Incubus imerge São Paulo em nostalgia com íntegra de “Morning View”, bônus de sucessos dos primeiros álbuns e covers precisos

Texto por Tiago Pereira

Por pelo menos uma hora, os fãs de Incubus viveram no último dia 10, em São Paulo, um misto de sensações que poderiam vir da mais pura nostalgia em voltar a no máximo duas décadas atrás, ou de, dentro do Espaço Unimed, se sentir como se todos estivessem na Morning View Drive, em Malibu, Califórnia, na época em que a banda, com a segunda formação, produziu “Morning View”, quarto disco de estúdio da banda, de 2002. Este, que chegou a 23 anos completos em 2024, foi celebrado na capital Paulista, na Zona Oeste, com o acréscimo de mais seis hits de carreira fora do LP em questão, na turnê “Performing Morning View in Its Entirety + the Hits”, apresentada para um Espaço Unimed praticamente cheia e predominada por um público variavelmente jovem. A produção da apresentação, sem aberturas, foi da T4F.

A turnê em questão passou por grande parte da América Latina, a partir do dia 15 de março, antes de chegar a São Paulo, incluindo países como a República Dominicana, Porto Rico, México, Costa Rica, Argentina, Chile, o próprio Brasil (Curitiba e São Paulo) e, posteriormente, encerrada no Peru, no último dia 12 de abril, totalizando 12 datas.

No palco, os membros do Incubus fizeram uma apresentação impecável nas duas partes, reproduzindo “Morning View” quase que perfeitamente, apesar de pequenas modificações como a citação à capital paulista no último verso de “Mexico”, a execução acústica para “Blood in the Ground” e a inclusão de dois covers impactantes, que foram os de “In the Air Tonight”, de Phil Collins, ao final de “Are You In?”; e a inicialização de “Under My Umbrella” com o refrão de “Umbrella”, da cantora Rihanna; e usando da segunda parte do show para hits que envolveram os primeiros 15 anos de banda, com os singles “Pardon Me”, “Drive” (que encerrou o show), “Dig”,Anna Molly”, “The Warmth”, a primeira metade de “Vitamin” e um cover de “Glory Box”, da banda Portishead.

E todos esses elementos incrementados, somados a um show de imagens do telão e lasers em direção ao teto do Espaço Unimed e, claro, à performance da banda do começo ao fim, levaram o jovem público das pistas e mezanino aos mistos de catarse, nostalgia, alegria e até aos momentos mais apaixonantes – com a evidência em “Echo”. Momentos de pulo eram destacados, porém não mais que o pertinente coro nas principais faixas e até mesmo em outros não-singles ao longo de todo o repertório.

Da abertura ao início do show

Apesar de ter chegado por um certo tempo após a abertura dos portões, era possível observar e entender a quantidade de pessoas já do lado de fora, com muitas pessoas nos arredores do Espaço Unimed. Muitas delas bebiam ou comiam algo nas barracas localizadas nas calçadas da Praça Dr. Osmar de Oliveira e da Uninove da Barra Funda; já outras aceleravam o passo para entrar no local.

E, ainda assim, dentro do Espaço Unimed, já havia uma movimentação grande em todos os setores da casa de eventos: mezaninos prestes a lotar, pista premium pela metade há uma hora do horário previsto e pista comum bem ocupada, por todo o local, mas com espaços consideráveis, no mesmo período. Por todo o canto se via jovens das mais diversas idades. Chuto que tinham entre 20 e 45 anos, em rodas de amigos, casais e até pais e filhos.

O palco, escuro, deu o tom de expectativa nesse tempo de espera, apesar de tudo estar praticamente pronto. Já a playlist prévia continha diversos sucessos do Rock Alternativo – no entanto, a única música que puxou um coro significativo do público foi “Song 2”, do Blur, já dentro dos 17 minutos de atraso, e “Got the Time”, de Joe Jackson (não, ela não é originalmente do Anthrax!).

Após o atraso, às 21h17, as luzes do Espaço Unimed se apagaram e o palco se imergiu em luzes azuis, como as dos mares californianos de Malibu, para o início e primeiro ato do show.

