Pearl Jam: “Vitalogy” completa 29 anos

Há 29 anos, em 22 de novembro de 1994, o Pearl Jam, a mais sucedida das bandas de Seattle e que conseguiu fazer sucesso mesmo com todas as tentativas fracassadas de autosabotagem, lançava “Vitalogy“, o terceiro álbum de sua vasta discografia e que é asunto nosso por aqui nesta quarta-feira.

Importante ressaltar que o registro tem duas datas de lançamento: em 22 de novembro, fora lançada a versão em vinil; E em 06 de dezembro, as versões em CD e fita cassete. Então nos atentaremos à primeira versão lançada. E aqui, as músicas do lado A são de excelente qualidade, enquanto que o lado B tem uma pegada mais experimental. No primeiro momento o álbum se chamaria “Life“, sendo depois trocado para o título pelo qual é conhecido.

Eu costumo chamar os três primeiros discos do Pearl Jam de “Santíssima Trindade”, pela qualidade sonora destas obras. Os dois primeiros álbuns representaram um estrondoso sucesso comercial e o terceiro disco, tem algo do que foi apresentado nos dois álbuns anteriores, acrescentado de muito experimentalismo. E uma sonoridade bem punk rock. Talvez reflexo da fase que a banda vivia naquele momento.

Apesar do sucesso e da ascensão, as coisas não andavam muito bem para a banda: eles deixaram de produzir videoclipes para a MTV, também não concediam mais entrevistas, entrou em uma quebra de braços com a Ticketmaster, empresa que domina as vendas de ingressos em boa parte das casas de shows nos Estados Unidos. A situação entre a banda não era boa, tanto que o baterista Dave Abbruzzese fora demitido durante as sessões por “não lidar bem com o sucesso”.

Esse “não lidar bem com o sucesso”, após muito pensar sobre, eu concluí que poderia ser atribuído ao restante da banda. Talvez eles não estivessem preparados para o “boom” que a sua música provocaria e no sucesso absoluto que eles alcançariam, tanto de vendas, como de apresentações e os clipes veiculados à exaustão. E isso, influiu no resultado final de “Vitalogy”. O sucesso incomodava absurdamente a banda, mas de nada adiantou. O Pearl Jam só crescia ainda mais, mesmo com a reclusão.

Eddie Vedder, que era o letrista principal, resolveu tirar da dupla Stone Gossard e Jeff Ament a exclusividade das composições. Ele trouxe boas ideias, mas também tem coisa que poderia não ter entrado. Vedder assumiu o controle de quase tudo, o encarte do disco ele reproduziu de um livro de medicina que fora comprado por ele em um sebo, além também de ter passado a tocar guitarra a partir deste momento. Anos mais tarde foi revelado que esse controle que Eddie Vedder decidiu tomar sobre a banda quase acabou com a mesma. Stone Gossard pensou em sair da banda e Mike McCreaddy aproveitou para entrar em uma clínica de reabilitação. Seu vício em drogas e álcool estava no ápice. Jack Irons entrou na banda já na parte final da gravação, e na prática ele gravou somente a faixa derradeira, “Hey, Foxynophandlemama, That’s Me (Stupid Mop)”. A faixa “Satan’s Bed” foi gravada pelo técnico de bateria de Dave Abbruzzese, Jimmy Shoaf. A razão era que o então titular da bateria estava em um procedimento cirúrgico para remoção de suas amígdalas. Ou seja, o período em estúdio era uma bagunça pura e tinha tudo para dar errado.

Apenas um mês depois do lançamento de “VS“, a banda começou a intercalar shows e sessões de gravações. Isso perdurou entre novembro de 1993 e outubro de 1994. Eles se reuniram em 4 estúdios: Bad Animals, em Seattle, Southern Tracks e Doppler Studios, ambos em Atlanta, além do Kingsway, em New Jersey. O produtor Brendan O’ Brien teve muito trabalho para que “Vitalogy” fosse concluído. Algumas fontes dizem que o álbum ficou pronto ainda no início de 1994, porém, a Epic atrasou o lançamento propositalmente.

