Sepultura: há 30 anos era lançado “Chaos A.D.”, o álbum mais importante do Heavy Metal nacional

Neste sábado temos o maior disco de Heavy Metal já produzido por uma banda brasileira completando trinta anos. Estamos falando de “Chaos A.D.“, do Sepultura. O leitor mais radical pode até bater o pé, fazer bico, mas este álbum é o mais emblemático da carreira da banda que, ainda em 1993, buscava um lugar ao sol. E em 2 de setembro daquele ano de 1993, era lançado o álbum que é tema do nosso papo de hoje.

É um álbum amado por tantos (inclusive por este redator que vos escreve) e incompreendido por alguns outros, os que desejavam que a banda seguisse fazendo o trivial e sendo apenas mais uma na multidão. E em “Chaos A.D.” eles resolveram mudar a sonoridade, abaixando a afinação das guitarras e também no conteúdo lírico, abordando problemas sociais, muitos deles daqui do Brasil.

Se em “Arise“, a Roadrunner já havia solicitado o trabalho de Andy Wallace, que mixou o álbum, causando um certo desconforto para a banda, desta vez eles chamaram o cara novamente e deram-lhe a função de produtor. Assim sendo, eles embarcaram para o País de Gales, por onde ficaram lá entre o final de 1992 e o início de 1993, no Rockfield Studios, de onde saíram com o álbum que mudaria definitivamente a carreira da banda.

O álbum também tem um marco especial, pois foi o primeiro que finalmente Paulo Xisto, que à época assinava como Paulo Júnior, resolveu gravar as suas partes de baixo. Segundo Max Cavalera conta em sua autobiografia “My Bloody Roots“, Paulo até aquele momento só havia gravado o trecho final da faixa “Stronger Than Hate“, lá em “Beneath the Remains“, quatro anos antes. Max ainda disse no livro que era ele e Andréas quem se revezavam gravando as partes que deveriam ser gravadas pelo baixista. Não fez tanta diferença aqui, já que ele não apresenta nenhuma técnica ou ganho nas composições, fato que permanece estático até hoje.

Vamos botar a bolacha para rolar e dissecar esse discaço, faixa a faixa. O que podemos dizer de um álbum que abre com três dos maiores clássicos do Sepultura, pelo menos dessa formação que marcou época e que é considerada por muitos como o verdadeiro Sepultura? “Refuse/ Resist” que tem em sua intro as batidas cardíacas de Zyon, então filho recém nascido de Max Cavalera e depois emendada com as batidas de Igor, trazendo consigo as guitarras da dupla Max e Andreas. A letra, que fala dos protestos que a população deveria fazer de vez em sempre também é outro ponto a se destacar. A música e seu Groove é perfeita do início ao fim, tendo o solo seu ponto alto e a velocidade gera um moshpit fantástico. “Territory“, composição de Andreas é outro arraso, com a melhor introdução por um baterista de toda a história da música e seu andamento arrastado são lindos. O refrão grudento e o solo em two-hands executado por Andreas é a coisa mais fantástica do mundo. “Slave New World” vem a seguir, com uma pegada um pouco mais rápida que as duas anteriores e fecha essa trinca mágica.

Em “Amen“, o Groove volta a tomar conta de tudo, com Max Cavalera recitando a primeira parte da letra. A música é bem pesada e densa e cabem até cantos gregorianos ali no meio. Coisa linda. “Kaiowas” chega para acalmar os ânimos e uma prévia do que Max Cavalera iria nos proporcionar anos mais tarde em “Roots“. A música é uma ode à tribo Kaiowá e tocada completamente de forma acústica. Grande momento do play.

A seguir, “Propaganda“, a música que daria o título também ao disco. A faixa tem uma pegada visceral, onde o Groove toma conta de tudo novamente, sendo Igor e seu bumbo duplo, os responsáveis pela quebradeira generalizada. Essa foi a primeira faixa que me chamou a atenção quando escutei o álbum pela primeira vez. E ainda chama até hoje. “Biotech is Godzilla” é o mais perto do Thrash Metal de “Arise” que eles chagaram aqui no aniversariante do dia, uma música rápida, curta, direta e reta, que na verdade é mais um Hardcore com quebradas de andamento onde o Groove entra e reina. “Nomad” é arrastadona, pesada e mostra que o Sepultura estava se tornando definitivamente uma banda de Groove Metal. Ao final da faixa, temos umas gargalhadas, gravadas pelos músicos e incluídas ali. Tais gargalhadas foram inclusas como faixa bônus e é divertido ver os caras se acabando de rir enquanto gravavam essa parte. Andreas Kisser teria afirmado que essa faixa seria a sua resposta para “Sad But True“, do Metallica. A resposta foi bem melhor.

We Who Are not as Others” tem um clima atmosférico onde Max apenas repete na letra o título da música. Aqui temos outra performance maravilhosa de Igor Cavalera, mostrando que na época era sim o melhor baterista da cena. Suas viradas nesta faixa são absurdamente maravilhosas. Em “Manifest“, Max conta a história do massacre do Carandiru, na primeira metade recitando a letra e na segunda parte ele canta com toda sua fúria. Riffs hipnotizantes marcam a primeira parte da música e depois a música fica bem violenta, novamente com Igor quebrando tudo na bateria.

