Conception presenteia amantes do prog/power metal com um show inesquecível em SP
Texto: Daniela Reigas
Foto: Thammy Sartori
Fundada pelo guitarrista Tore Østby (ARK) em meados dos anos 90, mas mais conhecida pelos vocais únicos de Roy Khan (ex-KAMELOT), a banda norueguesa finalmente visita a América Latina, com uma mini turnê originalmente marcada para março, mas por motivos de “força maior” adiada para junho – estima-se vendagem baixa por ter coincidido com a turnê da finlandesa Tarja -, com passagem única no Brasil em São Paulo no dia 9, no Carioca Club. Antes disso, o vocalista já havia feito uma participação como convidado no show de Edu Falaschi em janeiro, conforme relatamos aqui, e dado uma pequena demonstração do que os fãs poderiam esperar para o show do Conception.
O adiamento do show acabou sendo “vantajoso”, pois o evento se tornou um mini-festival, que contou com a participação de 3 expoentes do prog/power nacional: Ego Absence, Armiferum e Maestrick.
No palco do Carioca Club, um kit de bateria montado do lado esquerdo do palco atenderia às 3 bandas nacionais, enquanto o kit principal já aguardava em sua posição central. Com um pequeno atraso, às 19:15h e para um público ainda tímido, vem ao palco a paulistana Ego Absence. Com apenas um álbum lançado, mas com um time de músicos experientes, a banda vem se destacando na cena e já tem um público cativo. Após a introdução orquestrada de “The Fools Trap Symphony”, inicia-se a apresentação com a faixa-título do álbum (“Serpent’s Tongue”). No lugar do titular Guto Gabrelon, nessa noite temos Vandré Nascimento assumindo, com maestria, as guitarras. Sem delongas, emendam “I am free”, que foi o primeiro single; o vocalista Raphael Dantas (ex-CARAVELLUS, SOULSPELL, entre outras), puxa o “hey!” da plateia nas quebras da bateria do refrão contagiante. Apesar da boa performance, o vocalista pede desculpas por eventuais falhas, já que acabava de passar por uma laringite, e anuncia que a próxima faixa “Wake Up To Life”, integrará o vindouro segundo álbum. Durante a execução empolgada do baterista Augusto Bordini, um dos pratos da bateria sai do lugar, mas a competente equipe de drum techs rapidamente resolve o problema sem grande prejuízo. Na sequência, é chamada ao palco a jovem Priscila Reimberg para duetar com Raphael na bela balada “Colibri”, que recentemente teve uma versão regravada com Ciça Moreira – artista independente que com apenas 17 anos já está excursionando fora do país e por isso não pôde comparecer. Para encerrar o set, temos a poderosa “G.O.D.”, onde se destaca a performance de André Fernandes (UNDERTIME) nas linhas de baixo. A banda agradece a todos pela presença e se despede.
Pouco depois, às 19:55h, chega a Armiferum, com um time maior, já que conta com duas guitarras e teclado. Assim como no seu álbum de estreia (“Reach for the Light”), a intro “Ad Lucem” precede “Climb the Mountain”, faixa de power metal direta ao ponto, com um refrão bem melódico e já conhecido do público. Em seguida, o vocalista Ian Gonçalves demonstra toda sua técnica e versatilidade ao alternar entre vocais limpos e guturais em “Hellfire”. Para um momento menos agitado, vem “Heavy Heart”, uma música mais cadenciada, onde se destacam os teclados atmosféricos de Vithor Moraes. Já na próxima faixa, “Bring the Light”, complexa composição que tem uma mais épica, a banda monta uma linha de palco bem bacana, com Vithor agora no keytar, ao lado de seus colegas. Impressiona a cozinha de Rafael Bochnia (baixo) e Ivan Macedo (bateria), sem faltar espaço para os riffs pesados e o solo de guitarra de Fred Barros. Encerrando o set com “chave de aço”, vem “Titans of Steel”, e é chamado ao palco Pedro Zupo (LIVING METAL) para harmonizar nos vocais, empunhando sua inseparável espada, que durante o belo solo de Guto Cardozo, é raptada por Ian para uma performance de “sword guitar”. Sob aplausos, os músicos então agradecem e se retiram para a chegada da última nacional da noite.
