Black Sabbath: 54 anos de “Master of Reality”

Há 54 anos, em 21 de julho de 1971, o Black Sabbath lançou “Master of Reality“, o terceiro álbum da banda que criou o Heavy Metal, e que é tema do nosso bate-papo desta segunda-feira.

Em 1971, o mundo era basicamente dividido entre os blocos capitalista e socialista, liderados por Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. Na América Latina, vivíamos períodos sombrios, com ditaduras instaladas no Brasil e Argentina, por exemplo, e pouco tempo depois, o Chile iria conhecer a mais sanguinária de todas as ditaduras que existiram por aqui. Na música, o The Beatles já estava separado e o mundo havia perdido três dos maiores ícones do estilo: Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison, todos aos 27 anos.

Master of Reality” é um disco que definitivamente colocou a banda como a influenciadora das demais bandas que surgiriam a seguir. Mais do que isso, nosso aniversariante fez do Sabbath uma banda que se colocava ainda mais à frente de seu tempo, pois, nascia uma nova vertente na música pesada e que se tornaria uma grande influência para as bandas que vieram a seguir: o Doom Metal.

Alguns de nós nem éramos nascidos e o quarteto de Birminghan já estava no seu terceiro full-lenght. Se no debut auto-intitulado, o Black Sabbath “assombrou” o mundo com aquela mistura insana de blues com um peso jamais visto para a época (o long play de estreia rendeu à banda presença no top 30 dos Estados unidos), o segundo disco, “Paranoid”, teve seu single (a faixa título) figurando entre o top 5 britânico, consolidando a banda como a “próxima a estourar”. Além disso, os dois primeiros lançamentos estavam entre os 20 álbuns mais vendidos em sua terra natal e os frutos estavam sendo colhidos, com turnês por toda a Europa e América do Norte.

E foi com todas essas “good vibes” que Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, atravessaram o atlântico, e adentraram no “Record Plant”, em Los Angeles, acompanhados do produtor Roger Brain e do engenheiro de som Tom Allow (ambos haviam participado dos dois primeiros lançamentos da banda). A banda já tinha duas músicas prontas (ou quase), as quais já eram presença certa no set list da última turnê no mês de Janeiro daquele ano de 1971: “After Forever” e “Into The Void”, esta última, se chamava “Spanish Sid”.

Então, uma vez no estúdio, a banda iniciou o processo de produção e gravação. Se no primeiro álbum, eles tiveram 48 horas para produzir, gravar e mixar e em “Paranoid” eles tiveram 5 dias, em “Master Of Reality”, foram dois meses, entre fevereiro e abril de 1971, o que era uma novidade para a banda. Se em tão pouco tempo em estúdio, saíram dois álbuns maravilhosos, o que poderíamos esperar em dois meses de espera? Chover no molhado, outro clássico.

Durante a turnê “Reunion”, que marcou o penúltimo reencontro do Black Sabbath original, o baterista Bill Ward comparou a mudança musical em “Master of Reality”, comparado com os dois anteriores, o autointitulado e “Paranoid”. Aspas para ele:

“No primeiro álbum, tivemos apenas dois meses para fazer tudo e em “Paranoid” Mas no terceiro álbum nós pudemos tomar todo o nosso tempo e experimentar coisas diferentes. Todos nós abraçamos a oportunidade. Tony tocou partes de guitarra clássica, o baixo de Geezer dobrou sua potência, eu fui para uma bateria maior, com bumbos maiores, experimentando overdubs e o Ozzy era muito melhor. E essa foi a primeira vez que não tínhamos shows agendados, o que nos permitiu concentramos apenas em tornar o álbum um marco.”

Em breves 34 minutos e apenas 8 faixas (se desconsiderarmos as intros “Embryo” e “Orchid”, são apenas 6 músicas, de fato), o Black Sabbath mais uma vez inovaria em seu som. Primeiro, com a mudança na afinação na guitarra de Iommi (ele abaixou três semitons e tocou de forma mais suja), fato que foi acompanhado por Geezer em seu baixo, em algumas músicas, o que deu um ambiente mais sombrio às composições. Se a mãe das mães das bandas de Heavy Metal tinham criado o estilo, mesmo que eles não tivessem consciência disso na época.

