Helmet celebra “Betty” e leva público ao delírio com sonoridade poderosa no Carioca Club
Texto: Tiago Silva
Celebrar aniversários importantes de um álbum de estúdio de sucesso – ou de extrema importância para um artista – ao vivo é uma missão que traz à uma banda a responsabilidade de uma execução praticamente perfeita e que leva o público às nuances de nostalgia e de imersão àquele trabalho musical. Para o Helmet, a missão de celebrar “Betty”, terceiro LP da banda, de 1994, se mostrou, mais uma vez, algo que a formação atual, liderada pelo icônico Page Hamilton. faz com maestria e que, no Carioca Club, na noite do último dia 30 de abril, gerou aclamação generalizada para o público presente, que lotou o local em plena véspera de feriado. O evento, que contou com as aberturas das bandas brasileiras Treva e Debrix, foi organizado pela agência Powerline.
A banda de Nova Iorque não somente tocou o álbum, que fez 30 anos em 2024, com plena perfeição sonora – ao menos para o público presente, visto alguns problemas de regulagem de volume para os integrantes, em alguns momentos do show -, como trouxe sucessos de outros lançamentos dentro dos anos 1990 e 2000, além de uma das faixas do álbum mais recente do grupo, “Left” (2023).
O setlist de 25 faixas foi o suficiente para levar boa parte do público a um nível de delírio musical em que os bate-cabeças entravam no ritmo da faixa e eram constantes na maioria das músicas executadas pelo quarteto. Além disso, o clima caótico (positivamente) foi gerado com os dive stages repetidos de alguns fãs, alguns deles até tentando interações com os membros do Helmet, a destacar um que, ao tentar se aproximar de Page, foi barrado pelo baixista Dave Case; e outros que geraram a intervenção da segurança, momentaneamente, para que não subissem mais.
Page Hamilton, apesar de mais contido na maior parte do show, foi impecável com a voz na maioria das reproduções, assim como performou em sua clássica postura, à direita do palco – na visão do público -. Da mesma forma, os demais integrantes não somente foram impecáveis em suas linhas e execuções, como foram enérgicos ao longo de todo o show.
Treva
O grupo brasileiro, formado em 2021, teve a responsabilidade de abrir a noite, apesar de um Carioca Club ainda em clima de entrada, com pouco público e fluxo de chegada para aquele momento. Parte já estava na frente do palco, e outra concentrada ao fundo, perto dos quiosques de merchandising.
Apesar disso, o quarteto formado pelos ex-Confronto Felipe Ribeiro (vocal) e Eduardo Moratori (baixo), junto a Chris Wiesen (guitarra) e Pedro Hernandes (bateria), com um repertório pautado no primeiro álbum de estúdio, “Em Própria Razão” (2023), entregou uma boa apresentação com seu Rock and Roll pautado em referências sonoras do Punk Rock e Blues Rock.
Alguns contratempos me levaram a perder as primeiras músicas da apresentação: uma introdução de “Meu Sofrer”, de Noel Rosa – também popular na voz de Gastão Formenti – e as faixas “Novo Amanhã”,“Onde Morre o Sol” e “Memórias e Reclusão”.
O Treva ainda trouxe boas faixas como “Por Chance, Por Sangue”, feita, segundo Felipe Ribeiro, “em um momento difícil da banda”, a estreia ao vivo de “Recomeço”, em uma pegada mais Punk Rock, e “Renasce em Dor”, faixa que tem participações de Rodrigo Lima (Dead Fish) e Julie Xavier na versão de estúdio e que, no Carioca Club, foi dedicada pelo quarteto, pela voz do vocalista, tanto “para todos aqueles que ralam duro em seus trabalhos e cores”, assim como para Rafael, um amigo dos integrantes que não pôde comparecer ao show devido a uma perda familiar significativa. Para a última faixa citada, além de uma boa sonoridade Rock ao longo da maior parte, houve ainda uma extensão da finalização bem enérgica, por parte dos integrantes.
Por fim, após um último discurso de Felipe Ribeiro sobre as coisas boas e as ruins passarem, o grupo finalizou a apresentação com “O Passado que se tem”, saindo ao som de “Get Up and Drive Your Soul”, de James Brown.