Incubus e a íntegra de “Morning View”

Chris Kilmore (Turntables, Theremin e teclados), José Pasillas (bateria), Nicole Row (baixo e backing vocal), Mike Einziger (guitarra e backing vocal) e Brandon Boyd (vocal e percussão) entraram no palco em meio ao começo de “Nice to Know You” e com as luzes voltadas ao DJ do Incubus. Dos integrantes em questão, apenas Nicole não esteve na formação que compôs o álbum, já que entrou na banda em 2023 e fora efetivada no ano passado. Porém, foi imprescindível e executou perfeitamente as linhas originalmente de Alex Katunich, o “Dirk Lance”, que saiu da banda em 2003. O exemplo inicial foi justamente o riff de “Nice to Know You” que, junto aos scratches de Chris e o beatbox de Brandon, criou o clima perfeito para o “boom” de gritos de hey e pulos dos fãs, numa demonstração precisa da catarse geral, quando a parte inicial mais agitada entrou em cena junto à arte quase psicodélica do telão central. Clima perfeito para entrar no clima de “Morning View”.

Tal clima foi igual em “Circles”, segunda faixa do álbum que foi encabeçado pelo ótimo riff de Eiziger e pela continuidade da voz afiada de Brandon que, assim como na primeira faixa, muito se assemelhou a como estava na versão de estúdio da faixa. Para esta faixa, houve uma finalização mais lenta que o comum, porém com “porradas” de Pasillas na bateria, junto das mesmas linhas iniciais da guitarra.

É possível definir “Wish You Were Here”, nas circunstâncias desta apresentação, como “a música mais esperada mesmo que se soubesse quando ela viria”. Todo o clima enérgico se converteu ao “momento emocional” do público, com um misto de sensações que variaram entre uma nostalgia maior ao início dos anos 2000 e seu decorrer, com um possível sentimento de saudade seja da época, seja de alguma pessoa querida ou amada. Com certeza, boa parte do público se lembrou de alguém na qual gostaria que estivesse ali, naquele instante musical. Curiosamente, segundo usuários do site setlist.fm, esta foi a milésima vez que o Incubus tocou esta música ao vivo, o que trouxe ainda mais ênfase à importância desta faixa.

Logo em seguida, os “chiados” de “Just a Phase”, feitos pelo DJ Chris Kilmore, seguidos dos primeiros movimentos dos lasers em direção ao teto do Espaço Unimed com os acordes de Einziger, iniciaram o momento pacífico para a primeira parte da música, já dentro de um tema que envolve as perturbações e momentos ruins do cotidiano, somados com a evidência de que tudo é passageiro, inclusive as fases ruins. O coro do público, claro, veio nos refrões e se atenuaram com a parte mais agitada da faixa, onde Brandon brilha com gritos liricamente pontuais e que mostraram a longevidade de seu vocal.

Apesar de “11am” ser uma música de Morning View, as artes do telão central trouxeram, mesmo que sem a intenção, total alusão ao álbum anterior do Incubus, “Make Yourself” (1999), devido aos feixes de luz com cores semelhantes ao da capa deste mencionado, num fundo preto. De todo modo, o teor novamente calmo mostrou mais da sintonia da banda por um todo, em meio a uma letra de tema reflexivo em prol das decisões. Já “Blood on the Ground” foi reproduzida numa versão acústica, tendo apenas Mike Eizinger no violão, Nicole Row no baixo e Brandon Boyd nos vocais, com o tom de sua voz em “senóide” nos refrões – em todas as vezes foi baixo primeiro verso dessa parte, em contraste com o coro enfático do público, e mais alto no segundo, repetindo o ciclo no terceiro e quarto.

“Mexico” foi outra faixa que, por si, teria que ser tocada de forma acústica. A dupla Brandon e Einziger ficou sozinha no palco para esta faixa, mostrando a sinergia dos 34 anos de banda em uma linda faixa, sonoramente falando – já que a letra envolve frustrações amorosas. O “toque final” da sétima faixa aconteceu no final, quando o vocalista do Incubus troca “Mexico” por “São Paulo”, para delírio dos fãs.