As letras são bem pessoais e Eddie Vedder tenta de alguma forma expressar sua pressão com a fama e o quanto a privacidade lhe é/ era importante. Quando fez as pazes com a imprensa, o frontman do Pearl Jam deu uma declaração. Aspas para ele:

“Sou totalmente vulnerável. Sou mole demais para todo esse negócio, toda essa viagem. Não tenho nenhuma casca. Há uma contradição aí, porque provavelmente é por isso que posso escrever músicas que significam algo para alguém e expressar algumas dessas coisas que outras pessoas não podem necessariamente expressar.”

Vamos colocar a bolacha para rolar e conferir cada uma das quatorze faixas presentes aqui. Temos a abertura com “Last Exit“, em que o experimentalismo da banda na introdução em que a influência do Yes é bem explícita. Mas logo temos a entrada com a bateria de Abbruzzese e as guitarras nos presenteando com um Rock And Roll bem honesto.

Spin The Black Circle” traz o Pearl Jam tocando punk em sua essência. Poucas vezes a banda era tão crua em uma composição. E a ironia de Eddie Vedder na letra é sensacional. O desavisado que pegar o encarte e for ler o primeiro verso que diz “See this needle, a see my hand (Pegue a agulha, olhe minha mão)”, pode achar que a letra se trata de uso de drogas injetáveis, mas não! É uma bela homenagem do frontman aos discos de vinil. Em alguma página do encarete, há escrito a frase “Viva la vinyl”.

Not For You” foi o primeiro single do play e traz uma boa composição, uma canção mais hard, bem trabalhada, enquanto que “Tremor Christ” é uma das melhores composições não só deste álbum, mas de toda a carreira da banda, uma música densa, dramática e maravilhosa.

Nothingman” é uma balada bem legal e a voz de Vedder é bem explorada aqui, uma boa pausa para o Caos que anuncia o fim do primeiro lado do bolachão: “Whipping” é uma música curta e grossa. E muito boa. E muito punk. E mais ironia na letra, onde Eddie canta no primeiro verso que “não precisa de um capacete pois tem uma cabeça muito, muito dura”. Ele se inspirou em uma petição que médicos abortistas enviaram para o então presidente Bill Clinton. O Pearl Jam é a favor do aborto desde sempre, para desespero do fã brasileiro conservador que jamais entendeu a letra da banda e recentemente foi até o perfil da banda criticá-los por eles se demonstrarem apoio  aos indígenas brasileiros.

Caso você esteja no vinil, é hora de virar a bolacha e ai a banda meio que se perde em algumas coisas desnecessárias. A começar pela faixa 7, “Pry, to“, que é até engraçada, com Vedder cantando coisas meio desconexas, parecendo estar bêbado. É até engraçado, eu não pulo a música, mas poderíamos ter uma música de verdade ali. Porém, Eddie é bem claro no seu recado à falta de privacidade, perdida com a fama. Ele repete a frase “Privacy is priceless to me” (A privacidade é importante pra mim).

Mas a banda coloca tudo de volta no lugar com a belíssima “Corduroy“, uma música cheia de atmosfera e com um final épico, onde os instrumentistas brilham. Eddie fala na letra como é a relação com um milhão de pessoas.

Temos outra faixa experimental que é a “Bugs”, onde Vedder assume o acordeon e recita sobre ter insetos em seu quarto, nos seus sapatos, no seu bolso… É engracado. Eddie toca esse acordeon que ele comprou em um brechó.

Satan’s Bed” é uma faixa mais setentista, que pessoalmente não me agrada muito, só o título mesmo, por causar espanto nos reacionários.

Better Man” é a minha favorita da banda. Uma música que começa como uma balada e ganha tons épicos do meio para o final. Duas curiosidades sobre ela: essa é música era da antiga banda de Eddie Vedder, a Bad Radio e a música chamava-se “Stand By“. Ela estava cotada para entrar no álbum “VS“, mas ficou de fora por ser considerada “comercial demais”.

E chegamos às três faixas finais, sendo que duas são novamente desperdício de tempo, as instrumentais “Aye Devanita” e “Hey Foxynophandlemama, That’s Me (Stupid Mop)”, que são duas chatices sem tamanho. E talvez por isso, a excelente “Immortallity” tenha sido colocado, propositalmente, entre as duas. Esta sim, uma excelente canção em que o solo de violão é o ponto alto. Muito se questionou sobre Vedder ter escrito a letra para Kurt Cobain, que havia suicidado-se enquanto a banda estava em estúdio, fato que o vocalista sempre negou, o que faz sentido, já que ela já era apresentada ao vivo antes mesmo de ser gravada, porém, sua letra foi alterada. A última faixa é a única tocada por Jack Irons e eles decidiram por incluir gravações em loop de pacientes reais de um hospital psiquiátrico.

