Diretamente de Israel e com poucos recursos, Orphaned Land traz mensagens de paz em tempos de guerra
Texto: Daniela Reigas
Foto: Gabriel Freitas
Com mais de 30 anos de estrada, a Orphaned Land é considerada uma banda pioneira no estilo “metal oriental”, no qual as guitarras, bateria e vocais rasgados característicos do heavy metal se fundem a instrumentos e melodias típicos da região do Oriente Médio, como o alaúde, a percussão com tambores e o canto coral. Uma das poucas a se apresentarem no fiasco que foi o festival “Maranhão Open Air” em 2012, a banda também passou por algumas cidades brasileiras em 2013 e, após 11 anos, finalmente anunciou, em janeiro, uma pequena turnê de retorno à América Latina; desta vez, com única apresentação no país em São Paulo, no último domingo, 7 de abril, no Carioca Club.
Às 18:30h, o seleto público já se encontrava a postos, seja na pista – que não teve nem mesmo a grade de separação destinada ao “pit” dos fotógrafos, permitindo a quem quisesse literalmente colar no palco – ou nos camarotes, e os testes de som indicavam que o espetáculo estava prestes a começar. De fato, pouco depois se acende o telão e chegam ao palco os músicos israelitas Matan Shmuely (bateria), Chen Balbus & Idan Amsalem (guitarras, vocais de apoio) e Kobi Farhi (vocal) e entra a intro de “The Cave”, do trabalho mais recente da discografia – ‘Unsung Prophets and Dead Messiahs’ (2018), uma bela composição que faz alusão ao mito da caverna de Platão. Cheia de orquestração e coral em sua versão de estúdio, fica difícil reproduzi-la fielmente ao vivo, fazendo-se necessário o uso de playbacks – felizmente, o volume/mixagem dos mesmos estava adequado. Até aí, muitas bandas recorrem a esse artifício para economizar recursos em turnê, mas a ausência de um outro elemento crucial foi notada logo de cara: não havia um baixista em palco! Ao final da música, Kobi saúda o público e explica, porém sem muitos detalhes, que o baixista e membro fundador Uri Zelcha encontra-se machucado após um pequeno acidente na turnê e necessita de repouso para se recuperar – provavelmente, não houve tempo hábil para achar um substituto, infelizmente. O cantor afirma ainda que estão muito contentes de poder retornar ao país com esse show que tem o intuito de celebrar a vida.
Em seguida, vêm duas faixas do album “All is One” (2013). Primeiro, a groovada “The Simple Man”, em que a plateia acompanha batendo palmas no ritmo e cantando os “nanana’s” enquanto Chen dança alegremente pelo palco com sua guitarra. Kobi demonstra bastante de seu alcance vocal fazendo os cânticos tradicionais da música oriental; e logo depois, emendam a faixa-título do álbum, que vem acompanhada de uma mensagem que convida à reflexão. Kobi comenta – sem citar nenhum posicionamento político específico – sobre a atual situação de guerras em que nos encontramos, e que, mesmo após tanto tempo, a humanidade ainda falha em enxergar que, afinal, “somos todos um”. Importante ressaltar que a banda teve várias datas de shows canceladas/postergadas no final do ano passado devido ao intenso conflito envolvendo o Hamas em Israel, e se manifestou em suas redes sociais dizendo que são tempos difíceis nos quais precisavam estar junto a suas famílias. Os fãs aplaudem o discurso. Durante a execução da música, se destaca o solo de Idan e a participação do público sempre acompanhando com palmas e bradando o refrão.
Dando continuidade, o cantor anuncia que as próximas faixas são de um álbum que está completando 20 anos: “Mabool”, e então se inicia primeiramente a cadenciada “The Kiss of Babylon”. Nessa fase, os vocais guturais eram mais presentes nas composições, e Kobi mostra que ainda está com a técnica em dia, reproduzindo tudo com maestria. Fez falta a presença de uma cantora para o trecho de vocal feminino, originalmente gravado por Shlomit Levi, mas o público fez sua parte cantando os “lalala’s” em coro. Regidos por Kobi, os fãs também levantavam as mãos e gritavam “hey!” nas quebras da música. Ao final, o cantor agradece a interação com um entusiasmado “you f*cking rock, Sao Paulo!”. Dando prosseguimento, “Ocean Land”, que literalmente fez todo mundo sair do chão: tanto músicos como público pulavam, empolgados. Nesta faixa, com certeza o destaque vai para Matan, que além da performance impecável das complexas linhas de bateria, mostra que também manda bem no gutural, em contraste aos vocais limpos que Kobi faz no refrão.
