Kiko Loureiro, Marty Friedman e Andy Addams: muita música instrumental, improvisos e nostalgia em SP

Texto: Daniela Reigas
Fotos: André Tedim 


O bom filho à casa torna: nosso Tesouro nacional, o guitarrista Kiko Loureiro, retorna ao país de origem pouco mais de um semestre desde sua última apresentação, e traz com ele um convidado muito especial que veio de longe: Marty Friedman, guitarrista americano que atualmente reside no Japão e também integrou a banda Megadeth, onde eternizou solos icônicos entre os amantes do thrash metal. Tal anúncio chegou a gerar comentários como “turnê dos EX-Mustaine” entre os fãs (ou haters?) mais engraçadinhos na internet, mas claro que ambos músicos possuem uma extensa carreira solo, e a turnê é justamente pautada no lançamento mais recente de Kiko, Theory of Mind (2024). Passando por diversas cidades brasileiras, a capital paulista os recebeu no último sábado (7), novamente no Tokio Marine Hall.

 

A abertura do evento, às 20:40h, ficou por conta do colombiano-americano Andy Addams (Sigma Eleven), cujo álbum solo The Eyes Of The Moon (2020) contou com a participação do próprio Kiko e também de Rafael Bittencourt. Acompanham o guitarrista o jovem Luigi Paraventi na bateria (que tocou no show anterior de Kiko) e o colombiano David Sánchez no baixo. Trajando uma camisa com luzes coloridas de led ao estilo “Tron”, o simpático e sorridente Andy encontra um público ainda tímido, mas isso não o impede de ‘chegar chegando’, esmerilhando a guitarra sem dó, mas com muita precisão. David não fica atrás e também demonstra domínio total de seu instrumento – detalhe, canhoto, e também com luzes de led nas marcações das casas – , fazendo duetos de tappings com Andy e um solo recheado de slaps. A equalização do som, no entanto, deixa tudo um tanto quanto “embolado”, e até mesmo o microfone posicionado para que o músico se comunique com a plateia emite um pouco de eco. Falando ‘portunhol’ fluente, Andy cumprimenta os paulistanos e diz que está muito feliz de estar aqui. O trio executou uma canção intitulada “Warrior”, que segundo Andy, estará em seu próximo álbum e não parece ter sido publicada ainda. Luigi também tem seu momento de holofotes, no qual demonstra toda sua energia e técnica. 

Chegando ao último bloco da apresentação – um medley de covers, trilhas de animes e jogos -, Andy deixa uma mensagem importante para o público: “É a realização de um sonho estar aqui hoje tocando com os dois melhores guitarristas do mundo no heavy metal. Então, se eu posso estar aqui, você também pode”. Vale lembrar que o músico passou por um momento muito difícil na carreira, tendo sofrido um golpe financeiro de um ex-parceiro de negócios, que o deixou afastado da cena musical por um bom tempo. E assim, com trechos de Journey, Van Halen, Dream Theater, Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, o músico conquista o público e se despede sob aplausos. 

Com a casa já bem cheia e após um pouco de atraso na montagem do palco, às 22:15h começam a tomar seus postos: Luiz Rodrigues (guitarra), Felipe Andreoli (baixo), Bruno Valverde (bateria) e o anfitrião Kiko Loureiro, ao centro, onde aguarda de costas para a plateia o sinal de Bruno para iniciarem os trabalhos com a paulada “Blindfolded”. Equilibrando sempre a técnica com o feeling, a mais calma “Reflective”, lá de 2012, vem na sequência, e Kiko passeia sorridente de um lado a outro do palco, fazendo caras e bocas e ‘puxando’ a galera entre um bend e outro. Continuando na mesma vibe vem “Overflow”, e ao término, enquanto o artista dá um pulo no backstage para arrumar algo na guitarra – possivelmente o strap lock, seus fãs sabem que ele tem seus motivos pra ficar ressabiado com a trava da correia – e pegar um microfone, os fãs clamam: “Tesouro! Tesouro!”. Finalmente saudando a plateia, ele diz que está muito feliz de estar de volta. Sem enrolação, já passa a vez para Bruno puxar “Killing Time”, a primeira do Megadeth a figurar no set da noite, com sua intro que lembra as rajadas de uma metralhadora. Aqui, vemos que o microfone de Kiko não é apenas para comunicação com os fãs, mas também para performance – o guitarrista assume o papel de um frontman completo. Ele parece se sentir mais confiante para cantar e tocar, mas ainda desliza na hora do refrão, esquecendo de aproximar a boca do microfone – o que é perfeitamente compreensível após tantos anos concentrado apenas na execução de um instrumento por vez. 

