Resenha: The Giant Void – “Abyssal” (2023)
O The Giant Void surgiu como grande destaque no cenário nacional em 2021 com o lançamento do seu excelente álbum de estreia, o “Thought Insertion”. Em 2023 eles conseguiram elevar o nível e lançar uma verdadeira obra-prima nomeada “Abyssal”, se tornando um marco no cenário musical independente e desenhando um caminho inovador no Heavy Metal. Idealizada pelo guitarrista e produtor musical Felipe Colenci, a banda conta com Hugo Rafael nos vocais. Hugo ficou conhecido por ter sido um dos finalistas da temporada 2021 do The Voice Brasil e também por integrar o Sambô, banda que mistura samba com diversos estilos musicais, como o rock e o pop. Na bateria temos o alemão Michael Ehré, músico conhecido principalmente pelos fãs de Power Metal por ter integrado o Metalium e hoje fazer parte do Gamma Ray e Primal Fear. Os baixos também ficaram a cargo do Felipe.
“Abyssal” foi lançado de forma independente no dia 31 de outubro de 2023 com distribuição pela produtora e selo Som do Darma. O álbum transcende as barreiras convencionais e traz uma musicalidade bem diversificada, explorando temas que vão desde a culpa e loucura até reflexões sobre guerras, manipulação religiosa e o caos tecnológico. A bela arte de capa reflete a essência mórbida e reflexiva do álbum, tanto na combinação de cores quanto com a imagem apresentada. Vale mencionar que na versão física do álbum, que foi feita de forma cuidadosa, essa mesma essência é trazida ao longo páginas do encarte juntamente com a letra das músicas.
Em uma análise um pouco mais aprofundada das faixas, o álbum pode ser considerado bem intenso, onde cada música é esculpida para criar uma atmosfera única e, em certos momentos, bem densa. Desde a aspereza das guitarras distorcidas e baixos pesados, até a precisão nos golpes da bateria, cada elemento se entrelaça para construir um cenário musical, digamos, distinto. Tudo isso combinado aos vocais que são bem dinâmicos e transitam por diversas áreas. Estamos diante de uma obra que ganha força à medida que avançamos pelas faixas e nos prende na expectativa de saber o que vem pela frente.
Nos primeiros segundos do álbum já somos pegos de surpresa com a explosão sonora de “Dirty Sinner”, nos fazendo mergulhar em um universo sombrio e inescrupuloso. As guitarras trazem riffs pesados que, aliados à estridência grave do baixo, conferem uma atmosfera carregada que se estende ao longo do disco. A narrativa de um indivíduo em estágio inicial de loucura, sufocado pela culpa, desencadeia uma jornada de suspense e drama.
O álbum não se limita a explorar somente a obscuridade, e logo na segunda faixa já temos um verdadeiro épico. “Ashen Empires, Pt. 2 (Nwo)” narra a história que se passa em um futuro distópico, onde uma criança representa as consequências dos maus hábitos de uma sociedade desgovernada. A fusão de Heavy Metal e Metalcore contribui muito para criar uma narrativa poderosa, impulsionada por um instrumental harmonioso e uma interpretação impressionante. O que o Hugo faz nessa música só reforça a sua competência vocal e o eleva ao posto de um dos grandes destaques do Heavy Metal dos últimos tempos. E não estou dizendo do cenário nacional, mas sim mundial. Toda a sua bagagem e influências musicais certamente contribuem muito para que sua voz nos apresente algo fora do que comumente encontramos em bandas do estilo.
A dualidade de “The Key” revela a necessidade humana por alívio em meio ao caos. A faixa aborda a manipulação dos sentimentos, destacando como os medos podem transformar indivíduos em marionetes de suas emoções. Com uma bela construção musical, guitarras poderosas e a bateria sempre precisa do Michael, essa faixa passa sua mensagem de uma forma concisa. O ritmo rápido e empolgante de “Monster Within” e a mistura de metal com groove metal enfatizam o enfrentamento das consequências dos atos. Um dos grandes destaques dessa faixa fica por conta do seu refrão e a construção bem interessante feita com os backing vocals. Certamente um dos pontos altos de toda essa inovação que a banda nos apresenta.