Uma curiosidade sobre a intro da clássica faixa “Sweet Leaf” é sobre o tossido que escutamos antes das guitarras de Tony Iommi. O guitarrista se engasgou próximo ao microfone após dar uma tragada num cigarro de maconha, enquanto as fitas de gravação rolavam entre uma e outra música. O engenheiro de som “achou” a tossida e sugeriu a Ozzy que eles a utilizassem, o que foi prontamente aceito pelo “madman”. E o que ficou mais interessante é que a tossida caiu como uma luva, pois a letra fala sobre o uso da “erva do capiroto”. O nome, veio de um maço de cigarros que Geezer havia comprado na Irlanda e na embalagem estava escrito “it´s the sweetest leaf that gives you the taste” (é a folha mais doce que te dá sabor – em tradução livre).

Ainda sobre “Sweat Leaf”, a faixa que abre este maravilhoso play, o Godsmack gravou uma versão para esta música, que acabou sendo lançada na segunda edição do tributo “Nativity in Black”. Os texanos do Butthole Suffers se inspiraram nos riffs deste clássico para uma música da banda, chamada “Sweat Loaf”.

Entre alguns fãs, existem os alienados, que entendem o Rock de maneira errônea, como sendo um espaço onde não podemos falar sobre política ou problemas sociais. Mas os inventores do Heavy Metal mostram que estes fãs estão errados e um dos grandes clássicos da banda, “Children of the Grave” fala do sentimento anti-bélico (N. do R: eles já haviam expressado sua contrariedade à guerra antes, em “War Pigs“) e aqui eles tratam de crianças que são enterradas vivas. Aspas para Bill Ward:

“Quando começamos a tocar esta música na tour pelos EUA, os veteranos da guerra do Vietnã estavam voltando para casa e muitos deles iam aos shows de cadeiras de rodas, chegavam perto do palco, erguiam suas bandeiras e cantavam junto. Era muito emocionante.”

A letra de “After Forever” trata do cristianismo e na época a banda foi acusada de blasfêmia. A música inspirou o nome da banda de Gothic Metal, After Forever, da qual a vocalista Floor Jansen fez parte e ganhou algumas versões, a mais conhecida foi feita pelo Biohazard, mas também há versões desta música executadas pelas bandas Aurora Borealis e até mesmo a turma do White Metal do Stryper.

A faixa “Children of the Grave” foi regravada pelo White Zombie e entrou na famosa coletânea tributo ao Black Sabbath, chamada “N.I.B.“. O Havok também fez o seu tributo aos quatro cavaleiros de Birmingham, regravando a mesma música.

A letra de “Lord of This World” trata de temas demoníacos e possessão de inocentes, uma especialidade de seu compositor, Geezer Butler, que já abordava o tema desde o debut da banda. Essa canção ganhou uma versão da banda Corrosion of Conformity, que também entrou no álbum “N.I.B.“.

Solitude” tem letra que trata sobre a solidão e três bandas gravaram versões para esta faixa: o Cathedral (Doom Metal), os noruegueses do Ulver, além da banda de Death Metal Demented Saint.

Into the Void“, provavelmente tem os riffs mais inspirados já criados por alguma banda também ganhou versões de algumas bandas. São elas: Kuyss (Stoner), Exhorder (Thrash Metal) e até o Soundgarden também pagou tributo ao Sabbath. A letra fala sobre poluição e a forma como o homem se mata com suas próprias criações. Bem atual, não é mesmo? Para quem ainda acha que Iommi, Ozzy, Butler e Ward são “apoliticos”…

Alguns dos grandes clássicos da banda foram forjados aqui em “Master of Reality“. Canções como “Sweet Leaf”, Children of the Grave“, “After Forever“, “Lord of This World” e “Into the Void” estão nos anais da história, fruto de um período muito criativo destes jovens rapazes que influenciaram várias gerações.