Enfim, um bom álbum, que encerrou a fase áurea e colocou a banda em um período obscuro e que gerou uma crise de criatividade, ainda que eles tenham lançado um bom disco como banda de apoio de Neil Young. Mas depois disso, a banda até lançou álbuns razoáveis, mas nunca mais soou como aquele Pearl Jam que eu conheci nos anos 1990 e que fora a minha teenage band.

A banda fez poucos shows nos Estados Unidos, então a turnê foi concentrada em shows pela Ásia e Oceania. Dos poucos shows nos Estados Unidos, um acontecimento inesperado. Em junho de 1995, o Pearl Jam iria tocar em San Francisco, porém, Eddie Vedder sofreu uma intoxicação alimentar e por conta disso, acabou sendo substituído por Neil Young, nascendo aí a parceria que rendeu o álbum “Mirrorball“, citado no parágrafo acima.

O álbum vendeu mais de 5 milhões de cópias, mesmo com a banda se isolando com o boicote à Ticketmaster. Foi certificado com Disco de Ouro na Holanda, Polônia, Espanha e Reino Unido; Platina na Nova Zelândia, três vezes Platina na Austrália, cinco vezes Platina no Canadá e seis vezes nos Estados Unidos. Só perde em número de vendas na primeira semana para seu antecessor, “VS.”. Nos charts mundo afora, alcançou o topo na “Billboard 200”, também na Austrália, Irlanda, Nova Zelândia e Suécia; 2° no Canadá, 3° na Finlândia, 4° na Dinamarca, Portugal e Reino Unido, 5° na Escócia, 7° na Áustria, Holanda e Noruega; 8° na Alemanha, 11° na Espanha, 17° na Suíça, 22° na França e 28° no Japão. Vitalogy foi ainda indicado ao Grammy Awards de 1996 nas categorias “Álbum do ano” e “Melhor Álbum de Rock”. Não venceu, mas mereceu muito.

Pessoalmente, a minha relação com este disco é incrível, foi o terceiro disco de rock que eu comprei na minha vida e mesmo hoje em dia o meu gosto estando voltado mais para o Heavy Metal, o meu apreço por este disco segue firme e forte e de vez em sempre eu me pego escutando a obra. O Pearl Jam segue na ativa mesmo estando bem distante do Rock visceral dos anos 1990, mas o ativismo da banda é tão importante quanto seu som e os hits que a banda criou ao longo destes anos. Celebraremos mais um ano deste play, que está próximo dos trinta anos.

Vitalogy – Pearl Jam

Data de lançamento – 22/11/1994

Gravadora – Epic

Faixas:

01 – Last Exit

02 – Spin The Black Circle

03 – Not For You

04 – Tremor Christ

05 – Nothingman

06 – Whipping

07 – Pry, to

08 – Corduroy

09 – Bugs

10 – Satan’s Bed

11 – Better Man

12 – Aye Devanita

13 – Immortallity

14 – Hey, Foxynophandlemama, That’s Me (Stupid Mop)

Formação:

Eddie Vedder – vocal/ guitarra/ acordeon

Stone Gossrad – guitarra

Jeff Ament – baixo

Mike McCreaddy – guitarra/ violão

Dave Abbruzzesse – bateria (exceto em “Satan’s Bed” e “Hey, Foxynophandlemama, That’s Me (Stupid Mop)”/ baixo e tremolo em “Aye Devanita

Jack Irons – bateria em “Hey, Foxynophandlemama, That’s Me (Stupid Mop)”

Participações especiais:

Brendan O’Brien – piano/ órgão

Jimmy Shoaf – bateria em “Satan’s Bed”

Flávio Farias

Fã de Rock desde a infância, cresceu escutando Rock nacional nos anos 1980, depois passou pelo Grunge e Punk Rock na adolescência até descobrir o Heavy Metal já na idade adulta e mergulhar de cabeça na invenção de Tony Iommi. Escreve para sites de Rock desde o ano de 2018 e desde então coleciona uma série de experiências inenarráveis.

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