Como já mencionado, um dos grandes méritos do The Giant Void é conseguir incorporar diversos elementos e estilos diferentes ao seu som, e “The Black Pit” é um bom exemplo disso. Com base melódica sólida, somos apresentados a um ritmo cavalgante e acelerado pelos bumbos duplos, se aproximando do Metalcore. Mas curiosamente uma essência progressiva alimenta essa faixa e temos aqui um estilo nada comum, quase irrotulável. Na parte lírica é contada a história da campanha militar da Batalha do Atlântico, o mais longo confronto marítimo realizado durante a Segunda Guerra Mundial entre as nações dos blocos Aliados e do Eixo.
“Mars” oferece uma pausa reflexiva, incorporando elementos de Hard Rock europeu e Metal Progressivo. Com uma estética melódica, a faixa pondera sobre as verdadeiras funções e responsabilidades de Marte perante a humanidade terrestre. Destaque para o baixo executado pelo Felipe que se torna um belo destaque nessa e na próxima faixa, a “Inner Truth”. Esta última apresenta um contraste e traz um tom motivacional, inspirando a determinação e coragem em meio ao caos. A variedade de temas e estruturas narrativas oferece uma jornada envolvente e dinâmica, evidenciando a versatilidade da banda.
Um dos grandes destaques do álbum fica por conta de “War Heores” e tudo que ela representa. Tanto a música quanto o vídeo, feito todo em animação, foram baseados na história real de Danilo Marques Moura, piloto da Força Aérea Brasileira, que combateu na segunda guerra mundial, na Itália. Essa faixa traz momentos bem interessantes além da história contada, como um diálogo em italiano que ilustra o momento que o piloto, que após ser abatido por uma artilharia antiaérea e ter saltado de paraquedas de sua aeronave, foi resgatado e escondido por italianos simpatizantes dos Aliados. A faixa conta também com uma bela interpretação da “Canção do Expedicionário” do Exército Brasileiro no seu solo.
“Chosen One” mergulha em críticas sobre o comportamento cego e fanático em relação à religião e fala sobre pessoas que se aproveitam da fé alheia para benefício próprio. O baixo desempenha um papel fundamental, enquanto a voz com frases intensamente estridentes enquanto a voz do Hugo se destaca nos falsetes afinados. “Dimensions Collide” é uma provocação à autoanálise e à mudança de comportamento. Essa faixa incorpora belas melodias a uma base grave e ritmo intenso.
A primeira parte de “Ashen Empires PT1 – Rising Empire”, que curiosamente foi deixada para a parte final do disco, mergulha em uma atmosfera sombria e distópica. Com influências de Doom Metal e Stoner Rock, a música critica a crescente dependência da sociedade em relação à tecnologia. A faixa representa a ascensão de um novo cenário social, onde a inteligência artificial permeia a vida das pessoas. A sonoridade é bem envolvente e mais uma vez mostra o quanto o som do The Giant Void é diversificado, e traz aqui belas referências a Black Sabbath. “Human Downfall” fecha de forma épica com a temática focada nos efeitos que as epidemias e pandemias trazem para a sociedade. A faixa aborda o impacto transformador de doenças no comportamento e pensamento das pessoas. A música se alterna entre a velocidade e peso combinados a vocais guturais com passagens calmas e com vocais bem melodiosos, apresentando uma mistura dramática e raivosa, tocada com muita intensidade e bons toques de leveza. Uma bela conclusão para um álbum que surpreende a cada segundo de audição.
Resumindo tudo que foi dito até aqui, “Abyssal” está muito além de ser um simples álbum, ele se torna uma experiência musical que supera expectativas, e nos desafia enquanto ouvintes, de maneira que a cada audição podemos encontrar novos elementos e nos aprofundar de maneira diferente em cada faixa. A fusão de agressividade e leveza, somados ao ambiente denso criado tanto pelas letras quanto pelas melodias, fazem com que o The Giant Void se torne um dos grandes destaques que surgiram recentemente no tão disputado cenário do Rock e Heavy Metal. Merecem muito destaque.
NOTA: 9