Retorno triunfal de Mike Portnoy: Dream Theater lota Vivo Rio com show de quase 3h de metal progressivo

Texto: Daniela Reigas
Fotos: Carla Cristina

Como não poderia deixar de ser para uma banda cuja longeva carreira já rendeu diversos prêmios, o Dream Theater, ícone do metal progressivo, tem uma grande legião de fãs no país. Fãs esses que, apesar de conhecerem e respeitarem todos os trabalhos da banda, inegavelmente aguardavam esperançosos pelo dia em que seria anunciado o retorno do membro fundador Mike Portnoy, baterista referência no estilo, que havia deixado o grupo em 2010 para se dedicar a outros projetos musicais.

Pois bem, a espera de 14 anos finalmente acabou, com o triunfal retorno do músico para a turnê de celebração de 40 anos de banda, que contempla 5 cidades brasileiras. O Rio de Janeiro recebeu os norte-americanos na sexta-feira 13, no Vivo Rio. De antemão, pode-se dizer que quem acredita na superstição de que a data carrega acontecimentos negativos talvez tenha um ponto: horas antes do show, Mike havia publicado em suas redes sociais que perdera seu cachorrinho de estimação, Mickey, companheiro de muitos anos, que faleceu em sua residência junto à família. Mais um motivo para justificar toda a admiração que os fãs têm pelo músico, que apesar do ocorrido, foi extremamente profissional e entregou performance impecável.

Por volta das 19:30h, a fila para validação dos ingressos e entrada era enorme – o show, inicialmente anunciado com início às 21h, havia passado para as 20:30h, talvez devido à duração prevista de quase 3h. Após entrarem, os fãs também formavam fila no quiosque de merchandising oficial. Mesmo com ingressos a valores bastante expressivos, a casa estava muito cheia, com vários setores esgotados.

Pontualmente então, às 20:30h as luzes se apagam e o personagem mais aguardado da noite assume seu posto na enorme bateria montada em uma plataforma elevada ao centro do palco, seguido por John Myung no baixo e Jordan Rudess no teclado à sua esquerda, e John Petrucci na guitarra à sua direita, e assim inicia-se o primeiro ato do espetáculo com a icônica Metropolis pt. 1. O público vibra, fazendo “hey hey hey” no ritmo da canção, e por fim chega James Labrie, já na hora de cantar os primeiros versos, acompanhado por um coro quase uníssono. Vale destacar a alta qualidade de som e luzes da casa, que permitem apreciar cada nota e movimento de palco em detalhes. Ao fundo, o telão exibe animações específicas para cada música. O grupo segue com Overture 1928/Strange DéjàVu, e no breve intervalo entre uma e outra James saúda o público, diz que é bom estar de volta ao Rio, afirma que será uma grande noite e pergunta quem está animado para o show de 40 anos de banda; o público obviamente responde com gritos e palmas de empolgação, a qual também fica evidente ao vocalizarem as melodias de várias passagens de teclado e guitarra ao longo das canções. Ao final, enquanto os músicos se ajeitam para troca de instrumentos, algumas bandeiras são atiradas ao palco (para demonstrar que há gente de vários lugares ali para prestigiar o show) e apanhadas por James, que diz que é realmente uma turnê muito especial porque tem um certo alguém de volta.. Nisso, a plateia começa a entoar um coro que lembra uma torcida de futebol: “Ôooo, o Portnoy voltou…” e não fica claro se eles entendem o que está sendo dito, mas de qualquer maneira agradecem a demonstração de carinho.

Dando continuidade, vem The Mirror, com sua atmosfera densa e clima de tensão, na qual James aplica seu vocal um tanto mais agressivo. Mike e Petrucci convidam todos a baterem palmas no ritmo, e em dado momento, fazem a transição para o solo final de Lie, onde o destaque claramente é de Jordan, que vem ao centro do palco com um keytar e duela ora com Petrucci, ora com Myung, em uma batalha épica que se encerra nas baquetadas de Mike, sincronizadas perfeitamente com as luzes, que se apagam ao soar a última nota.

A próxima canção, Panic Attack, é puxada por Myung, com a introdução marcante de baixo. A faixa, uma pedrada que intercala refrão melódico e riffs pesados, é muito apreciada por todos. O teclado de Jordan, com um display que fica exibindo sinais vermelhos que remetem a emergência/SOS dão um toque a mais de imersão no conteúdo das letras. “Como vocês estão?” pergunta James ao final, e o público responde enérgico que estão ótimos. E então, para acalmar os ânimos, James introduz a faixa seguinte, Barstool Warrior, dizendo que conta a história de duas pessoas que sofrem as consequências de uma decisão difícil, e faz todos agitarem as mãos para a esquerda e direita ao som do lick melódico do início. O clima segue com outra ‘balada’, mas dessa vez, com um toque mais do que especial: Petrucci faz uma introdução solo de tirar o fôlego para Hollow Years, executada em sua versão demo de 1996, que conta com alguns versos a mais do que a versão de estúdio que integra o álbum ‘Falling into Infinity’, de 1997. Jordan Rudess também surpreende em um solo com notas “jazzísticas” no final da canção. Certamente, um dos pontos altos desse ato, que traz ainda mais duas pesadas: Constant Motion, que conta também com backings de Mike, e As I Am“Vocês estão prontos, Rio??” pergunta James, já sabendo que essa faixa faria todos pularem e baterem cabeça. Houve ainda uma ‘firula’ da introdução de ”Where Eagles Dare” do Iron Maiden ao final – talvez uma possível e discreta homenagem de Mike a Nicko McBrain, lendário baterista que declarou sua aposentadoria em solos brasileiros na semana anterior.

