Cradle of Filth mata saudade de fãs paulistanos e faz união perfeita de repertórios no Carioca Club
Texto: Tiago Silva
Fotos: Gus Palma
O último sábado (23) marcou tanto a volta do Cradle of Filth à capital paulista, quanto o encerramento da sexta passagem da banda pelo Brasil, sendo a primeira nesta década. O show, realizado pelas agências New Direction e Sob Controle, aconteceu no Carioca Club, na Zona Oeste de São Paulo, fez parte da turnê latino-americana “The Screaming of the Americas Tour” e contou tanto com os estadunidenses do Uada, quanto com o Tellus Terror, do Rio de Janeiro, consolidando um evento com elementos do Metal Extremo, Black e Death Metal Sinfônico.
São Paulo foi a terceira cidade da turnê, que também passou por Curitiba no dia 22 e iniciou em Limeira, no interior paulista, no dia 21. No último dia 24, a banda também tocou em Buenos Aires, na Argentina e, além disso, passará por mais cidades, como Montevidéu (Uruguai, 26/08), Santiago (Chile, 28/08), Concepción (Chile, 29/08), Lima (Peru, 31/08), Bogotá (Colômbia, 02/09), Cidade do Panamá (Panamá, 04/09), San José (Costa Rica, 06/09), San Salvador (El Salvador, 07/09) e Cidade da Guatemala (Guatemala, 09/09).
O público presente no Carioca Club presenciou uma ótima performance em geral dos membros do Cradle of Filth, que soube montar um setlist com um repertório de faixas clássicas de discos como “Cruelty and the Beast”, “Midian” (2000), “Nymphetamine” (2004) e “The Principle of Evil Made Flesh” (1994), assim como faixas de lançamentos mais recentes, como as dos discos “Trouble and Their Double Lives” (2023), “Cryptoriana (The Seductiveness of Decay)” (2017) e o mais recente lançamento do grupo, “The Screaming of the Valkyries”, de março de 2025.
O público deu boa recepção às faixas mais novas e ovacionou cada clássico do Cradle executado, sob a liderança, imponência e capacidade vocal do icônico Dani Filth e a técnica e acompanhamento dos demais membros, como Marthus e Ashok. Os ânimos levaram até mesmo à abertura de uma roda na parte frontal da pista, gerando bate-cabeças em clássicos mais intensos da banda.
Antes do Cradle, as bandas de abertura também se destacaram: o Tellus Terror trouxe seu repertório para uma apresentação concisa e poderosa aos que chegaram mais cedo no local. Já o Uada não somente foi impactante de forma sonora, como trouxe elementos de palco que tornaram o ambiente totalmente obscuro e impactante para combinar com o poderio da sonoridade do quarteto.
Tellus Terror
O sexteto fluminense, originário de Niterói, fez uma apresentação potente e que agradou ao público presente desde o início no Carioca Club. As nove faixas envolveram os dois álbuns lançados pela banda desde sua formação, em 2012: “EZ Life DV8” (2014) e “Deathinitive Love Atmosfear” (2024), com sonoridade pautada no Black Metal Sinfônico, Death Metal Sinfônico e no Death Metal Experimental.
Os bons pontos da apresentação vieram até mesmo antes do começo dela, quando o grupo, em meio às finalizações de passagem de som, tocou o trecho de uma das faixas do setlist e, mesmo com as cortinas fechadas, foi o suficiente para inflamar uma parcela de possíveis fãs que estavam na grade da pista.O início do show, de fato, foi às 17h. Victor Magalhães (guitarra), Maurício Belmonte (guitarra), Gabriel Magalhães (baixo), Rodrigo Boechat (teclados) e Gabriel Filgueiras (bateria), já posicionados, introduziram “Amborella’s Child” em meio às piscadas da iluminação. Felipe Borges (vocal) foi o último a entrar, consolidando a transição para a sonoridade intensa da faixa. O poderio da bateria de Gabriel Filgueiras e a voz poderosa de Felipe foram bons destaques.
Faixas como “Absolute Zero” e “Darkest Rubicon” consolidaram uma sequência mais veloz e poderosa dos músicos, além de um vocal ainda mais grave dentro das técnicas que ilustram uma boa faixa de Black Metal e suas variações. Já em “Psyclone Darxide”, o solo de teclado de Rodrigo também levou parte dos presentes ao delírio.
