Avantasia encerra turnê latinoamericana de “Here be Dragons” em noite de muito power metal em São Paulo

Texto: Danielas Reigas – Fotos: André Tedim

Apenas sete meses após a passagem pelo Brasil no festival Bangers Open Air, o projeto de metal-opera Avantasia retorna ao país para seu último show do ano, numa etapa da turnê de divulgação do recente álbum “Here be Dragons” que começou no Japão e depois migrou para a América Latina. Dessa vez em apresentação solo, como vinha sendo pedido pelos fãs mais fervorosos, e sediada numa única data (29/11) no Vibra SP, na capital paulista. Não houve banda de abertura, mas quem chegou cedo pôde aquecer os motores com o pré-show no bar da casa ao som da Steel Tormentor (tributo ao Helloween). 

Com a pista única bastante cheia e o mezanino também repleto na área central, às 21:06h então as luzes se apagam e logo a cortina é removida para revelar a banda já posicionada abrindo com a óbvia “Creepshow” e seu refrão convidativo que faz todo mundo sair do chão: ‘Get up, get up, come out!’. A bateria de Felix Bohnke (EDGUY) encontra-se do lado esquerdo, onde também ficam o baixista Anthony e o guitarrista co-produtor do projeto, lenda viva da cena power metal, Sascha Paeth. À direita e ao fundo, em uma estrutura de degraus, os vocalistas de apoio Adrienne Cowan (SEVEN SPIRES), Herbie Langhans (RHAPSODY, SEVENTH AVENUE, outras) e Chiara Tricarico (TEMPERANCE); abaixo deles, o tecladista Michael “Miro” Rodenberg (KAMELOT, SHAAMAN, outras) e o guitarrista Andrew. Ao centro do palco com o imenso telão que compõe o cenário, o dono da festa: Tobias Sammet, com sua já conhecida cartola e óculos escuros, é recebido com muitos gritos da plateia e começa a conduzir o espetáculo, sempre se movendo de um lado para o outro. Passada a intro, já temos um clássico da carreira: “Reach out for the Light”, cujo lick marcante é cantado pela plateia com ô-ô-ôs. Na ausência de Michael Kiske (HELLOWEEN), que gravou a faixa originalmente, o dueto fica a cargo da mais nova – de idade e na família -, Adrienne, que impressiona tanto pela presença de palco quanto pela potência vocal, especialmente na nota super alta e aguda que precede o interlúdio, durante o qual Tobias saúda a plateia e garante que a noite será explosiva. Merecidamente, a cantora é ovacionada ao final da performance e agradece o carinho dos fãs com um gesto de coraçãozinho. Comentando que 7 meses longe do Brasil é tempo demais, Tobias reforça que a noite terá muita coisa nova, mas também sucessos mais antigos, e relembra a todos que por ser esse o último show do ano, será a memória dele que eles levarão de volta pra casa.

A cada faixa, o telão de fundo exibe uma animação diferente, e assim que Tobias anuncia “The Witch”, surge uma imensa bruxa, e com ela, um dos vocalistas convidados: Tommy Karevik (KAMELOT), que chega encapuzado e com cara de mau, mas se deixa levar pela vibe dançante da própria canção, na qual os cantores de apoio fazem até uma certa coreografia. Seu microfone poderia estar um pouco mais alto (algo que se repetiu em todas suas participações), mas ainda assim é possível ouvir a afinação perfeita e seu timbre característico. A plateia fez bonito no refrão, mesmo sendo essa uma das faixas mais recentes. Tommy sai rapidamente do palco jogando beijos para os fãs, e enquanto Tobias conta que observava o público por detrás do palco antes do início do show e já sabia que seria épico, Sascha lhe sussurra que precisa trocar a bateria de sua guitarra; sempre brincalhão, o anfitrião pergunta se mais alguém já está precisando recarregar as baterias e arranca risos da plateia quando o guitarrista sinaliza logo depois que já está pronto: “Opa, foi rápido hein!”.

Retornando a um álbum “até que decente”, diz ele, se referindo a ‘The Scarecrow’, de 2008, vem “Devil in the Belfry”, na qual Herbie vem à frente para fazer as partes consagradas na voz de Jorn Lande (MASTERPLAN). A plateia vibra junto às batidas bem marcadas da bateria de Felix; Tobias corre e dança pelo palco e enaltece Miro durante seu solo seguido de dobradinha com a guitarra. Enquanto Herbie volta para sua posição, Tobias anuncia mais uma música do álbum mais recente, e diz que sabe bem como muita gente tem resistência a ouvir os trabalhos atuais de uma banda num show, mas salienta que eles colocaram muito sangue, suor e seus corações nas novas composições. Assim sendo, “Phantasmagoria” traz o segundo convidado da festa, Ronnie Atkins (PRETTY MAIDS), com voz e energia invejáveis para quem tem 61 anos e passou por um severo câncer de pulmão. A faixa é uma das melhores do álbum e empolga bastante. Enquanto Ronnie sai de cena, Tobias bebe um gole d’água trazido por um técnico de palco, e aproveita as trocas de equipamentos para contar sobre o que inspirou a próxima faixa, “Against the Wind”: os ‘arrombad0s (assholes)’ que, a cada álbum, aparecem para criticar, muitas vezes sem mesmo ter ouvido, e sobre como é necessário continuar remando contra a maré e seguindo aquilo em que se acredita. Então mais uma participação especial chega com tudo: Kenny Lackremo (H.E.A.T.) entra na segunda estrofe com seus esvoaçantes longos cabelos loiros e alcance vocal incrível, sendo aclamado ao final da canção e agradecendo com um sonoro “Obrigado!”. 

