Os 25 anos da era Gary Cherone no Van Halen: realmente ruim como muitos dizem?

Fase do Van Halen com o ex-frontman do Extreme completa 25 anos. Neste artigo tentamos analisar: a polêmica era foi tão ruim quanto dizem?

O Van Halen viveu duas grandes fases celebradas, aclamadas e conhecidas em sua carreira: a primeira, entre 1974 e 1984 (e reunida de 2006 à 2015), com o cantor Dave Lee Roth; já a segunda, entre 1985 e 1996 (e retomada de 2003 à 2005), com o frontman Sammy Hagar. Entretanto, uma outra era do quarteto californiano acabou caindo em um certo mau julgamento pelos seus fãs: a que Gary Cherone assumiu os vocais, entre 1997 e 1999.

Atualmente, passados 25 anos desse período, muitos admiradores do grupo se perguntam: o que teria dado errado neste período? Qual o motivo da passagem ter sido tão curta? E por fim talvez o mais árduo questionamento: essa fase é realmente ruim musicalmente ou foi permeada de decisões ruins que minaram o alcance comercial do Van Halen no fim da década? Neste artigo procuramos responder algumas destas questões.

Os antecedentes e chegada de Gary Cherone

Para analisarmos toda a era Gary Cherone, ou a chamada “era VH3”, precisamos contar e analisar todos os antecedentes que levaram ao lançamento do álbum homônimo “VHIII”, em 1998. E para isso, será necessário voltarmos a 1996…..

No citado ano, o Van Halen vinha de um período aparentemente muito bom. O grupo estava estabelecido na cena do rock noventista em meio ao grunge, encarava uma longevidade comercial e artística com seu vocalista Sammy Hagar há 10 anos, e vinha de boas críticas e vendas (ainda que digam o oposto) de “Balance” (1995), seu trabalho mais recente à época. Apesar do clima externo parecer o melhor possível, as coisas na banda não iam nada bem internamente. Hagar e em especial Eddie Van Halen enfrentaram uma série de celeumas durante um novo projeto que o Van Halen desenvolvera: a trilha sonora do filme “Twister”.

Embora ambos aos trancos e barrancos tenham conseguido escrever uma ótima canção para a trilha do longa, a subestimada “Humans Being”, durante a escolha da segunda faixa que entraria no soundtrack as brigas entre ambos se acirraram. Eddie estava impaciente sobre a falta de disponibilidade do cantor em compor uma faixa consigo, enquanto Sammy estava afastado devido a questões familiares, envolvendo sua mulher que enfrentava uma gravidez de risco à época.

Com as disputas, a segunda canção da trilha acabou virando uma vinheta instrumental e foi o estopim para a saída de Sammy do conjunto. Após a saída do cantor, se abriu um buraco negro que dividiu agentes próximos a banda e executivos. Enquanto uns defendiam a procura de um novo frontman, outros pediam a volta de Dave Lee Roth para a gravação de novas faixas para uma coletânea – na qual Hagar era contra. Para manter os ânimos e garantir uma boa vendagem àquele ano, o Van Halen (leia-se Eddie, seu irmão Alex e o empresário Ray Danniels) decidiu chamar Roth momentaneamente para gravar as novas músicas para a compilação e fazer aparições públicas, enquanto em paralelo continuavam audições “no sigilo” com novos cantores.

Acabou que a única aparição ocorreu em 1996, na cerimônia do Video Music Awards (VMA), e Roth depois de gravadas duas músicas para a coletânea – as boas “Can’t Get This Stuff No More” e “Me Wise Magic – não voltou à vera ao Van Halen. Com isso, mais e mais ensaios, audições e testes com cantores foram feitos. Dois nomes em específico foram forte nas apostas: o da cantora Sass Jordan e do músico Mitch Malloy. No caso de Malloy, ele até mesmo chegou a ser apalavrado que estava no conjunto após alguns ensaios, mas não foi mais contatado pouco tempo depois da “volta” de Roth. Um terceiro nome que estava no radar acabou vingando: o de Gary Cherone, que havia estourado no início da década no Extreme, banda na qual ficou conhecido pelo seu estilo glam “flamboyant” e ao mesmo tempo técnico de cantar.