É hora de descansar um pouco ao som da balada “Brother”, introduzida pelo frontman como uma canção de convite à união, pois somos todos irmãos e irmãs, e devemos estar juntos, especialmente em tempos difíceis. O discurso, aliado à longa túnica, barba e cabelos longos e pés descalços faz um fã gritar “Amém Jesus” na pista. O ritmo dançante e vocais enérgicos são então retomados com ”Like Orpheus”, mas na sequência, a arrastada “Let the Truce Be Known” dá uma amornada no púbico, já que a performance não contou nem mesmo com a presença da guitarra de dois braços. Talvez sentindo essa baixa de energia, ao final Kobi pergunta ao público se ainda estavam a fim de mais, e diz que por ele, tocariam umas 4 horas, mas que seguiram o setlist conforme o plano. Voltando ao Mabool, a banda executa “Birth of the Three”, faixa que abre o álbum e discorre sobre sua temática principal – a lenda de que o sétimo anjo de Deus foi dividido em três, representando a divisão da religião abraâmica em três correntes principais: Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. Em um dado momento da canção, Kobi convida todos a pularem e cantarem com ele, e ao final, o músico novamente não poupa elogios à plateia, dizendo que todos cantam e pulam muito bem.
Aproximando-se do fim do setlist, a já conhecida dobradinha da hipnótica “In Propaganda” com a tranquila e melancólica “All Knowing Eye”, onde, durante o belíssimo solo de Idan, Kobi até mesmo ajoelhou-se no palco. Ao final, o cantor diz que espera por melhores governantes ao redor do globo.
Para este último bloco, a banda revisita o álbum ‘The Never Ending Way of ORWarriOR’ (2010), que traz a música que normalmente é um dos pontos mais altos do show: Sapari, uma canção medieval judaica iemenita, obviamente executada com a roupagem do heavy metal. No entanto, é uma pena que os fãs tenham sido privados tanto da presença de uma cantora, quanto de uma bailarina de dança do ventre/fusion – essa última questão teria sido resolvida com facilidade se tivesse sido realizada uma busca por profissionais locais, a exemplo do Myrath, banda do mesmo gênero que esteve no país ano passado e contou com a apresentação de dança. De qualquer forma, todos se divertiram com a dancinha de Kobi e pularam muito a comando do sempre sorridente Chen. E assim como no álbum, “In Thy Never Ending Way” deveria servir como epílogo e trazer um encerramento, mas Kobi brinca dizendo que, como bom judeu, está aberto a negociação. O frontman “ensaia” o coro dos fãs, pedindo que repitam a plenos pulmões a melodia do refrão, e todos obedecem. Durante o solo de Idan, como também já é tradição, Kobi se aproxima por trás de Chen e toca a guitarra base em conjunto com ele, jogando a palheta em direção à plateia ao final da performance. Ao entoar o último “lalala” do refrão, o cantor pede por paz no mundo todo. A canção termina e os músicos se retiram do palco, agradecendo e jogando beijos para os fãs.
As luzes permanecem acesas e todos começam a clamar pelo nome da banda, incentivando o bis – que é acatado poucos minutos depois. Voltando aos primórdios com faixas do primeiro álbum, ‘Sahara’ (1994), Kobi diz que estão ficando velhos, mas que continuam felizes em poder levar sua música e mensagem adiante, e que para essa próxima faixa, a balada “The Beloved’s Cry”, quer que se apaguem as luzes do palco e fiquem apenas as lanternas dos celulares dos fãs. Com energias recuperadas após a música quase acústica, ninguém tinha desculpas para não pular e dançar durante o medley de “Norra el Norra” (que é interrompida na parte onde entraria o solo de piano) com o finalzinho de “Ornaments of Gold”, da qual executam apenas o “ô ô ô” da melodia enquanto o público balança os braços ao alto. Kobi apresenta seus companheiros de banda e faz os agradecimentos finais. Afirmando que agora sim, era a despedida, ele ainda convoca todos para a foto geral, e antes de se retirarem de vez, Chen e Idan distribuem algumas palhetas e até mesmo retiram o setlist de palco para um dos fãs.
É realmente uma pena que a banda tenha vindo com uma estrutura tão reduzida, tendo o telão com imagens de clipes ao fundo e os playbacks como únicos recursos de apoio, sendo que fãs em outros shows ao redor do mundo já puderam ter a experiência completa que a sonoridade tão única da banda pede; não teria sido nada mal também terem incluído ao menos uma faixa do álbum “El Norra Alila” (2016) para que o setlist de fato contemplasse toda a discografia; mas tudo que faltou foi compensado com altas doses de carisma e competência técnica. Quem não compareceu talvez tenha que amargar mais alguns longos anos de espera por outra oportunidade, já que não há informações a respeito de nenhum lançamento planejado para um futuro breve; mas o público presente, embora diminuto, foi muito participativo e respeitador para com as mensagens, deixando sem dúvidas uma excelente recordação para a banda.
Agradecimentos a Estética Torta e Marllon Matos pelo credenciamento.
Setlist
The Cave
The Simple Man
All Is One
The Kiss of Babylon (The Sins)
Ocean Land (The Revelation)
Brother
Like Orpheus
Let the Truce Be Known
Birth of the Three (The Unification)
In Propaganda
All Knowing Eye
Sapari
In Thy Never Ending Way (Epilogue)
Bis:
The Beloved’s Cry
Medley:Norra el Norra (Entering the Ark) / Ornaments of Gold