“Empty Nails”, apesar de ter um tempo mais curto, foi impactante dentro de um ritmo mais lento que as faixas anteriores, a começar pelo envolvimento do público com palmas rítmicas no início e uma sonoridade impressionante dos instrumentistas. A velocidade (sem perder a precisão, claro) retornou com tudo em “Shattered Murano Heart”, liderada pelo pedal duplo poderoso de Filgueiras e acompanhada com o poderio dos demais instrumentistas e o impacto vocal de Felipe.
O fim da apresentação se deu com mais duas faixas: “Sickroom Bed”, destacada pelo riff inicial que desaguou em ótimo solo de guitarra, pelo agito do baterista em um trecho em que só usou os pratos de seu kit e uma finalização somada com performance dramática; e “Brain Technology Pt. II”, iniciada com os músicos de cordas em linha e com momentos de destaque do tecladista do Tellus Terror, além de viradas de Filgueiras que deram ótimo tom para o poderio da faixa de encerramento. O saldo geral do show, claro, foi positivo, visto a receptividade do público que esteve desde a abertura dos portões e, claro, pelos gritos de parte dos presentes até o final em nome da banda. Eis um grande passo para uma banda que, com seu repertório técnico no estúdio e ao vivo, tem tudo para ir longe no cenário do Metal nacional.
Uada
Cinco músicas foram o suficiente para que os quatro integrantes estadunidenses do Uada deixassem, em sua terceira passagem pelo Brasil, um impacto positivamente enorme para o público presente e em maior quantidade. E isso também valeu para um cenário obscuro no palco que envolveu a logo da banda no telão central, um jogo de contra-luz e de uma postura sombria, porém enérgica, dos integrantes encapuzados. O grupo de Black Metal Melódico apostou em faixas de seus três álbuns iniciais: “Devoid of Light” (2016), “Cult of a Dying Sun” (2018) e “Djinn” (2020).
O show começou às 18h06, já com a presença de Pierce Williams (Ænigmatum, Azath, Lividus, Lord Gore e Pusrot) na bateria, como membro de turnê, no abrir das cortinas. Jake Superchi (guitarra e vocal), Nate Verschoor (baixo) e Rob Shaffer (guitarra) vieram na reta final de uma introdução com som de chuva e trechos gravados de violão e vozes agudas de ópera.
Mas foi após os primeiros segundos de “Natus Eclipsim”, faixa inicial do show, que o poderio sonoro da banda veio à tona, com viradas e blast beats poderosos de Pierce, velocidade nos acordes das guitarras e baixo e, claro, a alternância entre os gritos estridentes e uma tonalidade mais “uivada” de Superchi. Já em “Djinn”, o riff melódico foi ponto de partida para uma cadência liderada pela técnica absurda do baterista e acompanhada pelo balançar dos demais membros, desaguando na alternância entre velocidade geral e trechos mais melódicos e lentos. “Blood Sand Ash” também trabalhou e muito bem com a alternância de ritmos, contando também com gritos de “hey” da plateia em determinadas transições, contando com as partes rápidas muito técnicas em geral.
A penúltima música da apresentação, “Cult of a Dying Sun”, marcou uma abertura ainda mais evidente do poderio técnico de Pierce Williams em todos os estágios da música, a destacar os momentos de pedal duplo e variações de pratos em meio a tal ritmo. Junto a ele, a performance dos demais instrumentistas também aumentou sua intensidade, com o poderio das guitarras de Jake Superchi e Rob Shaffer, as notas mais perceptíveis de Nate Verschoor e as variações de notas vocais que Jake apresentou ao longo da faixa.
O mesmo se deu na última música do Uada na noite, “Black Autumn, White Spring”, com uma pequena introdução que logo se torna um verdadeiro poderio de técnica e velocidade nas notas dos integrantes, com blast beats absurdos, riffs rápidos e o impacto vocal preciso. Em outros momentos “mais lentos”, a cadência de Pierce se destaca novamente da mesma forma que na faixa anterior e em diversos momentos do show, num repertório técnico que me fez supor uma possível inspiração de Williams no baterista Gene Hoglan (Dark Angel, Dethklok, Pitch Black Forecast e Brendon Small’s Galaktikon). Ainda durante a faixa final, a energia performática de Jake Superci, que por muitas vezes subiu nas caixas de retorno ou foi para a extremidade frontal do palco, tropeçou e caiu de uma forma notável, porém sem atrapalhar na performance instrumental. Houve, também, margem para um ótimo solo de guitarra de Rob Shaffer, já na reta final da faixa.
