Jethro Tull – para o bem do espetáculo, desliguem seus smartphones

Texto por: Metalphycisist

De volta ao Brasil, acompanhado por sua banda de apoio, sob a marca Jethro Tull, Ian Anderson se apresentou em São Paulo, no último sábado, após o cancelamento da tour que fora marcada para passar por aqui em 2020, mas teve de ser adiada, em virtude da pandemia de COVID-19.

A espera valeu a pena. O Jethro Tull trouxe ao Brasil um espetáculo que cobriu boa parte das 7 décadas da longa carreira desta banda que é, na minha opinião, uma das maiores Instituições do Folk/Progressive Rock de todos os tempos.

O Jethro Tull nunca foi uma banda escorada em grandes hits ao longo de sua trajetória, inclusive, entendo que “Aqualung” não é propriamente um hit, na acepção própria do termo (música feita pra alegrar a audiência das rádios). Mas, de todo modo, foi graças a “Aqualung” e “Tom Sawyer(Rush) tocarem nas rádios aqui do Brasil nos anos 80, que eu tive meu primeiro contato com o Rock Progressivo.

O Vibra São Paulo, casa de espetáculos escolhida para receber um dos shows da perna brasileira da  tour “The Seven Decades” em território paulistano, não poderia ter sido melhor. Nesta noite especial, em tom de opera-rock, todos assistem ao show sentados, como um concerto desta magnitude deve ser apreciado, aliado ao bom conselho do velho mago da flauta transversal para que os smartphones fossem desligados, a fim de não vulgarizarem o espetáculo que a banda entregaria nesta noite. Quem entendeu o recado, talvez repense a sua relação com shows/smartphones/e mergulhar de fato na experiência de estar presente num momento único, impossível de ser reprisado em toscas gravações de câmeras de celulares.

Ian Anderson, que conta com 77 anos, arrastou para o Vibra São Paulo um público também ‘na melhor idade’, me fazendo sentir um garoto, no alto dos meus 48 anos no Planeta Terra. Se não lotou a casa, certamente contou com uma audiência qualificada, que soube assistir a um show com classe, limitando-se a aplaudir as músicas em seus intervalos – sem o costumeiro excesso de gritos histéricos e a ovação do nome da banda, em tom fundamentalista, próprio em shows de Heavy Metal – ao que Ian Anderson sempre saúda a plateia de volta com um inglês bem britânico: Thank You, indeed.

Logo no início do show, ao som de “My Sunday Feeling”, chama a atenção o ‘stage set’ da apresentação – com a distribuição dos músicos em forma circular, trazendo a bateria de Scott Hammond para dentro do show, de frente ao arsenal de teclados e órgãos de John O’Hara, abraçando os demais integrantes da banda – David Goodier no baixo, e Jack Clark nas guitarras – em perfeita harmonia com a proposta de trazer toda a banda para a frente do palco.

Ian Anderson, nesta noite, performa mais como um Story Teller do que um cantor. Até mesmo porque um front man da envergadura de Ian não precisa provar nada a ninguém – afinal de contas, qual outro músico de Rock canta enquanto toca uma flauta transversal de forma transgressiva que lhe é peculiar (com o perdão do trocadilho)?

Vale recordar que o Jethro Tull é cria da geração flower power, atrelado às revoluções de maio de 68, em luta pela paz no mundo. Daí o tom intimista e hippie que se faz sentir na ambiência das músicas muito bem escolhidas para a celebração da longa jornada de Ian Anderson em cima dos palcos de todo o mundo.

Outro fato que chama a atenção é que Ian não quer ser o protagonista do show, elaborando uma bela cenografia no led de fundo de palco, que interage diretamente com o público e faz muitos de nós mergulharem em algumas das diversas flores em forma de cabala, numa vibe Timothy Leary – principalmente na primeira parte do show, entre belíssimas canções como “Weathercock”,Wolf Unchained” e o belo encerramento do primeiro ato do espetáculo, com nada menos do que um ‘cover’ de “Bourrée in E minor”, na qual brilha a inspiração do baixista David Goodier ao executar, acompanhado da afiada banda nesta noite, a clássica canção de Johann Sebastian Bach. Bravo!

Após um intervalo de cerca de 15 minutos, para que o público possa se refrescar com mais uma copada de cerveja e adquirir merch da banda, a banda retorna ao palco, o qual, cada vez mais vai ganhando contornos cinza e monocromáticos, que encontram seu ápice em “Dark Ages” – na qual as telas mostram a insólita cena dos B-52 jogando em cima de Hiroshima e Nagazaki as bombas atômicas, criando, agora, um cogumelo de fogo que contrasta paradoxalmente às explosões de cores e ambiência bucólica da primeira parte do set.

Com o show caminhando para seu final, para a alegria de alguns afoitos fãs, executa “Aqyaduddley”, agora aloprando total com sua técnica suja de soprar sua flauta, entre grunhidos e afinação pitoresca que só Ian Anderson consegue entregar. Flauta transversal tem uma pá de músico que toca, mas jamais como Ian Anderson.

“Aqualung”, longe de ser o ápice do show, soa como um chamado para o fim da trip, que se encerra de maneira impecável com a locomotiva andando forte nos trilhos do telão, entre pastos e campos de trigo, até encerrarem, no último acorde de “Locomotive Breath” rementendo às cores da natureza, por onde se esconde o elemental das florestas da Inglaterra, o duende –  tal como estampado na capa de seu álbum de maior sucesso, lançado em 1971.

Para quem conseguiu embarcar na proposta deste show único do Jethro Tull diante da audiência desta noite no Vibra São Paulo, provavelmente se deu conta de que um grande show de Rock não precisa necessariamente contar com hits chiclete para conduzir os fãs, nem fogos de artifício para celebrar seu encerramento – pelo contrário, ao final do espetáculo a banda vem à frente do palco para agradecer, em forma de fim de peça de teatro, a atenção de seu público.

Sim, em “Locomotive Breath” o mago Ian Anderson liberou a galera para posarem para ‘selfies’ e gravarem vídeos, os quais tantos ainda desejavam. O recado foi dado: ou você assiste ao show e o deixa registrado em sua retina, ou o assiste através das câmeras de seus smartphones.

É uma questão de puro bom gosto e elegância. De fato.

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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