Revisitando os primórdios da carreira, Kiko traz “Pau de Arara” e “No Gravity”, do álbum de estréia, que está completando 20 anos, como relembra o artista. As duas faixas são cheias de brasilidade, e essa é a deixa perfeita para um dos momentos nostálgicos pelo qual todo mundo anseia quando se trata de Kiko Loureiro: vê-lo executar aqueles trechos mais marcantes da era de ouro do Angra. Assim sendo, segue-se um medley que começa com nada mais, nada menos que “Carry On”, e conta com riffs e solos de quase todos os álbuns dos quais Kiko fez parte, fazendo os fãs vibrarem e aplaudirem o ídolo. 

Os músicos se retiram brevemente para se recompor e um violão é montado num suporte; Kiko anuncia que é hora de mais um pouco de Megadeth, e assim ouvimos primeiramente “Conquer or Die!”, com sua bela passagem acústica, seguida do hit de sua era na banda, “Dystopia”. A banda inteira se diverte tocando essa faixa bastante groovada e o público canta junto o refrão. Ao final, Kiko aproveita a oportunidade para apresentar seus colegas, ainda que todos já sejam conhecidos do público. Voltando ao Theory of Mind, temos a faixa “Mind Rise”, para encerrar essa primeira metade do show.

Após uma breve pausa ao som dos corais de “Crossing” ao fundo, os músicos retornam e rompem o silêncio com a levada contagiante do “baião” de “Nothing to Say”. Kiko puxa o “Hey! Hey! Hey!” da plateia e então chega o primeiro convidado da noite: Alírio Netto (ex-SHAMAN, ex-AGE OF ARTEMIS, outras) presta sua homenagem ao eterno maestro André Matos e não decepciona nos agudos altíssimos. Luiz, Kiko e Felipe fazem até a ‘coreografia sincronizada’ de seus instrumentos e os fãs aplaudem em êxtase. “Dessa aí vocês lembravam, né?” comenta Kiko, sobre a única faixa do “Holy Land” a entrar para o setlist. Como já vinha fazendo desde sua última turnê, é chegada a hora de presentear uma pessoa habilidosa na guitarra com a oportunidade de fazer uma jam com a banda; dessa vez, são escolhidos dois jovens rapazes, cujos nomes não foram revelados, mas que honraram a proposta e foram aplaudidos pela plateia. “Viu, é fácil. É só pegar a guitarra e sair fazendo um monte de nota”, brinca o músico.

Sem mais delongas, pois ainda havia bastante coisa pela frente, Alírio retorna para a enérgica “Angels and Demons”. O volume da guitarra de Kiko volta um tanto quanto mais baixo após a jam – talvez algo intencional, pois nessa faixa é hora de Luiz ter seu destaque num dos solos. Dando continuidade e um pouco de descanso para Bruno, temos agora um duo acústico de Kiko & Alírio, que foi justamente seu professor de canto. “É um prazer estar de volta e tocar novamente ao lado dessa lenda”, diz o vocalista. Kiko começa a dedilhar descompromissadamente o violão, que segundo ele, tem som de cítara, e comenta que há muitas possibilidades do quê tocar; mas logo ouvimos certos acordes muito familiares: os de “Late Redemption”, na qual Kiko faz as partes de Milton Nascimento, em coro com a plateia. Em seguida, somos surpreendidos com uma versão voz & violão de “Heaven and Hell”, do Black Sabbath fase Dio – grande influência de Kiko -, que solta a voz sem medo, mesmo parecendo estar incomodado com seu retorno in-ear, o qual ajustou diversas vezes entre as músicas. Os músicos então se abraçam e se retiram brevemente, voltando apenas Bruno, Luiz e Felipe; enquanto eles ‘aquecem os motores’, Kiko comenta que essa é a melhor parte do show para ele e convoca ao palco o esperado convidado que trouxe especialmente para essa tour: Marty Friedman. 