The Hunt” ficou sensacional. Até mesmo quem não é fã do New Model Army curtiu essa versão. “Clencned Fist” é a parte triste do play, pois é o anúncio de que estamos chegando ao final da audição. A música vai se desenvolvendo em um compasso arrastado até que do nada, ganha velocidade e aí sim, lembra um pouco do Thrash Metal que os fãs mais xiitas esperavam durante todo o álbum. É difícil escolher a minha favorita do play, mas essa certamente está entre elas. “Polícia” fecha a versão que este que vos escreve tem em mãos e se a versão do Titãs já é maravilhosa, essa aqui supera tudo. E mostra o quão inspirador a banda de Tony Belloto foi para Max. Se o Sepultura abriu os shows do Titãs lá em 1987 em BH, na tour do “Chaos A.D.”, as coisas iriam se inverter e os Titãs abririam os shows do Sepultura na Argentina e no Brasil.

Em 49 minutos temos aqui o que podemos chamar de maior álbum do Heavy Metal brasileiro de todos os tempos. Um disco que se não é rápido é pesado, agressivo e mostra uma nova faceta dos brasileiros, ao explorar o Groove, a musicalidade brasileira e unir ao Heavy Metal, o que ajudou a própria banda, já que ela deixou se ser vista lá fora como uma mera cópia do que as bandas estrangeiras faziam. Isso atraiu a atenção de mais pessoas fora do Brasil, algo que o fã brasileiro não consegue compreender que era necessário dar o pulo do gato para se destacar.

O quarteto saiu em turnê, que teve alguns fatos curiosos: na Alemanha, o tour-bus da banda sofreu uma revista policial bem tensa, pois as autoridades locais haviam recebido denuncia de que havia uma quantidade muito grande de cocaína. O fato deixou Max tão revoltado que ele mudou a letra de “Antichrist“, do EP “Bestial Devastation” e a música virou “Anticop“. No Brasil, durante o Hollywood Rock de 1994, em São Paulo, Max foi detido sob a acusação de cuspir e urinar na bandeira do Brasil. O “crime” do frontman foi apenas receber a bandeira de um fã que atirou-a no palco e ele recebeu e a estendeu. Mas houve bons momentos também, como a icônica apresentação na edição britânica do Monsters of Rock e também a turnê com o Pantera pelos Estados Unidos durante a Copa do Mundo de futebol realizada naquele país.

O álbum obteve razoável sucesso e só não foi maior pois a Epic, gravadora que firmou contrato de distribuição do álbum, não deu a devida atenção ao Sepultura, optando por lançamentos do Prong e do Fight, este último, formado por Rob Halford logo depois de ele ter deixado o Judas Priest. Ainda assim, “Chaos A.D.” figurou bem nas paradas: 11° na Alemanha, Suécia e Reino Unido, 15° na Nova Zelândia e Suíça, 16° na Noruega, 19° na Áustria, 21° na Holanda, 23° na Hungria, 27° na Austrália e 32° na “Billboard 200“. Ainda rendeu à banda Disco de Ouro nos Estados Unidos, Austrália, Holanda e Reino Unido. A revista “Rolling Stone Brasil” elegeu o álbum como o 46° em uma lista dos 100 melhores álbuns da música brasileira. Já a versão estadunidense da mesma revista, colocou o álbum na 29ª posição entre os melhores discos de Heavy Metal de todos os tempos.

Falar sobre esse disco é muito especial para mim, pois trata-se do primeiro disco de Heavy Metal que eu ouvi inteiro na vida. Eu era um adolescente e descobri a banda por acaso. Peguei emprestado uma fita cassete de 90 minutos com uma garota, de quem eu era afim, mas ela nunca me deu bola. E meu interesse na fita estava na banda que estava no lado A, era o Pearl Jam e o disco “VS“. Depois de algum tempo voltando a fita na caneta (quem tem mais de 40 anos sabe bem do que eu estou falando), eu resolvi dar uma chance ao lado B, que tinha o aniversariante de hoje e a minha vida mudou para sempre. Não namorei com a moça que me emprestou a fita, uma pena, mas os dois discos foram os primeiros que comprei na vida e hoje “Chaos A.D.” é o meu disco favorito do Sepultura, além de ser o álbum que moldou a minha personalidade. Minha gratidão total. E hoje é um privilégio imenso poder escrever sobre um disco tão importante na minha vida e poder compartilhar isso com você, caro leitor, é uma dádiva.

Hoje é dia de celebrar esse trintão que tá com corpinho de dezoito. Um álbum que envelhece muito bem e uma pena que a formação atual não dê muita importância para ele. Há exatamente um ano, o Sepultura se apresentava no Rock in Rio, quando o play completava 29 anos e nenhuma menção foi feita ao aniversariante do dia. Fiquemos na expectativa de que os irmãos Cavalera possam fazer alguma ação, ou mesmo uma tour comemorativa. Enquanto isso não acontece, fica a sugestão de colocar esse play no volume máximo e banguear como se não houvesse amanhã.

 

 

Chaos A.D. – Sepultura

Data de lançamento – 02/09/1993

Gravadoras – Roadrunner/ Epic

Faixas:

01 – Refuse/ Resist

02 – Territory

03 – Slave New World

04 – Amen

05 – Kaiowas

06 – Propaganda

07 – Biotech is Godzilla

08 – Nomad

09 – We Who Are not as Others

10 – Manifest

11 – The Hunt

12 – Clenched Fist

13 – Polícia

Formação:

Max Cavalera – guitarra/ vocal

Igor Cavalera – bateria

Andreas Kisser – guitarra

Paulo Junior – baixo

Flávio Farias

Fã de Rock desde a infância, cresceu escutando Rock nacional nos anos 1980, depois passou pelo Grunge e Punk Rock na adolescência até descobrir o Heavy Metal já na idade adulta e mergulhar de cabeça na invenção de Tony Iommi. Escreve para sites de Rock desde o ano de 2018 e desde então coleciona uma série de experiências inenarráveis.

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