O ritmo mais agitado e o aumento do volume do coro do público vieram com “Warning”, oitava música do disco de 2001. Os lasers voltaram a ser parte do show, com a formação de anéis no teto do local do evento, assim como diversas “bolas luminescentes” fizeram o efeito psicodélico no telão. Ainda sobrou tempo para o público, a pedido dos membros da banda, realizar a dinâmica das palmas ritmadas. 

Depois, na também comemorada e apaixonante “Echo”, as imagens de um final de tarde (ou um amanhecer) no telão ajudaram a criar um clima que, ao menos entre os casais próximos de onde eu estava – sim, isso já virou comum em todo tipo de show, como um imã -, foi perfeito para declarações ou beijos. Curiosamente, foi a melhor ação de backing vocal de Nicole até aquele momento do show, além de trazer de volta o alto volume do groove de seu baixo; assim como foi o momento propício para um solo de guitarra, com muito feeling e notas agudas, de Mike Einziger; Brandon, curiosamente, já estava sem seu jaleco jeans, mantendo a camisa regata momentaneamente. 

Chegou o momento de “Haver You Ever”, que retomou o clima agitado do show. Ela teve que ser reiniciada após o que pareceu uma interrupção proposital de Brandon pedindo que as câmeras focassem em José Pasillas. O baterista, inclusive, voltou a dar um show de ritmos nessa música, do mesmo jeitinho que na versão de estúdio. No telão, imagens da banda em diversas tonalidades que envolveram rosa, lilás, vermelho e o preto e branco.

“Are You In”, décima primeira música de “Morning View”, é outra das principais músicas do disco e, no show, foi outra entre as comemoradas, apesar de um começo estranho por parte do baterista do Incubus, que demora para entrar no ritmo da faixa após uma sequência de linhas com os pratos superiores de seu kit. De todo modo, o coro do público, dentro da música em questão e junto com o ritmo envolvente guiado por José e Nicole, novamente impressionou e com certeza incentivou Brandon a ser mais dançante no palco. Até mesmo os scratches de Chris foram ecoados ao chegar na palavra “celebrate”. E não obstante de todo o clima positivo no Espaço Unimed, houve a incrementação de mais 90 segundos de “In the Air Tonight”, cover de Phil Collins, num verdadeiro compacto que conseguiu abordar a letra da primeira parte da música, o solo de guitarra e, claro, a icônica virada de bateria.

A criatividade da banda seguiu em “Under My Umbrella”, com um início pautado no refrão de “Umbrella”, de Rihanna, muito bem cantado por um público jovem que também abraçou o Pop da segunda metade dos anos 2000. Após o “snippet”, as linhas poderosas de Pasillas e o riff bem encabeçado de Einziger e Nicole deram início à faixa de fato, que alternam entre a calmaria dos refrões de base, e o agito rítmico de um refrão que novamente colocou à prova o nível de entonação de Brandon – perfeito, novamente. Faixa incrível do começo ao fim.

Para finalizar a tracklist de “Morning View”, chegou o momento de “Aqueous Transmission”, emblemática não só pelo ritmo calmo em toda a faixa, como principalmente pelas linhas pertinentes de sua pipa (ou pipá, na pronúncia correta), instrumento chinês usado exclusivamente para esta música. Os lasers foram acionados em uma angulação que permitiu a interação com um pouco da fumaça presente no Espaço Unimed e com animações complementares de um projetor, que fizeram a representação perfeita das nuvens, em meio a um “mar azul” da iluminação e as imagens de florestas no telão, misturadas com as imagens dos músicos no palco. Uma representação perfeita para a tranquilidade que encerrou um show tranquilamente positivo da banda até ali. 

A pausa dos músicos veio com agradecimentos ao público, somados com a aparição da capa do álbum de 2001 no telão, em uma versão pequena – o que provavelmente afetou sua qualidade -, porém necessária para a estrutura visual do telão central. De todo modo, uma celebração incrível a um álbum tão importante para o Incubus e seus fãs. Mas o show por um todo não acabou ali e, principalmente, os integrantes não saíram para um “encore”, e sim prosseguiram para o segundo ato.