O americano chega executando “Hyper Doom” com uma baita presença rock ‘n’ roll, com seus longos e volumosos cabelos cacheados, bota de salto plataforma, muitas caretas, chutes para o alto e gesticulação, e a banda já faz a passagem para que ele execute um de seus emblemáticos solos da era Megadeth: “Tornado of Souls”. Kiko fica na base e ambos se divertem muito, dando pulinhos e batendo cabeça juntos. “Muito obrigado… São Paulo é fod@!”, exclama o americano, em bom português. Ele segue agradecendo ao público e à banda, “que veio de longe para que esse show fosse possível: Kiko, da Finlândia; Bruno, de Los Angeles, eu, do Japão, e Felipe, de mais ou menos 6km daqui…” brinca o simpático guitarrista, que continua dizendo que está no país há pouco mais de uma semana, mas já se sente parte brasileiro; comenta ainda que gostaria muito de homenagear nossa música e nossa cultura, portanto, convida a quem souber a letra dessa canção, que cante o mais alto possível, para que até mesmo Tokyo possa ouvir. E assim, temos primeiramente uma versão de “Asa Branca” (Luiz Gonzaga) com direito a pedal duplo, e depois “Brasileirinho” (Waldir Azevedo), em um dueto frenético com Kiko, que termina com Marty até ofegante e arranca orgulhosos aplausos do companheiro de palco e da plateia. Em seguida, ambos os guitarristas exibem seus fraseados e particularidades num duelo de improvisos – Kiko usa até o Hino Nacional como inspiração em dado momento. O respeito e admiração mútua, assim como a plena satisfação do momento, são nítidos; mas Marty não poupa elogios ao colega: “um monstro. Fod@!”.

Contando sobre uma conversa que tiveram no backstage, Marty aponta que suas músicas também têm um quê de sonoridade brasileira, e que talvez ele mesmo tenha nascido aqui em vidas passadas. Para aliviar um pouco os músculos depois de tanto shredding, Marty traz sua emotiva e melancólica “Tearful Confession”, do álbum mais recente, “Drama” (2024), e Kiko fica na base. Mantendo o clima sereno e introspectivo, Kiko anuncia que a próxima canção foi uma escolha do próprio Marty e também quer ver todo mundo cantando; o violão é trazido novamente e então os fãs são contemplados com uma versão de “Rebirth” com Marty improvisando sobre a melodia principal enquanto Kiko faz o dedilhado inconfundível. Logo mais chega Alírio para reger a plateia e abrilhantar a performance, cantando lindamente esse hino do metal nacional. Marty também fica encarregado do solo, e frita tanto que chega a descartar a palheta desgastada antes mesmo do término da canção. 

Todos os músicos se reúnem à frente do palco, agradecem, jogam palhetas/baquetas e se retiram; o público, no entanto, segue chamando pelo “Tesouro”, pois sabem que ainda não acabou. E assim o chamado é atendido, encerrando em definitivo o espetáculo com “Enfermo”, diferentemente do que vinham fazendo até então, que era fechar com “Stormbringer” (Deep Purple), cantada por Kiko. Agora sim, dever cumprido e todos liberados para voltar pra casa levando as boas memórias da noite fantástica.

Quem estava na pista VIP teve a chance de esbarrar com Rafael Bittencourt, que marcou presença prestigiando os amigos; em contrapartida, um drone que sobrevoava o local a poucos centímetros das cabeças dos espectadores e um bastão extensor de câmera que ficava o tempo inteiro passando de um lado para o outro na área do “pit” atrapalharam um pouco a experiência. Não foi mencionado se os aparatos estavam fazendo captação para lançamento de algum material audiovisual da banda. 

Setlist:

Blindfolded

Reflective

Overflow

Killing Time (Megadeth)

Pau-de-Arara

No Gravity

Medley Angra: Carry On / Spread Your Fire / Nova Era / Morning Star / Evil Warning / Speed

Conquer or Die! (Megadeth)

Dystopia (Megadeth)

Mind Rise

Nothing to Say (Angra) (c/ Alirio Netto)

Angels and Demons (Angra) (c/ Alirio Netto)

Acústico Kiko & Alírio: Late Redemption (Angra) / Heaven and Hell (Black Sabbath)

Hyper Doom (Marty Friedman)

Tornado of Souls (Megadeth) (c/ Marty Friedman)

Asa branca / Brasileirinho (c/ Marty Friedman)

Tearful Confession(Marty Friedman)

Rebirth (Angra) (c/ Marty Friedman e Alirio Netto)

Enfermo

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

2 thoughts on “Kiko Loureiro, Marty Friedman e Andy Addams: muita música instrumental, improvisos e nostalgia em SP

  • junho 12, 2025 em 11:35 pm
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    Kiko está parecendo com o Edu Falaschi quando saiu do Angra, se adaptando como pode sob sua carreria solo. Show com amigos e tocando músicas em termos de energia, abraços.

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