Debrix
O quinteto de São José dos Campos, que tem fortes influências no Hard Rock, enfrentou um Carioca Club que lotava conforme mais próximo do horário do show principal. Nada que causasse pressão na apresentação, uma vez que a banda já abriu para o The Calling e, no palco do Carioca Club, também se sentiu à vontade para um show enérgico, por mais que parte do público ainda não estivesse aquecido por chegar em meio ao evento, tal qual outra parte guardasse as energias para o Helmet.
Alisson Magno (baixo), Abel Saviot (bateria), Felippo (vocal), Diego Sanctus (guitarra) e Friggi (guitarra) pautaram o setlist de dez faixas tanto no primeiro EP, “Tales from the Habbit Hole” (2024), quanto em faixas inéditas. E para o início, um pouco mais cedo do que o previsto, “Stray” foi tocada já com Saviot e Friggi no Palco, seguindo com a entrada dos demais. Em seguida, a sonoridade muito semelhante à da banda principal – mesmo que ainda com os elementos Hard Rock – foi percebida em “Push It!”, primeiro single lançado pelo grupo, em abril de 2024. Para ambas as faixas, a sonoridade foi um belo cartão de visitas, a destacar os solos de Sanctus e, no caso da segunda faixa, o grito estridente de Felippo ao final.
“Brisa de Espelho” foi a terceira faixa do Debrix na noite, a primeira cantada em língua portuguesa. Em seguida, “Picture Rose” foi dedicada, segundo Felippo, àqueles “que gostam de pagar de bacana”.
“Thunderstorm” foi um dos grandes picos do show, com uma sonoridade poderosa e constante, e um vocal que, juntos, dão uma verdadeira vontade de pegar um skate – ou qualquer outro veículo – e sair em alta velocidade. Foi outra faixa que Felippo finalizou com um poderoso grito, numa verdadeira demonstração de entrega.
“Turn the Page” e “Born Beast” trouxeram o destaque às linhas de baixo iniciais de Alisson Magno, além de manter a boa constância sonora da banda por um todo. Em seguida, “Perigo!” foi anunciada com uma brincadeira com a pronúncia feita por Seu Madruga, do seriado “Chaves”, em um episódio em que dá aula para os alunos: “‘PRE’-RI-GO”. Ela foi dedicada às pessoas que, segundo Felippo, “já tomaram um tombo na balada”, assim como trouxe um ritmo Hard Rock clássico muito bom de escutar.
“Nada pra Falar” foi um dos singles ainda não lançados a tocar no show, dinamizado pelas batidas poderosas da bateria e uma boa alternância entre Rock e alguns elementos mais Metal. Por fim, “Bullseye” trouxe elementos de Funk Rock em alguns trechos, por conta dos timbres mais agudos e simples da guitarra, ao mesmo tempo que foi uma pedrada sonora no restante, como uma boa forma de encerrar o show com toda a energia possível no palco, seja pela performance dos músicos instrumentistas, seja pelas constantes danças e gestos de Felippo, que trouxe um forte gutural ao final.
Helmet
A dinâmica de cortinas fechadas, por si, cria expectativas nos minutos que antecedem o início do show. No entanto, diferente dos momentos de espera para as aberturas, o que predominou nessa “espera final” foi o constante instrumental de Jazz que ecoou nas caixas do Carioca Club. E foi justamente isso que deixou o público calmo, mesmo que cada vez mais perto de começar e mesmo que, do Helmet ao final, a energia fosse completamente diferente do que se via nesses minutos de aguardo.
O certo é que, às 22h em ponto, Page Hamilton (guitarra e vocal), Kyle Stevenson (bateria), Dan Beeman (guitarra) e Dave Case (baixo) rapidamente entraram no palco e, com alguns segundos de checagem e com o aval do riff de “Wilma’s Rainbow”, não somente iniciaram o ato de reprodução da íntegra de “Betty”, álbum de 1994 que fez 30 anos em 2024, como deram a largada para o clima incrível que se formou na frente da pista, com uma roda formada por verdadeiros “malucos do bem” e que só parou em faixas mais amenas durante o show. E para essa entrada, o coro do público em geral também foi importante, assim como as primeiras distorções de Page com sua guitarra vermelha.
“I Know” deu sequência, com um público que pulava no ritmo da bateria de Kyle e no feeling dos elementos Noise Rock que Page seguiu a usar perto de seus amplificadores Marshall. A troca de guitarra, para uma azul, se deu em “Biscuits for Smut”, em forte sonoridade, com a retomada de Page para a vermelha na pedrada que viria na sequência.