Ao todo, o Uada voltou a deixar uma marca positiva em São Paulo, tal qual pelas cidades brasileiras nas quais a banda tocou nesta turnê latino-americana. Mais um ponto positivo para um grupo que se consolida como grande entre as bandas de Black Metal mais recentes – contando a partir da década de 2010 -, onde a combinação entre a técnica, a performance e a sonoridade das apresentações faz toda a diferença para este posto.
Cradle of Filth
A desmontagem e montagem do palco entre o show do Uada e o do Cradle, com base no que deu para ver nas frestas das cortinas conforme os roadies a usavam como escape de alguns equipamentos, se deu com o ritmo e precisão necessários para o início da próxima apresentação. E com o kit de bateria pronto desde antes do início do evento, a facilidade foi ainda maior.
Toda a possível ansiedade em volta do início do show se deu às 19h23, com o abrir das cortinas e a pausa na discotecagem de Fernanda Lira. Chegava, então, o momento mais esperado da noite.
Zoë Marie Federoff-Šmerda (backing vocal, teclado), Martin “Marthus” Škaroupka (bateria), Daniel Firth (baixo), Donny Burbage (guitarra) e Marek “Ashok” Šmerda (guitarra) entraram no palco ovacionados. Só não mais que o encapuzado, temporariamente enigmático, imponente Dani Filth (vocal) que, ao revelar seu rosto e subir nos retornos centrais do palco depois de uma entrada em contorções, foi amplamente saudado pelo público aos gritos, dando assim início ao setlist de 12 faixas para o último show da turnê em solo brasileiro, misturando clássicos de álbuns anteriores com partes dos mais recentes. E a faixa inicial foi “To Love Deliciously”, do mais recente álbum, “The Screaming of the Valkyries” (2025), marcada pelo emaranhado de celulares levantados na pista, mas altamente poderosa em meio aos riffs dos guitarristas, o poderio da bateria de Marthus e os primeiros gritos estridentes do frontman do Cradle, além dos trechos mais agudos de Zoë. “The Forest Whispers My Name” deu sequência com um início “Pop”, do teclado – sob pulos de parte dos fãs -, que logo desaguou na sonoridade de Metal Extremo registrada da banda. Dani também foi mais interativo com os fãs na reta final da faixa, com direito a pedir barulho e performar com o tripé de seu microfone.
Filth, em seu primeiro discurso entre faixas, fez questão de destacar a saudade de voltar para a capital paulista, seguindo com uma contextualização introdutória para começar “She Is a Fire”, do disco “Trouble and Their Double Lives” (2023), marcada pela boa cadência da banda e pela dinâmica de movimento do baixista Daniel Firth, sempre interagindo com os guitarristas. Depois, em “Malignant Perfection”, outra do disco novo, o ritmo dos teclados ocupou boa parte dos primeiros minutos da faixa, somando à voz marcante de Dani e novamente transitando para um ritmo mais pesado a partir do refrão. Certo é que o grito final do icônico vocalista levou o público a mais um emaranhado de ovações que também resultaram em gritos de “Cradle!”.
Uma citação de Dani Filth ao Sepultura, em novo discurso, antecedeu o início de um dos grandes clássicos do Cradle of Filth: “The Principle of Evil Made Flesh”, do álbum de estreia de mesmo nome, lançado em 1994. A faixa, amplamente comemorada, mostrou o poderio dos instrumentistas da banda por um todo e trouxe o melhor do Metal Extremo naquele momento. Na pista, entre o som pesado e os canhões de fumaça, o clima se tornou propício para a abertura de uma roda na região frontal da pista, impactando até mesmo em quem estava mais próximo da grade. O caos já estava instaurado.
O setlist voltou para o repertório mais recente a partir de “Heartbreak and Seance”, do álbum “Cryptoriana (The Seductiveness of Decay)”. A intensidade, claro, não foi perdida, com ritmo encabeçado principalmente pela combinação de velocidade e poderio do pedal duplo e dos blasts de Marthus, além do acompanhamento das guitarras tanto nos riffs rápidos, quanto na alternância no momento de solo.