Enquanto o sueco se retira, um fã próximo ao palco entrega a Tobias uma bandeira com a logo do Avantasia em um fundo mesclado das bandeiras do Brasil e da Alemanha; o alemão demonstra ter adorado a ideia e diz que ambos países combinam muito juntos, e dá uma leve provocada na plateia ao ameaçar citar a famosa vitória de seu país natal por 7 x 1 na Copa do Mundo de Futebol de 2014, mas se controla e logo amarra o adereço no pedestal de seu microfone. Imediatamente percebendo a alusão ao estilo de Steven Tyler (AEROSMITH), chega a fazer uma imitação um tanto quanto debochada do cantor americano. Falando em Alemanha, na sequência é hora de mais um hit. Um anjo enorme aparece no telão e assim Tommy retorna para executar “Dying for an Angel”, originalmente gravada por Klaus Meine (SCORPIONS). Sem sombra de dúvida um sucesso absoluto de público, praticamente ouve-se mais o coro uníssono dos fãs do que a própria voz de Tommy. Ao final, uma nova bandeira é entregue, dessa vez somente do Brasil, a qual Tobias aceita de bom grado e relembra a primeira apresentação em nosso solo, há 24 anos atrás, e como a reação local foi algo inédito para ele. Ainda mantendo a Europa em pauta, o telão exibe um castelo em chamas e anuncia “Avalon”, cuja letra remete à lendária ilha muito retratada na literatura medieval, e mais uma vez Adrienne vem ao centro – do palco e das atenções. Seus gritos são tão agudos que arrancam exclamações dos fãs que tentam acompanhá-la no refrão. Os efeitos de fumaça no palco complementam a performance fervorosa. Também tem seu momento de destaque o guitarrista Andrew, que faz o solo. Em seguida, mais um elogio ao Brasil quando Tobias diz que dedica à sua “segunda casa” a faixa “Promised Land”, e para o dueto originalmente gravado por Michael Kiske e Jorn Lande, retornam ao palco, respectivamente, Kenny e Ronnie, e apesar da difícil tarefa de “substituir” vozes tão icônicas, ambos mandam muito bem – aqui temos a oportunidade de escutar mais os timbres médios de Kenny. O cantor de 39 anos, quase que hiperativo, na maior parte do tempo pula feito pipoca, cutuca os outros músicos ou rodopia feito um pião, mas também mostra seu lado mais dócil na parte lenta da canção. Visivelmente, se sente muito honrado por estar dividindo o palco com uma lenda vida do metal, e é maravilhoso ver essa interação de gerações mostrando que o gênero continua firme e forte. Aqui encerra-se o bloco dedicado às músicas do trabalho mais recente.

Perguntando se os fãs gostariam de ouvir algo das antigas, é hora de fazer todo mundo pular ao som da faixa que dá título ao projeto. “Avantasia” é executada em clima bem descontraído, com Tommy duetando com Tobias, Andrew e Anthony trocando de lado no palco e a plateia a plenos pulmões se mesclando aos backing vocals durante o refrão. Tobias avista Kevin Nixon, o fotógrafo que faz parte do crew, na área do pit, troca algumas palavras e o apresenta ao público – “ele gosta de receber atenção, assim como eu”, brinca o cantor. Questiona então se os fãs ainda estavam acordados e acesos, pois a próxima faixa demandaria bastante energia: “Let the Storm Descend Upon You”, única de ‘Ghostlights’ (2016) a entrar para o set, conta com participação de Herbie e Ronnie, com suas vozes rasgadas complementando perfeitamente a voz limpa de Tobias. De fato, é uma maratona de 12 minutos agitando, gritando, batendo palmas e balançando cabeças, mas ninguém reclama, muito pelo contrário. Ambas as faixas seguintes trazem riffs e atmosfera mais pesados, e Tobias entrega toda sua atuação teatral em “The Toy Master”, onde usa uma bengala muito parecida com as de Alice Cooper (que a gravou); já “Twisted Mind” um convite a adentrar a pequena, disfuncional e engraçada mente dele, em suas próprias palavras, fica por conta de Ronnie e Tommy (ótima escolha, já que a original conta com Roy Khan, também do KAMELOT).

