Fleshgod Apocalypse – “Opera” (2024)
Após seis longos anos de espera, os mestres italianos do death metal sinfônico técnico, Fleshgod Apocalypse, retornam com “Opera”, lançado pela Nuclear Blast Records e distribuído no Brasil pela Shinigami Records, um álbum que promete expandir ainda mais o já vasto repertório da banda. Este novo trabalho chega como sucessor de “Veleno” (2019), que havia conquistado o público e a crítica por sua fusão monumental de fúria e majestade. Eu mesmo, na época, descrevi o disco como uma “força aterrorizante a ser considerada”, e a expectativa para o novo material, evidentemente, estava nas alturas. Então, a grande pergunta era: “seria “Opera” uma continuidade à altura de seu predecessor?”
A abertura do álbum não poderia ser mais emblemática: o interlúdio “Ode to Art (De’ Sepolcri)” prepara o terreno para o espetáculo sonoro que viria a seguir. As primeiras faixas, como os singles “Pendulum” e “Bloodclock”, trouxeram reações mistas entre os fãs. Em particular, “Bloodclock” foi alvo de controvérsias, com sua primeira metade pesada, mas sua segunda parte perdendo a intensidade em favor de uma grandiosidade orquestral que dividiu a opinião dos ouvintes. Por outro lado, “Pendulum” obteve uma recepção mais positiva, mantendo-se fiel ao som mais familiar da banda e dando aos fãs um alívio a partir de suas paisagens sonoras imersivas.
Ao ouvir o álbum completo, fica claro que essas músicas experimentais eram, na verdade, escolhas estratégicas para ilustrar a ambição da banda. “Opera” se apresenta como uma obra que atravessa duas dimensões: a brutalidade e a musicalidade sofisticada. Fleshgod Apocalypse sempre brilhou quando equilibrava a fúria do death metal com a grandiosidade sinfônica, e é aí que o álbum encontra seu ponto alto. Quando os riffs insanos e os blast beats manicômicos são o centro das atenções, a orquestração serve para enriquecer a tensão e não para apagá-la.
Um exemplo claro de como a banda atinge a perfeição nesse equilíbrio é a faixa de abertura, “I Can Never Die”. Este é, sem dúvida, um dos melhores momentos de toda a carreira do grupo, combinando um death metal furioso com uma complexidade harmônica e uma imersão operística que só o Fleshgod Apocalypse sabe fazer. O refrão, por exemplo, é imediatamente cativante, e você se pega cantarolando dias depois da primeira audição. Faixas como “Pendulum” e “Morphine Waltz” também se aproximam dessa fórmula vencedora, apresentando solos intricados, mas sem cair na armadilha da exibição técnica vazia, um erro que outras bandas do gênero às vezes cometem.
Porém, o álbum não é perfeito. Algumas das faixas mais lentas, como “At War With My Soul” e “Bloodclock”, sofrem por dependerem excessivamente das orquestrações para conduzir suas melodias, acabando por perder a força e o impacto esperados de um disco do Fleshgod. Nessas músicas, a densidade cinematográfica criada pelas camadas de sintetizadores e cordas toma o protagonismo, mas acaba por enfraquecer o que poderia ser uma composição mais equilibrada. “Matricide 8.21”, por exemplo, se apresenta como uma peça de metal sinfônico mais acessível, mas é aqui que a banda tropeça, mergulhando em um território mais pop, o que não faz jus ao seu legado de violência musical.
Apesar disso, momentos como o final melódico de “Till Death Do Us Part” revelam a maturidade de uma banda no auge da sua composição. O uso sutil de vocais limpos de Veronica Bordacchini, uma verdadeira adição ao time, consegue elevar as faixas, como em “I Can Never Die” e a citada “Till Death Do Us Part”, conferindo-lhe uma grandiosidade única. Essa nova configuração vocal, com Bordacchini ganhando mais protagonismo, imprime ao álbum uma pegada mais operística e menos agressiva, algo que, ao mesmo tempo, traz frescor e cria certo desequilíbrio nas músicas mais intensas. Mas é nesse jogo de altos e baixos, entre a brutalidade e a beleza clássica, que “Opera” se revela uma experiência envolvente.
A qualidade da produção e a arte do álbum também merecem destaque. Se em “Veleno” a capa abstrata parecia um reflexo de uma ideia mais difusa, em “Opera” a arte retorna à tradição da pintura renascentista que se tornou marca registrada da banda. A estética visual mais clássica encaixa-se perfeitamente com o conceito do disco, reforçando o caráter teatral da obra, quase como uma ópera metal em sua totalidade.
Falando de música, a participação de Francesco Paoli, como sempre, é fundamental. O multi-instrumentista não apenas assina a bateria e os vocais agressivos, mas também o baixo neste álbum, após a saída do baixista Paolo Rossi. Paoli se consolidou como uma das maiores potências do metal moderno, e sua habilidade técnica é, sem dúvida, um dos pilares do som da banda. Ao seu lado, Francesco Ferrini, responsável pelas orquestrações, cria camadas sonoras que adicionam uma riqueza única ao repertório da banda, enquanto Eugene Rabychenko, novo baterista, mostra que está mais do que à altura do desafio. A chegada do guitarrista Fabio Bartoletti também se revela acertada, embora ainda seja cedo para medir sua contribuição a longo prazo.
Em resumo, “Opera” não alcança os picos vertiginosos de “Veleno’, mas é, sem dúvida, um álbum repleto de momentos brilhantes e passagens de grande fôlego criativo. É um trabalho que exige uma mente aberta, especialmente para aqueles que esperam a ferocidade intransigente dos discos anteriores da banda. No entanto, quando consumido como uma peça teatral, com suas oscilações de intensidade e riqueza orquestral, “Opera” se revela um feito notável, uma verdadeira vitrine da maestria do Fleshgod Apocalypse no death metal sinfônico.
No fim das contas, “Opera” é mais do que um álbum. É uma obra-prima que se desvela aos poucos, como uma peça de teatro que vai se desdobrando em camadas, até que o espectador seja consumido pela grandiosidade da experiência. A banda não se limita a criar música; eles criam um espetáculo, e isso, meus caros, é o que torna o Fleshgod Apocalypse tão singular no cenário do metal contemporâneo.
NOTA: 7