Às 20:40h entra o Maestrick, banda liderada pelo cantor, compositor e produtor Fábio Caldeira, acompanhado por Renato Montanha no baixo, Charles Soulz no teclado, Heitor Matos na bateria e Guilherme Carvalho (ORDER OF DESTRUCTION) na guitarra. A banda escolheu essa oportunidade para apresentar um set quase inteiro de músicas inéditas, que estarão no album “Espresso Della Vita: Lunare”, continuação do anterior, “E.D.V.: Solare”. Abrindo com “Upside Down”, destaca-se o solo de Guilherme. O microfone de Fábio fica bem baixo em vários momentos, mas ao menos o de Renato funcionou bem na faixa seguinte, “Boo”, onde ele também faz backing vocals. Em sequência, Fábio cria uma certa expectativa na plateia ao anunciar que a faixa “Lunar Vortex”, em sua versão de estúdio, teve participação de ninguém mais, ninguém menos, do que Roy Khan, o astro mais aguardado da noite; no entanto, para frustração de todos, ele não se junta ao grupo para a performance. Em seguida, a emotiva “Dance of Hadassa”, uma balada voz e piano que homenageia vítimas do holocausto, tendo contado com um coral infantil em sua gravação. E para terminar deixando os ânimos do público preparados para o evento principal, executam seu último single, “Ethereal”, e fazem todo mundo pular ao som do riff “pegajoso” de teclado. A banda agradece e se despede rapidamente para que a equipe técnica possa desmontar e retirar a bateria secundária.
Finalmente então, às 21:25h e com uma casa agora bem mais cheia, o telão acende “Conception”, anunciando a entrada da atração mais aguardada da noite. Abrindo com “Grand Again” do EP “My Dark Symphony”, de 2018, e sem firulas, Arve Heimdal (bateria), e Ingar Amlien (baixo) e Lars Kvistum (teclado) iniciam a canção, e Tore e Roy se juntam logo após, arrancando gritos dos fãs. Infelizmente, uma microfonia atrapalha o brilho do vocal. Quase de imediato, já emendam “A Virtual Lovestory” do album “Flow” (1997). Roy é muito performático e se abaixa bem na beirada do palco, dando a mão para os sortudos fãs da primeira fileira enquanto canta com uma afinação invejável. Infelizmente o microfone continua apresentando falhas, mas Roy discretamente se dirige até o técnico para trocar por outro sem interromper a música nem demonstrar irritação. Ingar, muito sorridente e interagindo com a plateia, passeia bastante pelo palco, enroscando o fio do baixo nos monitores algumas vezes, sendo amparado pelo técnico da banda. Dando continuidade ao set, vem uma tríade do álbum mais recente (“State of Deception”), lançado em 2020, ainda durante a pandemia, e que é uma obra-prima da banda; após a tranquila “Waywardly Broken”, Roy cumprimenta a plateia e se diz surpreso de ver tanta gente em pleno domingo à noite, e que como esse era o último show dessa turnê, faria o possível pra que todos tivessem uma experiência incrível (“We’re gonna fucking rock!”).