A escolha de Gary e do background sonoro que ele tinha, representavam uma espécie de tentativa do Van Halen à uma volta às raízes sonoras de seus discos dos anos 70 e começo dos anos 80. O músico era um fã inveterado da fase pré-Hagar, preferindo trabalhos mais pesados e densos dos discos iniciais do conjunto. Tal decisão artística após a era Hagar mostrava uma certa coragem da banda, visto que o egresso vocalista em sua fase entre 1985 e 1996 teve um sucesso comercial maior que o Van Halen em seus anos iniciais.

Eddie se encantou pelo trabalho de Gary e não tardou para que o guitarrista apresentasse demos que estava desenvolvendo. Ao longo do ano de 1997, entre várias indas e vindas nas sessões, foi curiosamente e quase que por acaso, se formando um álbum. À princípio um trabalho feito quase que integralmente à seis mãos (de Gary + Eddie + o produtor Mike Post), chegou às lojas em 1998, “Van Halen III”, fruto destes um ano e meio de um Van Halen quasi-fantasma. E não, esse “quase”, não se refere a tudo que aconteceu até a chegada de Cherone, mas durante sua gravação também.

O álbum em si: bomba ou bombom?

“Van Halen III” antes de seu repertório em si deve ser analisado pelo período de suas gravações. O álbum foi o primeiro da banda em que o baixista e vocalista Mike Anthony praticamente não participou. Ele, parte integral do som do Van Halen, especialmente na construção de bases e backing vocals, apenas tocou em três das doze músicas do trabalho. O irmão de Eddie, Alex Van Halen, gravou suas partes de bateria em poucos dias no estúdio, com a maior parte do trabalho sendo de Eddie, Gary e do produtor Mike Post, que atuou como “conselheiro” musical do guitarrista no trabalho.

Tal direcionamento afetou diretamente não só, obviamente, a produção do disco, tirando o peso maior das composições e priorizando um som mais rebuscado, algo que não combinava com as músicas recém feitas, e, lançadas. Aqui também houve uma mudança no repertório, mais sutil entretanto, com letras mais politizadas, intimistas e canções mais densas. Mas ainda assim, com essências pesadas.

Apesar de toda essa mudança que dá o ar de “desconjunção” ao trabalho, a experimentalidade e densidade do trabalho o tornaram único na discografia. “Van Halen 3” não é necessariamente um álbum ruim, mas sim um prisma novo de uma banda veterana. O disco possui suas cotas de constrangimento, claro (especialmente na mid-ballad “Josephina” e em “How Many Say I”, esta a pior faixa da carreira do grupo, algo exemplifiado por ter Eddie Van Halen nos vocais, isto claro, se formos generosos em chamar a péssima voz da lenda das seis cordas em “canto”), mas no geral é recheado de ótimas composições, contudo não valorizadas: seja pelo pré-conceito dos fãs, pela produção um tanto quanto equivocada ou pelo fato das músicas do disco serem solenemente (ou não) ignoradas de coletâneas e afins futuras do Van Halen.

A prova destas ótimas composições fica a cargo da excelente “Without You“, a old-school “One I Want” (que poderia ser facilmente um clássico da era-Lee Roth), as pesadas e interessantes “Fire In The Hole” – esta um trabalho que relembrou os melhores momentos da era Hagar, especialmente no álbum “F.U.C.K.” (1991) – e “Dirty Water Dog”, esta última um crime não ser valorizada como merecia. As densas “Once” e o número semi-blues ‘épico’ (provavelmente uma ode aos trabalhos do Led Zeppelin) “Year of The Day” também não deixam a desejar em nada, especialmente a última citada.

No geral, isto não se refletiu nas vendagens. “Van Halen III” se tornou o primeiro álbum da banda a nem chegar ao milhão de cópias vendidas. A banda fez uma forte promoção do trabalho em rádios, clipes (“Without You” teve um grande investimento na MTV neste período), mas que não adiantou muito ao destaque do trabalho.

Entretanto, algo especial foi reservado a essa fase: as apresentações ao vivo. Como uma tentativa de promover a nova formação em todo o mundo, o Van Halen deu uma atenção especial às datas de sua turnê de 1998 em suporte ao disco, incluindo shows em continentes que até então nunca tinham tocado, como a Oceania, além de passagens em lugares que não se apresentavam há muitos anos. Para as ocasiões, Cherone pediu para que a banda resgatasse canções antigas do repertório da era Dave Lee Roth, que Sammy Hagar se recusava a tocar ao vivo. Neste molho de resgate à “lados b” da era Roth mais as melhores canções do novo álbum, formou se uma das melhores tours da história do Van Halen, com a banda tocando muitíssimo bem em todas as apresentações. Com um repertório perfeito e com as canções de “VHIII” finalmente apresentadas como deveriam estar no disco, sem o engodo producional de Mike Post.

Vale lembrar que à época Eddie Van Halen ainda não estava em suas crises alcoólicas (que começaram e pioraram nos anos 2000) e a relação entre todos os integrantes (especialmente de Michael Anthony para com os irmãos) ainda era relativamente boa. Cherone também indubitavelmente cantava muito bem e de maneira versátil, cantando e performando muito bem faixas da era Roth e Hagar com intensa propriedade. Uma dica especial: se vocês ainda não viram shows desta fase, vejam e reparem como essa formação se apresentava não só bem ao vivo, como era criminalmente subestimada.

O pós e o “VH III” hoje

Após o fim da excursão, em 1999, o quarteto tentou se reuniu para as sessões de um novo álbum. Após algumas poucas demos gravadas, Cherone deixou o projeto e o Van Halen entrou numa maré de azar imensa. Os irmãos passaram quase quatro anos sem gravar, Eddie começou a ter sérios problemas alcóolicos (que o levariam a uma séria reabilitação), uma turnê de reunião problemática com Hagar foi feita, Michael Anthony seria enxotado da banda na qual ajudou a fundar, etc.

Em suma, a era Van Halen III está longe de ser a mais querida ou uma das mais queridas por fãs. Mas olhando retrospectivamente, será que representou algo ruim para a banda no geral? O quarteto americano tinha um bom entrosamento nos concertos, as composições funcionavam no ao vivo e o trabalho pós-Cherone foi recheado de problemas, tanto artísticos quanto de saúde de seus integrantes. O tempo talvez tenha dito que todo este período não necessariamente precisasse de uma segunda chance ou continuidade, mas talvez uma forma diferente de ser feito e principalmente, avaliado pelos fãs.

Uma produção menos rebuscada, mais participativa de todos e com uma escolha de repertório melhor (exclusão das duas piores faixas citadas + a instrumental “Primary”) teria feito um trabalho interessante e muito provavelmente melhor comercialmente. Todas as canções eram muito bem recebidas ao vivo. Se as músicas eram consideradas boas nos shows, por qual motivo o disco não vendia? Deu para ver claramente que esta fase tinha algo a oferecer, e de certa forma tentou se provar e mostrar, mas não conseguiu fazer isto da maneira correta. E infelizmente não teve tempo para tal.

Passados 25 anos deste período, agora é tarde demais para pensar o que poderia ter mudado ou se perguntar o porquê o disco (e a formação) não engrenou. Mas nunca é tarde para perceber que apesar de tudo, esta fase foi injustiçada e que entregou o melhor que pôde. E que, verdade seja dita, está há anos luz de ser tão ruim quanto dizem. Muito pelo contrário……….

Kelvyn Araujo

Formado em Jornalismo pela Universidade Do Grande Rio. Com experiência jornalística em rádio, audiovisual e redes sociais de anos, é apaixonado por música e todas as suas vertentes. Atual editor-chefe e host do canal/página Progland, sobre rock progressivo.

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