feridas cicatrizaram, ninguém está trazendo histórias ou situações que a gente passou antes de ter terminado, os últimos cinco anos da banda foram muito difíceis.

Mas deixamos isso lá para trás. E com a ajuda do filme também, porque quando assistimos o filme, a gente lembrou das coisas boas que aconteceram e foram muito mais do que as ruins. A gente começou a lembrar disso: das conquistas, dos momentos geniais, dos momentos mágicos que a gente passou junto. 

É por causa disso que estamos juntos de novo hoje na estrada. 

E como está sendo tocar juntos? Tem algum sentimento de nostalgia, tem algo diferente? 

Beto Bruno: Eu vejo uma diferença por parte da banda, não só de atitude, mas musical também, porque nesses cinco anos separados, todos lançaram discos solos, então ninguém ficou parado e, com certeza, todos aprenderam muito. 

Então, quando a gente se reencontrou, tem uma coisa a mais ali. E o mais legal de tudo é que desde o primeiro show, dessa volta, já estava lá tudo o que a gente tinha deixado antes da banda terminar. 

Tive que fazer muito show solo, e me sentia muito sozinho, apesar de ter outra banda, mas na hora do palco, eu me sentia sozinho sem a presença deles, eu tinha saudades. 

Então essa saudade ajuda também a gente entrar de coração no que está fazendo. 

A sonoridade está muito mais bacana, está mais amadurecida, a gente não tem aquele pensamento que a gente precisa continuar fazendo o mesmo tipo de rock porque está agradando aquele público, a gente continua pensando em fazer um disco diferente do outro, continua pensando em fazer um show melhor que o outro porque é isso que nos mantém na estrada todo esse tempo. 

Você falou sobre disco, vocês têm planos para lançar discos, fazer algo com a Cachorro Grande?

Beto Bruno: Bicho, nesse meio tempo, a gente já está há mais de um ano nessa turnê, inclusive, esse show de São Paulo era para ser o último, mas acabaram marcando mais. A turnê que era para ser de 20 shows já virou 45, está virando 60.

Nesse meio tempo a gente começou a mostrar músicas um para o outro, eu e o Gross também já nos sentamos em alguns momentos para mostrar o que a gente tem composto e aconteceu que a gente já reuniu muita música.

Tem material para gravar um disco e eu gostaria muito de lançar mais um de inéditas com a Cachorro Grande e fazer a turnê. Isso tudo para o ano que vem.

Eu gostaria de falar sobre o show e sobre o público do São Paulo. Vocês têm uma relação especial com a galera daqui. 

Beto Bruno: Ah, sim! Eu moro desde 2004, já são 20 anos morando em São Paulo e antes disso a gente vinha bastante para shows. 

Quando a gente fechou o contrato com a gravadora, o papo foi que seria melhor a gente vir morar em São Paulo para trabalhar no disco e na banda. 

Tinha a MTV aqui, na época a cena roqueira mandava na cidade, a Augusta, por exemplo, era um lugar que na segunda-feira tinha quatro shows com bandas autorais, final de semana tinha 20 shows acontecendo na mesma rua. 

Nós chegamos na época de efervescência cultural muito forte, muito ligado ao rock de São Paulo e foi a melhor coisa do mundo para nós. 

Do jeito que nos receberam aqui, logo a gente estava fazendo parte da cena. Tanto o público quanto as bandas, que acabaram ficando nossos parceiros, nos receberam de braços abertos. A gente via que eles curtiam muito o som que a gente fazia, tinha tudo a ver com aquele momento, estávamos no lugar certo e na hora certa. 

Desde lá é uma relação de amor com a cidade que é um orgulho ser recebido aqui desse jeito. A banda toda tem muito a agradecer a cidade de São Paulo. 

Beto, muito obrigada, essas foram as minhas perguntas.

Beto Bruno: Eu gostaria de falar sobre o Hurricanes que vai fazer a abertura do show do dia 9, é uma banda fantástica, eu sou muito fã deles. 

A história deles é muito parecida com a nossa porque eles são uma banda do Rio Grande do Sul e vieram para São Paulo há cinco anos, mesma coisa que a gente fez no início do século. 

Tem tudo a ver estar conosco! Eu imagino se eles tivessem chegado há 20 anos e visto aquela cena que existia aqui. 

Nossa, seria outra coisa. 

Beto Bruno: Mas não é porque eles chegaram atrasados que a gente não tem que prestigiar, então chama a galera para vir mais cedo os assistir. 

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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