Em seguida, Tore puxa o riff pesado de “No Rewind”, e ao seu abrupto final, a plateia clama pelo nome da banda, resultando em um elogio de Roy, que diz que os fãs brasileiros são realmente especiais. Anunciando a balada “The Mansion”, o cantor pede que todos cantem juntos, e nessa delicada canção com uma linda introdução voz & piano, podemos ver e ouvir muito bem a bela e talentosa cantora Aurora Heimdal com sua voz quase angelical, fazendo as partes originalmente gravadas por Elize Ryd (AMARANTHE). Voltando para 1995 com o álbum “In your Multitude”, trazem a compassada e melódica “A Million Gods”, na qual Arve se destaca com um solo breve, mas extremamente técnico. Roy começa a pegar os celulares dos fãs mais próximos ao palco e filmar em modo “selfie”, deixando registros de valor incalculável no aparelho dessas pessoas, e ao fim da música, todos aplaudem e começam a gritar seu nome. “Isso não é bom para o meu ego!” responde o norueguês, um pouco encabulado. Na sequência, “Quite alright”, com seu refrão poderoso, faz muitos cantarem junto. Ao final da música, há uma movimentação no palco para trazer bancos e um cajón: a banda havia preparado uma mini sessão acústica com duas faixas. Primeiramente, a lindíssima balada “Silent Crying”, do album de 1993 “Parallel Minds”, que foi dedicada à produtora do evento, a quem Roy agradeceu imensamente.
Foi possível notar muitos fãs emocionados e até mesmo em lágrimas. Depois, “Sundance” (bonus track da versão japonesa de “In your Multitude”, incluída posteriormente em “Flow”), com sua pegada flamenca que fez todo mundo bater palmas e dançar, principalmente os casais com maior destreza. Voltando a seus postos ‘tradicionais’ de palco, mandam “Gethsemane”, mas parece que alguma configuração de áudio se perdeu na transição, pois note-se muito grave e quase não se ouvem mais os backings de Aurora, problema que persiste até a faixa seguinte, “Parallel Minds”.
A energia da plateia continua altíssima e Roy diz que por ele, voltariam no próximo fim de semana. Agora vem “Feather Moves”, e aqui temos um dos pontos mais altos do show: durante a execução desta faixa, Tore tem o hábito de simplesmente descer do palco e passear pela casa tocando sua guitarra, com puro feeling, mas sem perder uma nota sequer, enquanto Arve e Ingar “seguram a bronca” mantendo a base rítmica estendida por praticamente 10 minutos. Sem medo ou preconceito algum para com os fãs brasileiros (conhecidos por serem um tanto quanto intrusivos), Tore desfila no meio da pista enquanto Roy descansa um pouco e assiste do primeiro camarote esquerdo; o guitarrista passa por todos os setores antes de voltar ao palco, para que nenhum fã fique sem contemplar seu talento e simpatia de perto. Absolutamente incrível. Já de volta ao posto, finalmente a equalização do som melhora e voltamos a ouvir Aurora nos backings de “By the Blues”, uma faixa bastante suingada que faz todos curtirem muito e deixa Roy com um sorriso estampado no rosto: ”nem sei o que dizer – essa noite será inesquecível”. Chegando na reta final temos “Reach Out” e “She Dragoon” – a “última faixa”, diz Roy ironicamente, já dando o spoiler da clássica saidinha de palco que precede o bis. Assim sendo, após apenas alguns minutos de pausa ao som de muitas palmas e gritos dos fãs, eles retornam com a balada “My Dark Symphony”, e para encerrar, a super técnica “Roll the Fire”, e é absurdo como Roy alcança com facilidade e controle as notas altíssimas, que, mais uma vez e infelizmente, foram encobertas por problemas no microfone.
Definitivamente não há o que criticar da performance e carisma da banda, tampouco do setlist, que contemplou a carreira inteira, mas já que tocaram o último album quase na íntegra, talvez pudessem ter incluído a emocional “Anybody Out There”, que em seu criativo videoclipe montado com imagens de fãs, teve participação de vários brasileiros.
Como se já não tivesse sido uma noite extraordinária até aqui, os músicos ainda atenderam a todos que quiseram esperar para tirar fotos, pegar autógrafos e trocar ideia após o show, permanecendo na casa por quase 2 horas após o término. Um exemplo de que é possível sim manter a humildade independente de qualquer fator como fama, sucesso, reconhecimento – uma lição que muitos músicos ainda precisam aprender.