Um intervalo de 15 minutos antecede o segundo ato, para que todos (músicos e público) possam recuperar as energias. Um playback que contém trechos de várias músicas da carreira aquece os motores e o retorno é apoteótico (inclusive com o volume geral mais alto), trazendo o mais novo single, Night Terror, do vindouro álbum ‘Parasomnia’, que será lançado ano que vem. Os fãs demonstram que já estão familiarizados com a faixa lançada há apenas dois meses e não decepcionam ao cantar junto, pelo que James agradece mais à frente no show. Em seguida, um clássico, Under a Glass Moon, faixa que exige bastante dos vocais de James, que apesar de baixar um pouco o tom em comparação à versão de estúdio, não faz feio. Novamente o público vocaliza com “ô-ô-ôs” várias passagens melódicas e James faz questão de agradecer em português com um sonoro ‘Obrigado’.

O protagonismo continua com o cantor na próxima faixa, This is The Life, a qual ele explica que trata de um sentimento que ocorre com todo mundo em algum momento da vida – o de desejar ser um outro alguém, de não se sentir suficiente. “Mas se você acreditar em si mesmo, você terá uma vida bonita pra c@ralho” (if you believe in yourself, you’re gonna have a f*cking beautiful life”. E durante as partes instrumentais, ele arrisca até algumas piruetas, como se dançasse um balé – mostrando boa forma física, além da vocal. Não à toa, todos aplaudem efusivamente a performance ao término da canção.

Na sequência, a dobradinha Vacant + Stream of Consciousness, e aí sim, após o público acompanhar James na bela e melancólica letra da primeira, o cantor deixa o palco para que os músicos possam brilhar na valsa instrumental de 11 minutos, onde cada um tem seu momento de destaque, e que deixa os fãs embasbacados com a perfeição da execução.

Engana-se quem pensa que essa seria a faixa mais longa do set, ou que os músicos ficariam cansados após tamanho empenho de energia: é chegada a hora de embarcar na viagem sonora de Octavarium. Ao acender no telão a emblemática capa com o pêndulo de Newton, o público vai à loucura, exclamando palavrões de êxtase – considerada por muitos a obra-prima máxima da banda, não era executada ao vivo na íntegra desde a turnê de seu lançamento, em 2005. A epopeia de 24 minutos tem vários pontos a se destacar, como o início calmo ao som de teclado com som de piano + guitarra limpa, ao qual o público acompanhou com palmas, até a mudança para o trecho de ‘fritação’ entre o teclado cheio de efeitos e a guitarra frenética – Petrucci chega a parecer um robô, de tão ridiculamente precisas que soam suas notas. Labrie também utiliza pedal de efeitos para executar os trechos de vocal mais rasgado e não tem medo de arriscar nos gritos. Obviamente, nada disso seria possível sem a cozinha impecável de Portnoy e Myung. Ao final da viagem, é possível ver alguns fãs olhando incrédulos para o que acabaram de testemunhar, como alguém que acaba de descer da montanha-russa tentando processar a adrenalina. Sob estrondosos aplausos, os músicos agradecem, e vão se retirando do palco acenando para os fãs – assim, encerra-se o segundo ato.

Dessa vez, um intervalo um pouco mais breve, quebrado com a exibição de um trecho do filme ‘O Mágico de Oz’ nos telões, o qual menciona ‘There’s No Place Like Home’ – gancho perfeito para encaixe de Home, com sua pegada oriental e cadência contagiantes. Aproximando-se do derradeiro final, quem ainda não havia chorado, teve seu momento de marejar os olhos com o hino Spirit Carries On James fez questão de pedir que a iluminação da casa mostrasse os fãs, que movimentavam os braços de um lado a outro enquanto empunhavam seus celulares com as lanternas acesas e cantavam a plenos pulmões. A versão foi um tanto quanto reduzida da original de estúdio, e infelizmente não teve nenhuma participação de vocal feminino, mas ainda assim foi um lindo momento de catarse e redenção.

Então, após lavadas as almas de todos, a banda opta por uma de suas canções mais populares – se não a mais conhecida, a que furou a bolha ‘nerd’ do metal progressivo – para o gran finale: Pull me Under. James pergunta aos fãs se eles ainda estão lá, e ao ouvir a resposta afirmativa, manda todos pularem e cantarem juntos, o que é prontamente atendido. Como já se sabe, a canção termina de maneira abrupta, e ao estalar da última baquetada de Portnoy, James agradece à legião de fãs dizendo que os ama e promete que voltarão em breve.

Embora tenham deixado de lado alguns álbuns, como o primeiro (‘When Dream and Day Unite’, que apesar de ser da era pré-Labrie, já teve faixas executadas por ele anteriormente), indubitavelmente o show foi um presente aos fãs da velha guarda; um excelente resumo de carreira aos que conheceram a banda recentemente; e uma demonstração de que a química voltou forte após o necessário afastamento de Portnoy. Quem não pôde comparecer, de certo aguardará ansiosamente pelo anúncio de datas da próxima turnê.

Setlist:

Ato I

Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper

Act I: Scene Two: I. Overture 1928

Act I: Scene Two: II. Strange Déjà Vu

The Mirror (contendo trecho final de ‘Lie’)

Panic Attack

Barstool Warrior

Hollow Years (’96 demo version)

Constant Motion

As I Am

Ato II

Night Terror

Under a Glass Moon

This Is the Life

Vacant

Stream of Consciousness

Octavarium

Bis:

Act II: Scene Six: Home

Act II: Scene Eight: The Spirit Carries On

Pull Me Under

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *