Placebo faz de apresentação em SP uma conexão quase perfeita entre música e público; restrição ao uso de celulares vira desafio aos fãs na pista
Texto por: Tiago Pereira
Foram dez anos de espera até a volta da banda Placebo ao Brasil. O duo, composto pelo belga Brian Molko e o sueco Stefan Olsdal, acompanhados da banda de apoio, se apresentou no último domingo (14), no Espaço Unimed, na Zona Oeste de São Paulo, em um show único no país, marcado por um pedido de restrição ao uso de celulares por parte do público presente – algo respeitado pela maioria – e por um repertório que contou com dez das 13 faixas de seu último álbum, “Never Let Me Go” (2022), além de uma parcela de sucessos da carreira da banda. A abertura foi da banda Big Special e o evento foi gerido pela Mercury Concerts.
Configurações inusitadas
A ausência de uma pista Premium, a pedido da banda, mudou as configurações fora e dentro do Espaço Unimed. Na entrada, a fila praticamente única facilitou a entrada dos fãs e, até mesmo, a vida dos operadores e organizadores. Dentro da casa de eventos, mesmo com o local lotado a partir do show principal, havia notáveis espaços entre as pessoas, o que facilitou a circulação, a busca por bebidas e, principalmente, aliviou um pouco do calor que fazia naquela noite, algo que seria um empecilho em caso de apertos e de uma dependência única dos sistemas de ventilação do local.
Antes da apresentação de abertura, o Espaço Unimed já tinha uma lotação considerável e, assim, os presentes puderam ver a primeira dupla da noite.
Big Special
Os ingleses Joe Hicklin e Callum Moloney entraram no palco do Espaço Unimed às 18h50, como previsto. O primeiro é vocalista e, vestido com uma roupa social, não exitou com o calor do final de tarde; já o segundo, na bateria, entrou no palco sem camisa, com chapéu de pesca e óculos escuros. O som dos demais instrumentos foi reproduzido pelas caixas e serviu de suporte para uma banda que focava em um som disruptivo, mas dentro de características do Rock Alternativo.
O duo tocou sete faixas, todas elas como parte do futuro álbum de estreia da banda, intitulado “Postindustrial Hometown Blues”, com lançamento previsto para 10 de maio. Nelas, havia um misto musical que envolvia trechos mais focados no canto ou no recitar de versos de Joe Hicklin, somados ao backing vocal ou a reprodução das últimas palavras de um verso, por parte de Callum Moloney; em outros, trechos instrumentais em que Callum mostrou seu potencial rítmico na bateria.
Essas características ficaram evidentes desde a primeira faixa, “DESPERATE BREAKFAST”. Em seguida, vieram as músicas “THIS HERE AIN’T WATER” e “SHITHOUSE”.
“Butcher’s Bin”, single mais recente da dupla e lançado quatro dias antes do show, deu segmento à apresentação. Antes, em discurso de ambos, veio a apresentação, em alto e bom tom, tanto em inglês, quanto na língua portuguesa: “We are Big Special! Nós somos Grandes Especiais!”.
Já em “Dust Off / Start Again”, Hicklin mostrou mais de seu estilo voltado à poesia, sem liricidade na voz e com forte entonação. Após a pergunta sobre a plateia estar bem e o anúncio das faixas finais do show, o duo tocou “Trees”, onde Callum saiu de sua bateria para cantar junto ao parceiro de banda e, além disso, se aproximar do público presente na grade. Na volta, o baterista fez por onde para arrebentar na finalização da faixa.
Por fim, o Big Special tocou “Dig!”, momento em que o jogo de iluminação do palco foi o mais favorável possível e acrescentou o ânimo à faixa que, só pela dupla, valeu muito!
As demonstrações de gratidão e de afeto ao público foram enormes ao final da apresentação, de modo a serem ovacionados no término e em seu retorno – desta vez, para auxiliar a equipe na desmontagem do kit de bateria da Callum.
Placebo – Pré-show
O intervalo entre o show de abertura e o principal, de 40 minutos, teve características peculiares a se observar e um aviso que foi pauta do público e de quem acompanhava as informações nas redes sociais, mas que já era previsto seja por aviso no local, seja pelo que já se sabia de shows anteriores na América do Sul.
O telão central, que foi configurado antes da abertura dos portões, contava com vinte placas retangulares – algumas das superiores um pouco tortas, inclusive – e pequenas placas de luzes. Já os instrumentos, instalados e posicionados pela staff no intervalo pós-show do Big Special, tinham como fator notável a predominância da cor branca. Logo, teclado, bateria e sintetizador ficaram alinhados ao fundo do palco, dando espaço para o duo. Em terceiro, algo inusitado para alguns shows: as músicas que tocaram no intervalo eram trilhas brandas, instrumentais e com uma pegada tecnológica, com batidas leves e algumas entradas de teclado ou sintetizador, algo que não é comum num intervalo entre abertura e show principal, cujo costume envolve músicas de outras bandas.
Mas a característica principal – a mais falada entre os fãs – surgiu às 19h45, há 15 minutos do horário do show do Placebo, nos telões laterais do Espaço Unimed: a banda soltou uma nota que, resumidamente, pedia para que os fãs não usassem celulares para fotos ou vídeos durante o show, por muito tempo, além de pedir para que houvesse uma atenção ao show, uma conexão com as letras das músicas e com o que ocorria no palco. Junto a ela, uma trilha musical que, em alguns momentos, lembrou um ringtone de celular.
Havia, claro, avisos em alguns locais do Espaço Unimed indicando o não uso. No entanto, só com o aviso no telão que os fãs ou entenderam a mensagem, ou começaram a falar a respeito com mais ênfase. Alguns, próximos de onde me posicionei para acompanhar o show, chegaram a questionar e indicar que, mesmo com o pedido da banda, gravaram alguns trechos sem medo de possíveis represálias – algo que não ocorreu em momento algum da apresentação.
Abaixo, a nota emitida pela banda:
Caros fãs do Placebo,
Gostaríamos de pedir a gentileza de NÃO passarem o show filmando com seus celulares. Isso torna o desempenho do Placebo muito mais difícil. Também nos dificulta comunicar com vocês e comunicar de forma eficaz as emoções das músicas. Achamos desrespeitoso com seus colegas frequentadores de shows que querem assistir ao espetáculo e não pela parte de trás do seu telefone. Por favor, esteja aqui e agora no presente e aproveite o momento. Porque este exato momento nunca mais acontecerá. Nosso propósito é criar comunhão e transcendência. Por favor, ajude-nos em nossa missão.
Com respeito e amor,
Paz
Placebo – a apresentação
Após 15 minutos com a mensagem nos telões, leituras em inglês e português de intérpretes e, nos minutos finais antecedentes ao show, com distorções que acompanhavam a foto da dupla no telão principal, a apresentação, de fato, começou com o sumiço do texto e a entrada em luz azul.
Alguns fãs, claro, não acataram o pedido do Placebo e levantaram seus celulares para, ao menos, gravar a entrada da banda. Era possível ouvir alguns fãs pedindo para que abaixassem ou desligassem os aparelhos.
Às 20h em ponto, os membros de apoio entraram no palco, ovacionados pela plateia: Angela Chan (teclado, backing vocal, percussão e violino), Bill Lloyd (Teclado sintetizador, baixo e guitarra de base), Matt Lunn (bateria) e Nick Gavrilovic (guitarra) se posicionaram ao fundo, enquanto Brian Molko (vocal e guitarra) e Stefan Olsdal (backing vocal, guitarra, baixo e piano) vieram na sequência, ainda mais reverenciados pelo público presente num Espaço Unimed já lotado e com uma visão diferenciada, uma vez que não tinha pista premium.
A faixa inicial foi “Forever Chemicals”, que também inicia o álbum “Never Let Me Go” (2022). De início, já se percebia que o telão seria apenas de imagens dos integrantes da banda no palco, com efeitos distorcidos e cores vibrantes. Para isso, havia câmeras especiais postadas nas extremidades e à frente do palco.
Brian trocou de guitarra pela primeira vez. E sim, ele trocou seus modelos, com repetições, em TODAS as faixas. Isso também ocorreu com Stefan, que diferentemente de Molko, transitava entre guitarra e baixo, de acordo com o que a música pedia e, claro, sob o suporte de Bill Lloyd: quando Stefan tinha a guitarra em mãos, Lloyd ou estava com o baixo, ou com seu teclado. E quando o multinstrumentista sueco tinha o baixo, era Lloyd que, junto a Nick Gavrilovic, acompanhava Molko com as guitarras.
A segunda faixa, “Beautiful James”, também do álbum mais recente da banda, trouxe ainda mais ânimo aos fãs, principalmente por conta dos teclados e do refrão cantado por Brian, ambos muito destacados e bem combinados neste que foi o primeiro single lançado para o LP. Em seguida, “Scene of the Crime”, do álbum anterior, “Loud Like Love” (2013), teve como ponto áureo a confusão causada pelo ritmo de palmas pedido principalmente por Angela Chan e que, ao longo dela, poucos fãs conseguiram acompanhar, enquanto outros tentaram impor um ritmo mais simples. Brian Molko, inclusive, demonstrou ânimo ao puxar o ritmo batendo na própria guitarra.
Já em “Hugz”, faixa que fala muito sobre como o abraço vira uma rota de fuga para fugir de si, apesar de uma letra um pouco que melancólica, era notável o ânimo de Brian Molko, que chegou a transitar pelo palco e ser reverenciado pelos fãs em uma das extremidades.
Na rara pausa para discursos, Brian Molko fez questão de relembrar o intervalo de dez anos sem vir para o Brasil, demonstrando também uma impressão positiva pela casa cheia, algo que não ocorreu em 2014, no que na época ainda era o Citibank Hall (VIBRA São Paulo): “Wow, olha para o tanto de pessoas que temos hoje à noite!”.
Brian ainda fez questão de dar os parabéns em inglês e em português – com um parabéns que soava com um sotaque de Portugal – e pedir aplausos para Bill Lloyd, que fez 53 anos no dia do show de São Paulo. Os fãs presentes, claro, puxaram o clássico “Parabéns Pra Você” que, por conta da interrupção do próprio Brian, parou nos “Muitos anos de vida”.
Após as felicitações, a banda voltou a tocar, desta vez com a faixa “Happy Birthday in the Sky”. Apesar do cunho melancólico da faixa, Brian e Stefan deixaram claro que a faixa viria com um tom de celebração, em homenagem ao aniversário de Bill, que toca com o Placebo desde 1996 (apesar de não ter atuado em 1997). Foi nesta música, inclusive, que ocorreu a única intervenção da staff perceptível, quando um membro correu para corrigir o que aparentava ser uma falha em um dos pedais de Molko.
A banda prosseguiu com “Bionic”, única faixa do álbum homônimo da banda, de 1996, tocado no setlist daquela noite. Em seguida, em “Twin Demons”, Molko chamou a atenção para momentos em que batia sua mão na cabeça para ditar um possível ritmo da faixa, apesar das muitas palmas ritmadas dos fãs.
“Surrounded by Spies” trouxe um tom mais lento para o show. Já “Soulmates” destacou novamente o tom sintetizador do teclado de Bill Lloyd e contagiou o público a partir de seu refrão.
O Placebo deu sequência com “Sad White Reggae” e “Try Better Next Time”, também faixas do novo álbum da banda. “Too Many Friends”, uma das faixas mais conhecidas do álbum “Loud Like Love” (2013), foi reproduzida sem as mesmas modificações do último show no Brasil, quando Brian Molko trocou “Friends” por “Phones”, em alusão aos muitos celulares em gravação naquele show. Desta vez, eram raros os aparelhos levantados para o alto. Além disso, foi a faixa em que Stefan assumiu o piano e seguiu pelas duas faixas seguintes.
O duo voltou ao novo álbum com “Went Missing” e, depois, voltou à “era Wound”, com “Exit Wounds”. Já a faixa “For What It’s Worth” trouxe novamente os ânimos ao público, que pulou muito no início desta faixa – única do álbum “Battle of the Sun” (2009) que foi tocada na noite.
Na sequência, a banda tocou “Slave to The Wage”, primeira que representou o álbum “Black Market Music” (2000). E foi justamente nela que a tecladista Angela Chan tocou o violino pela primeira vez. Já “Song to Say Goodbye”, do disco “Meds” (2006), trouxe mais ânimo à plateia.
No entanto, a música que foi mais comemorada por ter sido tocada foi a clássica “The Bitter End”, que faz parte de “Sleeping with Ghosts” (2003) e foi, também, uma representante única de um disco no setlist. Junto à ovação, claro, veio o canto efervescente de um público que aguardava pelas faixas mais populares da banda. Chan, inclusive, mostrou ainda mais suas habilidades com o violino.
A banda fechou o bloco de faixas com “Infra-Red”, que também faz parte do disco “Meds”. Sua introdução veio quase emendada à faixa anterior e, junto a isso, contou com um coro forte dos fãs em diversos momentos. Houve, também, uma situação síncrona entre Brian Molko, Angela Chan e Matt Lunn, que finalizaram com uma sequência de notas e saltos.
Durante o intervalo, todos os membros no palco saem muito aplaudidos e, claro, as palmas seguiram em pequenos momentos, porém em grande escala por parte de um público que ainda aguardava pelas faixas finais e, quem sabe, por uma surpresa ou mudança no setlist. Alguns fãs próximos de onde eu estava, inclusive, chegaram a comparar com o setlist da apresentação realizada na Argentina, três dias antes. Já a staff testava alguns dos instrumentos – a maioria, claro, guitarras de Brian e ajeitava tudo para o retorno da banda.
E justamente na volta, a introdução com a sintetização de Bill Lloyd puxou o restante dos integrantes. Brian Molko, inclusive, fez um gesto como se quisesse ver a parte mais ao fundo da pista lotada.
O Placebo, então, iniciou a sequência das três últimas músicas com “Taste In Men”, em um ritmo mais pop e com cunho dançante. Em seguida, o riff forte do contrabaixo de Bill Lloyd deu liga para “Fix Yourself”, última faixa do novo álbum tocada na noite em ritmo mais lento.
O duo, então, finalizou o setlist com “Running Up That Hill”, icônico cover de de Kate Bush, reconhecido aos primeiros toques por um público que, apesar disso, cantou timidamente, sem sobressair à voz já mais calma de Brian Molko.
Tanto ele, quanto Stefan Olsdal finalizaram a apresentação com um “improviso” no que parecia ser pequenos sintetizadores, posicionados próximos aos teclados de Chang e Lloyd. De costas para o público, a dupla tocou por poucos minutos e, rapidamente, foi à frente do palco para agradecer e reverenciar os fãs presentes. Brian, inclusive, pegou uma bandeira que representa a comunidade de pessoas transgênero de um/uma dos fãs da grade e mostrou ao restante dos presentes, que aplaudiram em sua maioria. Já Stefan jogou as palhetas disponíveis em seu pedestal de microfone.
Ao todo, não havia uma percepção ou manifestação coletiva pós-show que demonstrasse uma possível sensação de “vazio”, com a ausência de singles e faixas mais simbólicas da banda, como os singles do segundo álbum do Placebo, “Without You I’m Nothing” (1998). Mas era perceptível que, caso tivessem tais faixas ou outras mais conhecidas, os ânimos do público seriam ainda maiores ao longo do show.
Já a questão dos celulares ficou como um verdadeiro desafio a um público que, caso não recebesse um aviso em nota, antes do show, com certeza levantaram, em sua maioria, os aparelhos em diversos momentos do show.
Poucas pessoas, em momentos pontuais, gravaram e algumas, em quantidade ainda menor, ousaram gravar por muito tempo. Mas talvez tenha faltado mais comunicação ou interação de Brian e Stefan, como uma forma de complementar a qualidade musical impecável e as mensagens conscientes, principalmente das faixas do álbum mais recente da banda. Ainda assim, o planejamento e os apelos contra gravações em excesso (ou o não uso dos aparelhos), mesmo dentro de um desafio, conseguiu libertar muitos fãs, ao menos por uma vez, da mania incessante de gravar tudo e não olhar a realidade durante o show.
Fotos cedidas por Mercury Concerts – Agradecimentos a Catto Comunição pelo credenciamento