Alguns probleminhas técnicos com a guitarra de Sascha e o baixo precisam ser resolvidos antes do início de mais uma verdadeira sinfonia: “The Wicked Symphony”, e aqui, apesar de Tobias ser o protagonista da trama, ele continua em seu ‘repouso’ e deixa Tommy responsável por interpretar tanto seu papel como o de Jorn (o que não ficou tão legal, talvez tivesse feito mais sentido chamar Ronnie), enquanto Kenny assume a bronca de interpretar o personagem gravado por Russel Allen (SYMPHONY X). Os dois cantores performam um “duelo” de gritos na parte dos devaneios do protagonista, mas na vida real não há rivalidade alguma – ambos saem abraçados ao final da música. Ainda sem Tobias, o repertório segue com “Shelter from the Rain”, anunciada por Herbie – que conversa brevemente com a plateia corroborando que é sempre um prazer tocar no Brasil – e Kenny, onde o primeiro reveza entre os papeis de Bob Catley (MAGNUM) e Tobias, mostrando muita versatilidade na voz, e o segundo, Catley/Kiske. Kenny domina bastante o palco, ora ao centro, ora ao fundo junto às backing vocals, sempre pulando e elevando seus agudos até a estratosfera… causa ainda um frisson na plateia quando tira sua jaqueta de couro vermelha e exibe mais de sua boa forma física. Com Tobias retornando, agora quem descansa é Felix, pois é hora de balada; antes do início do hino “Farewell”, o anfitrião tira um minuto ainda para pedir a Nixon para bater uma foto da ‘família’ e elogiar tanto seus convidados quanto os fãs no quesito cantoria. Chiara finalmente vem ao centro do palco para brilhar sob os holofotes e reger as mãos da plateia de um lado a outro enquanto acompanham a melodia principal com “ô-ô-ôs”. Foi feito um arranjo levemente diferente da versão estúdio, onde Andrew faz um solo com sua assinatura pessoal, Miro adiciona notas entre suas linhas de teclado e o dueto a capella no final também é prolongado. Encaminhando o show para o término, vem mais uma favorita da audiência, e, como bem observado por Tobias, uma música que carrega consigo todos os elementos que representam o Avantasia: “Scarecrow”. Com mais de dez minutos, ela navega por melodias suaves e contagiantes, solos de guitarra com muito feeling, riffs pesados e rápidos, corais épicos e o diálogo entre os personagens. Aqui, Ronnie entrega tudo de si e ainda comanda a ‘ola’ fazendo a galera gritar “hey” no ritmo dos compassos. Um excelente encerramento… de bloco.

Após uma saída bem breve, logo os músicos retornam para o bis, e Tobias menciona que a última vez em que tocaram aqui essa próxima canção, tiveram a participação de um amigo seu no vocal. Apontando para o céu enquanto os fãs gritavam o nome de Andre [Matos], o músico se emociona e recebe de alguém na plateia uma camiseta estampada com o rosto do maestro, que faleceu poucos dias depois do referido show. Tobias o elogia dizendo que ele foi o maior cantor da América Latina e um dos melhores do mundo, e que se sente muito grato e honrado de ter tido sua amizade. Dessa forma, “No Return” é dedicada à sua memória, e “para lhe fazer justiça”, Kenny retorna ao palco. O público corresponde à altura pulando, cantando junto e fazendo ‘air guitar’ nos tappings do solo. Kenny finaliza a canção com um agudo rasgado vindo do fundo de sua alma e também presta as condolências a André; nesse momento, enquanto Tobias tece agradecimentos gerais e promete que, ao contrário da canção, sempre haverá retorno ao nosso país, um grupo de fãs próximos ao palco puxa o refrão de “Inside” (bela balada do primeiro álbum imortalizada com a voz do maestro) e Tobias adere, cantando junto a capella. Miro infelizmente não o acompanha, talvez estupefato contemplando aquela reação tão genuína e inesperada da plateia. Para que todos se recomponham, a power ballad “Lost in Space” é uma boa pedida e sempre agrada os fãs; Chiara faz sua participação lá do fundo mesmo.

O inevitável final não é mais novidade já há bons anos quando se trata de Avantasia, mas Tobias revela mais uma memória preciosa: a de que foi nesse mesmo palco, há 22 anos (quando a casa ainda se chamava Credicard Hall), e com a presença de Andre Matos, que ele cantou “Sign of the Cross” pela primeira vez. Como esperado, a música é executada em medley com “The Seven Angels” e seu refrão cativante, momento em que todos os convidados se juntam para o coral e para o agradecimento de mãos dadas em reverência aos fãs. Com um grande estouro, papeis picados coloridos são lançados no ar enquanto Tobias deseja a todos um feliz natal e enfim o telão acende em cores verde e amarela a bandeira com os dizeres “Obrigado ‘Brazil’”. Certamente, o melhor presente natalino que um fã de power/melodic metal poderia receber. Mais uma vez, Tobias prova que estava profundamente equivocado ao imaginar que esse projeto seria impossível de se reproduzir ao vivo ou que seria limitado a dois álbuns – em pleno 2025, mesmo com a galopante escalada do uso de inteligência artificial nos processos de composição musical e o declínio da capacidade de foco dos ouvintes, por mais de duas horas, artistas de carne e osso se conectaram com seus fãs e criaram vínculos e conexões profundas através de uma arte que aborda a psique, a fantasia, a criatividade, as emoções e os sentimentos que nos fazem imperfeitamente e irremediavelmente humanos. 

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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