Andreas Kisser integra grupo que quer legalizar morte assistida no Brasil

Foi oficialmente lançada no Brasil a primeira associação dedicada à defesa do direito à morte assistida. Batizada de Eu Decido, a organização reúne juristas, profissionais da saúde, pesquisadores, comunicadores e artistas com o objetivo de estimular o debate público e trabalhar pelo reconhecimento legal da morte assistida como um direito individual no país.

Inspirada em entidades internacionais como a Derecho a Morir Dignamente, da Espanha, a Eu Decido surge em um cenário ainda desafiador. A legislação brasileira atual criminaliza qualquer forma de auxílio ao suicídio, incluindo o suicídio assistido, previsto no artigo 122 do Código Penal, com penas que variam de dois a seis anos de prisão. O movimento, portanto, inicia sua trajetória enfrentando uma realidade jurídica rígida e culturalmente sensível.

Entre os fundadores da associação está o músico Andreas Kisser, guitarrista das bandas Sepultura e De La Tierra, que se engajou na causa após a perda da esposa, Patrícia, vítima de câncer em 2022. A experiência pessoal o levou a questionar a falta de acesso à informação sobre cuidados paliativos e à inexistência de opções para pacientes terminais no Brasil.

Eu não sabia que se podia dizer ‘não’ para um médico. Era tudo muito raso. No caso da Patrícia, seria um caso clássico para eutanásia: ela estava consciente, mas sem nenhuma função física relevante. Apenas apertava o botão da morfina. Mas essa opção não existia”, relata o músico.

Como desdobramento dessa vivência, Kisser criou o Movimento Maetricia, que promove o debate sobre finitude e organiza o Patfest, festival musical beneficente cuja quarta edição acontece em novembro. A renda é destinada a instituições que ampliam o acesso a cuidados paliativos, como a Favela Compassiva.

Liderança e objetivos

A Eu Decido é presidida pela advogada e professora Luciana Dadalto, especialista em bioética e uma das principais referências brasileiras em testamento vital — documento que antecipa decisões sobre tratamentos médicos em caso de incapacidade futura.

Diferentemente de grupos que oferecem ou intermediam serviços de morte assistida, a associação se define como uma entidade de advocacy, com foco em informação, articulação política e engajamento social. Segundo Dadalto, o objetivo não é facilitar o acesso ao procedimento em si, mas promover o reconhecimento legal da prática dentro de critérios éticos e médicos bem definidos.

“Queremos levar à população a informação de que existe hoje, no Brasil, uma associação que luta pelo reconhecimento da morte assistida como um direito. Não é uma corrida de cem metros, é uma maratona”, afirma.

Caminhos e desafios

A associação já deu início à formação de comissões temáticas para dialogar com setores diversos da sociedade, como religiões, conselhos profissionais da saúde e o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), historicamente alinhado a posições pró-vida e contrárias à legalização do aborto.

Os fundadores acreditam, no entanto, que a discussão sobre morte assistida pode percorrer um caminho menos turbulento, por tratar-se de um direito individual, sem o envolvimento direto de terceiros afetados pela decisão, como no caso do aborto. “Se você não concorda, simplesmente não escolha para você. Mas me deixe ser livre na minha escolha”, defende Kisser.

A associação adota o termo “morte assistida” como guarda-chuva, seguindo a definição da Federação Mundial de Direito de Morrer. Esse conceito engloba tanto a eutanásia (quando a substância letal é administrada por um médico) quanto o suicídio assistido (quando a medicação é prescrita e tomada pelo próprio paciente).

Importante destacar que a Eu Decido não defende a prática para casos de sofrimento exclusivamente psíquico ou transtornos mentais. A defesa está centrada em doenças graves, incuráveis, em estágio avançado, e com o paciente em pleno gozo de sua capacidade de decisão.

Panorama internacional e publicações

A pauta tem avançado globalmente. Bélgica, Holanda, Canadá e Nova Zelândia já regulamentaram a morte assistida. Na América Latina, Colômbia, Peru e Equador adotaram medidas judiciais para permitir a prática, em contextos específicos.

Entre os fundadores da associação estão ainda os jornalistas Adriano Silva e Vitor Hugo Brandalise, que publicaram livros abordando o tema. Em “O Dia em que Eva Decidiu Morrer” (Vestígio, 2025), Silva relata a história real de uma brasileira que recorreu ao suicídio assistido na Suíça. Já Brandalise, em “O Último Abraço” (Record, 2017), reconstrói a trajetória de um casal de idosos que escolheu morrer junto, revelando aspectos afetivos e jurídicos do caso.

Como participar

A Eu Decido é uma organização independente, sem financiamento de empresas ou partidos políticos, e aberta a novos membros. A contribuição mensal é de R$ 35, e os associados participam ativamente das decisões e diretrizes do movimento.

“Não é um modelo em que você paga e recebe um jornalzinho ou desconto em congresso. Ser membro é fazer parte de fato, ajudando a decidir os rumos e a financiar o movimento”, finaliza Luciana Dadalto.

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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