Seis hits, um cover e a extensão do repertírio da noite

O subtítulo indicou exatamente a continuidade do show do Incubus em São Paulo. Das sete faixas seguintes, uma foi um cover, enquanto as demais seis focaram em outros álbuns importantes da banda de seus primeiros 15 anos: três de “Make Yourself” (1999), duas de “Light Grenades” (2006) e, surpreendentemente – ao menos para os fãs da fase Nu Metal e Funk Metal do Incubus -, uma do “S.C.I.E.N.C.E” (1997).

E o ato de hits do Incubus começou com “Anna Molly”, para delírio do público que, de forma enfática, voltou a criar um coro absurdo ao longo da faixa – principalmente nos refrões -. Grande parte fez questão de pular na parte mais agitada da música em questão, já da metade para o final dela. Logo em seguida, foi tocada a “misteriosa” música “The Warmth”, encabeçada pela sonoridade de Chris Kilmore e pelo baixo de Nicole. Ela, inclusive, se destacou também pela segunda parte da música, onde o volume e o groove aumentaram em meio ao solo de Mike Einziger e, assim, trouxe um clima diferenciado para a faixa em questão.

“Vitamin” foi um momento catártico para os fãs old school do Incubus, ou especificamente da sonoridade do disco “S.C.I.E.N.C.E.”. Tal evidência e a identificação desses admiradores veio logo nas primeiras linhas de guitarra de Mike e seguiu ao longo do agito da faixa com os pulos e cantos ao refrão. Porém, a frase “tudo que é bom dura pouco” encaixou perfeitamente nessa parte, já que apenas a primeira metade da música  – até o solo de percussão combinado de Brandon Boyd, com o suporte de Pasillas na bateria – foi tocada, deixando de lado, por exemplo, um possível solo de Chris Kilmore ou uma continuidade até o último refrão.

Houve espaço para mais um cover. A escolha foi “Glory Box”, da banda Portishead, no que pode ser interpretado como uma homenagem ao grupo que tanto influenciou o Incubus no início. A faixa em questão trouxe um ritmo mais lento ao show e batidas fora de ritmo. Além disso, ao final da música, Mike Einziger tirou sarro de Brandon Boyd, ao imitar os gritos e as juras de amor das fãs ao vocalista e ecoando, em voz fina e em meio a risos, frases como “Oh, Brandon, you’re so sexy”. Um momento descontraído antes de outro sucesso.

E o hit seguinte foi “Dig”, um ode à fortificação das amizades. O coro do público voltou com tudo nos refrões, da mesma forma que Mike voltou a tocar o público com outro ótimo solo que, esteticamente, foi acompanhado com lasers azuis para o alto.

A reta final do show chegou com dois hits do “Make Yourself”. O primeiro foi “Pardon Me”, em meio a uma introdução mais longa e com forte impacto da voz dos fãs presentes no Espaço Unimed, que até mesmo “maquiaram” as pequenas nuances do cansaço vocal de Brandon, já nesse momento do show – nada que impactasse profundamente na execução da letra e dos tons, mas que já dava evidências do tempo de uso. Em seguida, “Drive” manteve a voz do público no alto e encerrou o show novamente na organização do trio frontal, em destaque: Nicole, Mike e Brandon, juntos (só no começo da faixa) e num quase-acústico, já que Pasillas tocava levemente a bateria ao fundo e Chris ainda soltava seus scratches nos momentos certos. 

A baixista e o guitarrista, inclusive, circularam pelo palco a partir de certo momento da última faixa, em semblante de felicidade e em mais um show cumprido. Ou uma missão cumprida, pensando que o Incubus, com essa última passagem, conseguiu beirar a perfeição, sem as interferências que, de algum modo, prejudicaram o show que o grupo fez no Rock in Rio de 2024, como o corte do setlist para evitar o estourar do tempo e os problemas técnicos da guitarra. Desta vez, no Espaço Unimed, em um show solo e com toda a carga nostálgica e de celebração de “Morning View”, banda e produção puderam mostrar o seu melhor e deixar os fãs agraciados com tudo o que foi apresentado.

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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