Manowar faz show nos conformes e com extravagâncias em noite de heavy metal
Tem que ser guerreiro mesmo para encarar camiseta preta, calça de couro e coturno no calor de mais de 30°C que fazia em São Paulo no último sábado, 24/09; mas assim é o exército de fãs do Manowar – “not afraid to die” (sem medo de morrer) e disposto a qualquer coisa para defender seus ideais. Aos haters, que desde 1982 tiram sarro do grupo formado por 4 caras (que em seu auge, exibiam corpos malhados em trajes diminutos) e gostam de contar histórias sobre épicas batalhas medievais de espada e entoar louvores a deuses nórdicos, o recado é claro: vão se f*der!, pois a banda vem excursionando com sua turnê comemorativa de 40 anos e continua enchendo casas como o Espaço Unimed, palco que recebeu os guerreiros. Nessa passagem pela América Latina, além da única apresentação em São Paulo, estão conquistando também terras nunca antes desbravadas, onde muitos Manowarriors aguardavam ansiosamente a chegada dos cavaleiros há décadas, como Equador, Colômbia, Peru e Bolívia.
Pontualmente às 21:30h as luzes se apagam, deixando a casa bem escura por alguns minutos – já que a banda proibiu o uso dos telões da casa, para que o público possa apreciar melhor a estrutura do palco e curtir a vibe – e a intro “March of the Heroes Into Valhalla” começa a rolar em background. Nesse momento os fãs já clamam pela banda e até mesmo puxam um coro de “Ei, Regis, vai tomar no c*!“, em referência ao famoso vídeo do jornalista que criticou o grupo em sua passagem pelo país em 2010. Abrindo o espetáculo com a faixa homônima do primeiro álbum, sobem ao palco os membros fundadores do Manowar – Joey DeMaio (baixo) e Eric Adams (vocal) e seus recentes companheiros de turnê, o virtuoso Michael Angelo Batio (guitarra) e Dave Chedrick (bateria).
O volume do microfone estando abaixo do esperado fez as vozes da plateia quase encobrirem a de Eric no refrão, mas pelo menos essa energia chamou a atenção de Joey, que, antes de emendar com “Kings of Metal“, contemplou o exército à sua frente e os saudou com o “sign of the hammer“, o gesto simbólico dos punhos cerrados representando união. A produção do evento apostou em grandes canhões de fumaça para substituir a pirotecnia, proibida em locais fechados, e assim, um estouro encerra a canção que diz que as outras bandas tocam, mas o Manowar é matador. Na sequência entra “Fighting the World“, tríade essa que engajou bastante o público, levando os músicos a aplaudirem a interação. Do mesmo álbum, de 1987, executaram ainda “Holy War“, para então dar um salto para o trabalho mais recente da carreira – “Immortal”, do EP “The Revenge Of Odysseus“, lançado no ano passado – a resposta do público foi um tanto quanto morna, provavelmente por ser uma faixa mais nova. O “descanso”, de certa forma, foi até providencial para o hino que viria na sequência – “Call to Arms“, o chamado para o armamento e prontidão para a batalha, cantado a plenos pulmões pelo pelotão.
Os holofotes então se viram para Eric Adams, para destacar sua performance na belíssima “Heart of Steel“. O cantor septuagenário ainda domina com maestria a afinação e técnica vocal, embora adequando o tom a uma altura mais confortável, que em nada diminui a emoção que é expressada. Após ser ovacionado, Eric diz que é muito bom estar de volta a São Paulo após tanto tempo (desde 2015, quando fizeram parte do Monsters of Rock), em suas palavras, uma cidade muito bonita que ele ama e pela qual passou a véspera passeando. Limpando a garganta com uma cusparada e brincando que não via a hora de tomar uma cerveja gelada, faz a plateia interagir repetindo – ou tentando – suas vocalizações, desde sons agudos e rasgados até um impressionante grave operístico, que não é novidade para quem conhece sua versão de “Nessum Dorma“. Então chega a aguardada hora dos Manowarriors flamularem as bandeiras de seus países de origem ao som de “Warriors of the World United“, e nada mais justo do que chamar ao palco os músicos brasileiros Marcus Castellani e Evandro Martel, que assumiram, respectivamente, bateria e guitarra em turnês passadas, e o cantor “Cleber Krichinak”, parceiro de muitos anos de estrada com a Kings of Steel, uma banda tributo ao Manowar. A canção se encerrou com uma inusitada chuva de papel picado dourado.
Na sequência, é o momento do guitarrista Michael Angelo Batio mostrar a quê veio, e brilhar junto a DeMaio num solo melódico com nuances de Hendrix, que vem sido executado ao longo da turnê e nomeado “Winds of Aeolus” segundo os fãs mais fervorosos. No entanto, problemas técnicos no som do baixo fazem com que os músicos optem por interromper abruptamente a performance e recomeçar, para que ‘o público que gastou seu suado dinheiro possa aproveitar a experiência completa’ – se desculpa Eric Adams, enquanto os ajustes são feitos.
Passado o momento de apreciação da virtuosidade, vem uma nova sequência matadora, com “Hail and Kill“, “Dawn of Battle” e “King of Kings“, que contou com um solo estendido e praticamente já emendou com “The Power” e “Fight until we Die“.
Joey então vem à frente conversar com a plateia, diga-se de passagem, em um português muito bem falado, com direito a expressões locais: ele compartilha com os fãs que no dia anterior, a banda estava “chapando o coco” enquanto relembravam toda sua trajetória e histórias do Brasil. Um “brother of Metal” é enaltecido e convidado ao palco para um brinde em comemoração ao seu aniversário: Manuel Arruda, ou Manwell, o manager da banda, ‘responsável por estarem aí até hoje’, diz Joey. É sempre muito bacana ver esse reconhecimento público a quem atua nos bastidores, mas a homenagem não parou por aí, e então os Manowarriors foram surpreendidos com uma das coisas mais bizarras já vistas em um show de metal: a banda havia preparado um vídeo de quase 10 minutos de zueira contando a história de vida de Manuel sob uma perspectiva perturbadoramente cristã, incluindo fotos de acervo pessoal de sua infância e familiares junto a montagens toscas, que fizeram o público sentir vergonha alheia e compararem o evento a um show do Massacration, banda brasileira de paródia do gênero de metal épico. Não suficiente, ao retornar do camarim após o término do vídeo, Joey ainda fez o público cantar parabéns para Manuel, que a essa altura já desejava que Thor mandasse um raio cair na sua cabeça.
Bem, para compensar a todos pelo tempo perdido, o encerramento vem com a mais épica de todas as canções da banda, a que cunhou sua estética e atraiu a atenção de guerreiros ao redor do mundo todo, “Battle Hymn“, seguida da enérgica “Black Wind“, “Fire and Steel” e o já esperado ritual de DeMaio estourando as cordas do baixo como se disparasse tiros de canhão.
Sobe o playback de Army of the Dead e assim os guerreiros já sabem que é hora de se retirar, o que é um alívio dado o calor que tomava conta do local.
Longe de ser um show quebra-recorde como outros da banda, que já executou peripécias como o show com volume mais alto, o show mais longo e o com maior número de integrantes em palco (3 bateristas e 3 guitarristas), mas também longe do fiasco que deixou um gosto amargo na boca dos brasileiros em 2010 pela falta de hits no repertório, foi uma noite satisfatória tanto para quem já teve a oportunidade de vê-los anteriormente, como para quem estava tendo a experiência pela primeira vez.
FOTOS: Susanne Wagner
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