Black Pantera e público fazem show histórico e engajado no Bangers; sol quente vira mero detalhe em pista frenética

Texto: Tiago Silva
Fotos: André Tedim

Nem mesmo o sol do meio-dia mais quente do final de semana de Bangers Open Air, no domingo (04), foi empecilho para que o Sun Stage fosse aberto da forma mais frenética, potente e politicamente engajada por uma legião de fãs do Black Pantera, trio mineiro de Crossover Thrash e Hardcore Punk que, novamente, mostrou sua grandeza e importância no cenário nacional atual ao propagar, com total precisão e com a ajuda de um público engajado na causa, suas mensagens antirracistas, antifascistas e contra outros de preconceito.

Pontualmente e após os testes finais de som, Rodrigo Pancho (bateria), Charles Gama (guitarra e vocal) e Chaene da Gama (baixo e vocal) entraram no palco sob a introdução de “Tenha Fé, Pois Amanhã Um Lindo Dia Vai Nascer”, do grupo Originais do Samba, recepcionando o público presente e aqueles que chegavam na pista, lotando-a cada vez mais. Chaene mal começou a cantar os primeiros versos de “Candeia”, faixa em homenagem ao sambista de mesmo nome, e uma roda já tinha se formado no meio da pista, explodindo na parte mais agitada da faixa.

O “Almoço”, como citou Charles, se tornou uma reunião ainda maior quando o “bairro” todo veio pro mosh e para os coros em “Provérbios”. E a situação cresceu com “Padrão é o Caralho”, em uma letra pautada na desconstrução de padrões e com versos impactantes como em “A coisa tá linda / A coisa tá preta” e “Jesus não era branco / não era ariano / A vida começou no continente africano”.

Seleção Natural” veio com a mensagem explícita contra racistas, machistas, nazistas e demais preconceituosos, somada a mais da energia performática do trio e de um ótimo solo de guitarra de Charles. Em seguida, o retorno ao álbum “Project Black Pantera”, de 2015, veio com o poderio sonoro absurdo de “Ratatá” liderado pelas linhas de baixo de Chaene.

A energia incansável da galera, mesmo com o calor, teve um de seus ápices em “Mosha”, um convite da banda para fazer justamente o que a música pede, em um circle pit frenético do começo ao fim. Já “Perpétuo” foi a necessária reflexão da ancestralidade humana, cujo verso “Todo mundo já foi preto um dia”, amplamente ecoado no coro do público e nos pulos dos mais animados – alguns deles até em linha, abraçados -, reforça a origem humana na África, assim como o questionamento “O que seria o mundo sem a cultura preta?” relembra as influências africanas em inúmeros aspectos culturais pelo mundo.

Chaene fez as honras de iniciar “Fogo nos Racistas” com o refrão de “Olho de Tigre”, do rapper mineiro Djonga, em meio a uma introdução de berimbau. O ponto áureo do show veio justamente nesta faixa, por conta do tradicional “jumpdafuckup” coordenado pela banda e abraçado por todos que estavam no Sun Stage – exceto a equipe de vídeo, que precisava registrar em pé de todo modo -, formando uma situação linda de se ver e de participar.

Outro momento áureo da apresentação veio justamente em “Sem Anistia”, faixa que foi pedida pelo público um pouco antes e que é uma crítica direta contra os pedidos de anistia aos presos pelos ataques aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, em 08 de janeiro de 2023. Nela, a banda promoveu um mosh exclusivamente feminino, um ato de inclusão às mulheres no Metal que foi amplamente abraçado pelas que estavam, em peso, no Sun Stage, tal qual admirado e respeitado pelos homens, que ficaram com o coro da faixa.

“Tradução”, uma homenagem à mãe de Chaene e Charles, levou o público a um coro emocionante de todos os presentes, que também mandaram energias positivas para ela pois, segundo os irmãos Da Gama, estava doente nos últimos dias. Pela letra, muitos provavelmente se identificaram por terem vivido situações semelhantes no passado, com mães que enfrentaram possíveis dificuldades financeiras e seguiram resilientes.

Após a faixa anterior, já na reta final da apresentação, o público acatou a mais um pedido da banda em “Revolução é o Caos”, quando a maré de pessoas se dividiu em dois lados para o também tradicional Wall of Death promovido pela banda sob orientações de cuidado: “Se o amiguinho cair, o que vocês fazem? Levanta!”. O que se viu, após as primeiras linhas poderosas de baixo de Chaene e o “já” de Charles foi um choque brutal dos dois grupos, convertendo em um mosh pit absurdo.

Boto pra Fuder” encerrou o show dignamente, num frenético circle pit somado com o coro final do verso “Eu não espero nada de ninguém”. Um gran finale de show digno para um público engajado do começo ao fim e para uma banda que, pela máxima importância que tem no cenário nacional atual, pelo conteúdo rico de críticas necessárias em suas letras, pelo acolhimento dos mais oprimidos pela cena do Metal em seus shows e pela entrega total de sonoridade e energia nos shows, merece os elogios e cada oportunidade e espaço que conquistaram – e que ainda vão conquistar.

Confira o setlist abaixo:

Intro: Tenha Fé, Pois Amanhã Um Lindo Dia Vai Nascer (Originais do Samba)
Candeia
Provérbios
Padrão é o Caralho
Seleção Natural
Ratatá
Mosha
Perpétuo
Fogo nos Racistas (com dinâmica de “agacha e pula” coordenado pela banda)
Sem Anistia (mosh feminino)
Tradução
Revolução é o Caos (com wall of death)
Boto pra Fuder

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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