Master Of Reality” vendeu mais de um milhão de cópias antecipadamente, teve seu lançamento em julho de 1971, nos EUA, onde ficou em oitavo lugar nas paradas e por 43 semanas figurou entre os discos mais vendidos. Mais tarde, o aniversariante de hoje seria certificado duas vezes com o disco de platina na terra do Tio Sam, além de ter sido certificado com Disco de Ouro no Reino Unido e Platina no Canadá; Em agosto, a terra natal da banda conheceu o terceiro álbum, onde alcançou o top 5. Aqui em terras tupiniquins, o LP foi lançado no mesmo ano. O álbum frequentou algumas paradas de sucesso, como na Finlândia, quando ficou em 3°; 4° na Austrália, 5° no Canadá, 6° na Alemanha, 8° na Itália, 10° nos Países Baixos e 12° na Noruega. Mais recentemente, em 2021, o álbum voltou aos charts, na “Billboard” e também no Reino Unido.

Durante a pandemia, em uma atitude nobre, o Black Sabbath lançou uma camisa com a inscrição “Black Lives Matter”, um movimento que ganhou força após o assassinato brutal e covarde de George Floyd, um cidadão estadunidense, negro, que foi cometido por policiais. As letras foram impressas com o mesmo estilo e cor da capa de nosso aniversariante de hoje e pode ser adquirida no site oficial da banda, com a renda sendo revertida para o movimento. Bela ação, não é mesmo? Não poderíamos esperar nada de diferente dos criadores do Heavy Metal, em uma amostra de que o estilo nunca foi conservador, apesar de alguns conservadores insistirem em se apossar do Metal.

Uma outra curiosidade é que durante as sessões de gravação, a banda gravou contra a sua vontade, uma faixa chamada “Weevil Woman ’71’”, que sairia como single de estreia. Mas a faixa ficou de fora do lançamento oficial e ficou guardada até que foi lançada uma versão dupla e expandida do álbum, o que aconteceu somente no ano de 2009.

Este disco rendeu uma turnê de 14 meses em que tocaram exaustivamente. E mal terminaram a turnê, já gravaram o sucessor, “Vol. 4“, que ganhará um espaço aqui em nossa coluna em um momento oportuno. A importância deste álbum é algo de muita relevância e seu legado é inegável dentro do estilo.

No último dia 5, foi realizado o “Back to Beginning“, um grande festival com diversas bandas importantes, mais o Black Sabbath original que se despedia dos palcos e duas das músicas presentes aqui foram tocadas: “Children of the Grave” e “After Forever“, que foram performadas por Lamb of God e pelo supergrupo formado por Tom Morello, Nuno Bettencourt, Mike Bordin, o polêmico sionista David Draiman, Dave Ellefson e Scott Ian, respectivamente. A mensagem importante passada pelo vocalista Randy Blythe, antes de “Children of the Grave” passou despercebida por alguns, mas não para quem sempre reconheceu que o Black Sabbath sempre se preocupou com o bem-estar comum.

Então é dia de celebrar esse play. O Black Sabbath se despediu dos palcos para sempre, mas deixou mais uma vez a sua marca, onde eles doaram toda a renda de venda dos ingressos e dos direitos de transmissão de seu último show para hospitais e entidades que pesquisam para a redução do Parkinson, mal que afeta Ozzy Osbourne. Mais um golaço de placa de uma banda que sempre se colocou do lado do social, para você que ainda insiste em achar que “o socialismo é malvadão”. Os pais do  Heavy Metal mostrando porque tem moral para falar e cobrar igualdade para todos. A história, eles já fizeram, o legal seria se todas as bandas repetissem seu feito. O mundo seria bem melhor se todos tivessem acesso as mesmas oportunidades, ao invés de apenas alguns poucos, como acontece.

Master of Reality – Black Sabbath
Data de lançamento – 21/07/1971
Gravadora – Vertigo

Faixas:
01 – Sweet Leaf
02 – After Forever
03 – Embryo
04 – Children of the Grave
05 – Orchid
06 – Lord of This World
07 – Solitude
08 – Into the Void

Formação:
Ozzy Osbourne – vocal
Tony Iommi – guitarra
Geezer Butler – baixo
Bill Ward – bateria

Flávio Farias

Fã de Rock desde a infância, cresceu escutando Rock nacional nos anos 1980, depois passou pelo Grunge e Punk Rock na adolescência até descobrir o Heavy Metal já na idade adulta e mergulhar de cabeça na invenção de Tony Iommi. Escreve para sites de Rock desde o ano de 2018 e desde então coleciona uma série de experiências inenarráveis.

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