O frontman do Cradle of Filth novamente “preparou o terreno” para um clássico ao pedir gritos da galera e contextualizar em outro discurso breve. Assim veio “Nymphetamine (Fix)”, sucesso do álbum “Nymphetamine” (2004), com o ritmo clássico da faixa, os cantos de Zoë Marie e a alternância de Dani Filth em cantar ora no fundo do palco, em uma plataforma, ora na frente, perto de seus retornos. O público fez sua parte ao criar coros ou registrar o momento nos celulares, aproveitando o ritmo um pouco mais calmo da faixa.
“Born in a Burial Gown”, única música do setlist a representar o EP “Bitter Suites to Succubi” (2001). retomou a apresentação para um ritmo mais intenso, sendo iniciada em meio aos heys do público e logo causando o clima perfeito para a volta do bate-cabeça na pista – desta vez, para ficar de vez, sem mais dispersões. Alguns fãs ainda arriscaram subir para waves na parte frontal da pista, porém em pouca quantidade e por pouco tempo. Já em “White Hellebore”, última faixa do novo disco a ser tocada no show, alguns dos momentos mais leves da faixa fizeram a galera da roda a pular mais do que bater cabeça, ao mesmo tempo que Donny e Daniel Firth performaram muito bem ao girar os cabelos enquanto tocavam linhas rápidas da guitarra.
A banda fez uma pequena pausa e saiu do palco, dando espaço para que as introduções instrumentais “Creatures That Kissed in Cold Mirrors” e “The Monstrous Sabbat (Summoning the Coven)” fossem reproduzidas antes do retorno dos integrantes, com direito a iluminação verde para a primeira, e lilás para a segunda. Ashok e Daniel Firth, em meio aos gritos saudosos do público, também saudaram ao levantar garrafas de cerveja para o alto.
E a reta final do show se deu com outro clássico da banda, “Cruelty Brought Thee Orchids”, com acompanhamento massivo dos fãs à frase inicial: “Hear Me now! / All crimes should be treasured if they bring thee pleasure somehow”. Com o decorrer do instrumental da faixa, presente no disco “Cruelty & The Beast” (1998), mais pessoas aderiram à roda e participaram do bate-cabeça. Tanto homens, quanto mulheres.4
O gran finale veio com duas “pedradas” do consolidado LP “Midian” (2000): “Death Magick for Adepts” foi anunciada após outra grande contextualização de Dani Filth que, ainda com a voz em dia e colete diferente do inicial, cantou em forte intensidade e ainda contou com a presença de um roadie da banda, mascarado, para um trecho narrado que, na versão de estúdio é em voz grave. Ele ficou para também ecoar os versos narrados iniciais da última faixa, a também clássica e amplamente cantada “Her Ghost in the Fog”, que voltou a tornar a roda da frente da pista em uma hibridez de tentativas de pulo, nas partes mais líricas e bem cadenciadas pelos instrumentistas de cordas e vocalistas (Dani e Zoë),com bate-cabeça nos momentos mais intensos e com fortes blast beats de Marthus.
O Cradle of Filth não somente matou a saudade do público brasileiro após seis anos de espera, como fez uma boa consolidação inicial da turnê Latino-americana nesta passagem, mostrando um Dani Filth ainda predominante com sua voz e técnica, parceiros de banda afiados e bandas participantes de alta qualidade. A banda seguirá pelos demais países do calendário e, com base no que foi visto no Carioca Club, vale afirmar que a presença nos shows do Cradle valerá e muito à pena por conta de todos os aspectos qualitativos citados.
Confira os setlists:
Tellus Terror
- Amborella’s Child
- Absolute Zero
- Darkest Rubicon
- Psyclone Darxide
- Empty Nails
- Lone Sky Universum
- Shattered Murano Heart
- Sickroom Bed
- Brain Technology Pt. II
Uada
- Natus Eclipsim
- Djinn
- Blood Sand Ash
- Cult of a Dying Sun
- Black Autumn, White Spring
Cradle of Filth
Intro
- To Love Deliciously
- The Forest Whispers My Name
- She Is a Fire
- Malignant Perfection
- The Principle of Evil Made Flesh
- Heartbreak and Seance
- Nymphetamine (Fix)
- Born in a Burial Gown
- White Hellebore
Encore:
Intros: Creatures That Kissed in Cold Mirrors / The Monstrous Sabbat (Summoning the Coven)
- Cruelty Brought Thee Orchids
- Death Magick for Adepts
- Her Ghost in the Fog