Tratava-se de “Milquetoast”, faixa de maior sucesso do álbum celebrado e que levou o público a outro patamar enérgico, tanto com o aumento do mosh na parte frontal, quanto com o aumento do coro durante toda a música. A pista do Carioca Club entrou em êxtase máximo nesse momento e foi constante até mesmo durante o final mais extenso da faixa, em meio a um solo improvisado do líder do Helmet.
“Tic” foi outra faixa bem cantada pelo público e que despertou a vontade dos mais malucos da roda em iniciar os Dive Stages no palco. O primeiro foi e pulou, o segundo veio na sequência e a mesma pessoa que “abriu” a sessão de pulos voltou, de forma desastrada, esbarrando no tripé do microfone de Dave Case que, em bom reflexo, evitou que o suporte caísse. Page Hamilton ainda aproveitou o final da faixa em questão para esfregar as cordas da guitarra no amplificador. Tudo pela sonoridade Noise.
“Rollo” reacendeu a intensidade do bate-cabeça, assim como marcou a coragem de mais pessoas em arriscar o Dive Stage. Uma dessas pessoas tentou se aproximar de Page Hamilton e, ao tentar encostar na guitarra do frontman – mesmo que ele comumente fique à esquerda do palco, ou à direita na visão do público -, foi alertado por Dave Case para sair de perto e descer. Em seguida, em “Street Crab”, a loucura popular se converteu também em pessoas sendo levadas como uma onda, ao descer do palco. No palco, a sonoridade do grupo por um todo e a energia performática de Dan Beeman e Dave Case regiam ainda mais o show.
O ambiente caótico foi acalmado com a sequência de “Clean” e “Vaccination”, o que não significou que o coro havia cessado. Outra que começou calma foi “Beautiful Love”, um cover de uma canção popular de 1931, composta por Wayne King, Victor Young, Egbert Van Alstyne e Haven Gillespie. No entanto, a calmaria inicial das linhas tocadas por Page logo deram luz à uma sonoridade mais experimental e totalmente instrumental.
A intensidade dos moshes voltou em “Speechless”, que também teve seu refrão bem cantado. Em seguida, a faixa “The Silver Hawaiian”, mais dançante, levou duas pessoas a subirem – tenho quase certeza que não pela primeira vez – para improvisar danças rápidas, um deles voltou só para ser levado pelo público na “onda”. No palco, Page marcou a suavidade da sua voz na primeira faixa, em meio ao Metal Alternativo mais cru e bem ritmado principalmente por Kyle, na bateria; e focou numa voz mais grossa na segunda, numa sonoridade mais “escrachada”.
“Overrated” e “Sam Hell” finalizaram o ato do álbum “Betty”, com uma perfeição sonora e vocal na primeira citada, acompanhada do coro forte do público, e uma sonoridade mais Folk na última, em meio à voz “radializada” de Page, em seu microfone auxiliar específico para momentos como este. Assim, Betty foi entregue com maestria, entregando a sonoridade e energia que remeteram ao Metal Alternativo dos anos 1990 e imergindo o público a mais uma volta àquela década.
Page Hamilton usou do final do ato para agradecer ao público presente e perguntar como foi a apresentação íntegra do álbum, recebendo ovações, aplausos e respostas positivas ao total. O momento também foi usado para apresentar os membros que, mesmo entrando para a banda ao longo dos anos 2000, representaram a sonoridade de “Betty” da melhor forma possível.
O show não parou por ali, claro. Os membros do Helmet prosseguiram com diversas faixas de sucesso dentro do repertório da banda, com predomínio de faixas de álbuns lançados nos anos 90 e 2000 e, também, uma faixa do mais recente LP do grupo, “Left” (2023).
“Swallowing Everything” abriu o segundo ato do show, gerando a volta enérgica do bate-cabeça já durante o riff marcante, do coro coletivo e ainda criando momentos em que boa parte do público da pista e do mezanino balançou a cabeça no ritmo da faixa. Já em “Blacktop”, a roda conseguiu se converter a um circle pit momentâneo.
Um dos pontos mais incríveis da noite foi em “Driving Nowhere”, um dos grandes sucessos do álbum “Aftertaste” (1997) que não só foi marcado por isso e pela sonoridade impecável, como também pela primeira intervenção dos seguranças, ao tirar alguns dos fãs que repetiam tentativas de dive stage, e um inusitado Wall of Death (ou “Circle of Death”, devido a formação em círculo para esse momento) montado antes da reta final da faixa e durante um momento mais “parado” dela. Esta foi outra elevação da energia de parte do público para aquela noite.
