Há 22 anos, a voz única de Layne Staley se calava

Em 1990, o mundo já não era o mesmo. A década das mudanças e impactos no cotidiano, onde tudo era refletido nas artes. Fosse nos filmes, como em “A Outra História Americana“, onde gangue extremistas brotavam em prol de um “ideal” chulo através de falacias de mais velhos, e claro, a música é um reflexo monstruoso desses demônios.

Como disse Focault em “A História da Locura“, “o louco pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se parece com a da razão, as palavras racionais que fazem a comedia desatar no cômico: ele diz o amo para os enamorados, a verdade da vida aos jovens, a medíocre realidade das coisas para os orgulhosos, os insolentes e os mentirosos” e Freud, em “O Mal Estar na Civilização“, “A vida tal como a encontramos, é árdua demais para nós, proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar medidas paliativas.”

Essas palavras se refletem em dois dos maiores movimentos da música pesada noventista, o nu-metal e a raiva e frustração do Korn e outros, cantando as pancadas de uma vida sombria e cheia de traumas, sem poder reagir, e a melancolia e densa carga depreciativa do Alice In Chains.

Esse último, através de Layne Staley, dava voz as letras que Jerry Cantrell compunha, trazendo a melancolia de uma coberta por neblina, Seattle, e como Schopenhauer disse em “O Mundo Como Representação“, “(…)denominávamos o mundo como representação, no todo ou sem suas partes, a objetividade da vontade, quer dizer: a vontade tornada objeto. Representação“.

E o que Layne tinha era a vontade tornada objeto ao cantar pontos cortantes como em “Down in a Hole” e “Nutshell”. Ou sua raiva explodindo em “We Die Young“, falando sobre jovens morrendo cedo em gangues e linkando com o início desse texto sobre o filme citado.

Estamos falando de um anos 90 quebrando paradigmas, dando os primeiros passos do digital, com o avanço dos video games e a chegada da internet. Mas ao mesmo tempo, de uma juventude mais atingida, como diz Douglas Kelner em “Cultura da Mídia“, “Beavis and Butt-Head reagem visceralmente aos vídeos, rindo com deboche diante das imagens, achando “legais” as representações de violência e sexo, enquanto qualquer coisa complexa, que exija interpretação é um saco“.

A voz rouca e estridente de Staley cai nessa mesma juventude como uma bomba atômica, e coloca sob suas asas uma gama de seguidores que se identificavam com ele. Mas assim como seus “novos filhos”, Layne lidava com suas próprias dores e mazelas, recorrendo ao obscuro quando a arte não era suficiente. Freud explica: “Não obstante, a suave narcose a que a arte nos induz, não faz mais do que ocasionar um afastamento passageiro das pressões, das necessidade vitais, não sendo suficientemente forte para nos levar a esquecer a aflição real“.

E assim, mais uma vez a nuvem escura e em espiral foi envolvendo um grande talento, que aos poucos foi se definhando e se enveredando em caminhos espinhosos, tortuosos e tornando vontades em aços, como Ariano Suassuna diz, “o personagem trágico, homem de caráter excepcional e, por isso mesmo, personalidade na qual se misturam o bem e o mal, é levado, pela própria grandeza de suas paixões, de suas qualidades e de seus defeitos, a um conflito. (…)Aí, ao contrário do que se pensa, vê-se que a tragédia é causada pela vontade e não pela fatalidade. As pessoas comuns escolhem sempre o caminho mais tranquilo e seguro; as personalidades trágicas escolhem os de maior perigo, os mais arriscados e cheios de grandeza. É, portanto, essa, a decisão à qual se refere Aristóteles como reveladora do caráter trágico; e é essa decisão que leva o personagem a se dilacerar no “conflito trágico”: tais caracteres nunca estão em paz nem consigo mesmo, nem com as circunstâncias exteriores, e os autores trágicos ora acentuam um aspecto, ora outro, do conflito”

A tragédia se abateu ao esquelético e cadavérico Layne Staley em seu final de vida, e culminando em mais um nome ao macabro 5 de abril. Com apenas 34 anos, com tentativas de ajuda de nomes como John Frusciante, mas sem sucesso, o fim foi uma mãe sentada ao lado de um cadáver também sentado, que lhe aparentava ser um manequim de cera, já desforme e sem aparência com um humano, segundo palavras da própria, que fez questão de entrar e ver o filho, mesmo com policiais a tentando impedir, pois esta foi sua promessa.

Parafraseando o personagem Danny Vinnyard em “A Outra História Americana“, que diz, “quando não tiver um bom final, termine com uma citação”, lembramos estes 22 anos sem Layne Staley com uma fala de Epicuro:

“Não existe nada de terrível na vida para quem está convencido que não há nada de terrível em deixar de viver”

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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