“Bad Mood” e “Dislocated” deram sequência ao show. O início da segunda faixa, a única do disco mais recente da banda, demorou mais, devido a um entrave que Page Hamilton e Kyle Stevenson teve com a equipe de som, devido aos volumes no ponto eletrônico que precisaram ser corrigidos. No entanto, isso não prejudicou a performance tanto destas faixas, quanto do que viria na sequência.
“Unsung”, um dos maiores sucessos do Helmet e single máximo de “Meantime” (1992), foi tocado para o delírio coletivo dos fãs. O bate-cabeça se intensificou e aumentou, indo de parte da frente até o meio da pista. Curiosamente, esta música compõe a tracklist da Radio X do jogo “GTA San Andreas”, o que provavelmente foi um ponto nostálgico a mais para quem conheceu a banda por este motivo. Antes do encore, o Helmet ainda tocou “Turned Out”, que manteve o ambiente intenso do público que foi bem finalizada com distorções feitas por Page Hamilton até deixar sua guitarra no chão e acompanhar os demais integrantes rumo ao backstage, depois de eles jogarem palhetas e baquetas ao público.
Na volta da banda ao palco, sob os potentes coros de “olê, olê, Helmet, Helmet” por parte dos fãs, Page e Dave saudaram o público ao levantar suas cervejas para o alto, assim como Kyle com seu copo e Dan Beeman com uma lata. O que se viu a partir dali foi uma quadra final de faixas muito famosas e poderosas do Helmet.
“Give It” abriu os caminhos do encerramento e, mesmo que não tivesse uma roda intensa como em outros momentos, a dispersão se converteu em fãs pulando durante o riff da faixa e cantando ao longo dela; assim como o retorno dos dive stages. O mesmo aconteceu em “Ironhead”, outra ótima representação da sonoridade quase única do Helmet.
Em “Just Another Victim”, o caos da roda foi retomado com maestria e novamente aumentado até a metade da pista, com um misto de pulos e bate-cabeça em meio ao ritmo da faixa. Mas é em “In the Meantime”, marcado pelo brinde de cervejas entre Page Hamilton e Dave Case, que o público mais presente nos bate-cabeças gastou as últimas energias da noite, em meio a um riff poderoso e ao que também foi a sequência de últimas baterias da performance da banda. Foi algo que beirava o inacreditável em alguns momentos da faixa, tanto pela presença e entrega do Helmet, quanto pela energia que beirava o incansável por parte do público.
Ao fim total e ao fechar das cortinas, o instrumental de Jazz voltou às caixas de som. Muitos ficaram por mais tempo, ainda em clima de êxtase pelo que foi visto, enquanto outros correram para as estações próximas. O importante foi que, por pouco mais de uma hora e meia, o Carioca Club, liderado pelo Helmet, pôde presenciar mais uma demonstração do quão histórica e importante a banda é e o quão impactantes os sons dos anos 90 e 2000 ainda são para quem viveu tais décadas.
Confira os setlists abaixo:
Treva:
Intro: Meu Sofrer (Noel Rosa)
- Novo Amanhã
- Onde Morre o Sol
- Memórias e Reclusão
- Por Chance, Por Sangue
- Recomeço (estreia ao vivo)
- Renasce em Dor (dedicada ao público e a Rafael, amigo dos integrantes)
- O Passado Que Se Tem
Outro: Get Up and Drive Your Soul (James Brown)
Debrix:
- Stray
- Push It!
- Brisa de Espelho
- Picture Rose
- Thunderstorm
- Turn the Page
- Born Beast
- Perigo!
- Nada Pra Falar
- Bullseye
Helmet
Betty:
- Wilma’s Rainbow
- I Know
- Biscuits for Smut
- Milquetoast
- Tic
- Rollo
- Street Cab
- Clean
- Vaccination
- Beautiful Love
- Speechless
- The Silver Hawaiian
- Overrated
- Sam Hell
Demais faixas
- Swallowing Everything
- Blacktop
- Driving Nowhere
- Bad Mood
- Dislocated (iniciada após problemas técnicos)
- Unsung
- Turned Out
Encore:
- Give It
- Ironhead
- Just Another Victim
- In the Meantime