Monsters of Rock e noite de lotação máxima, divertimento, muita história e legados

Então, foram oito anos desde a última edição de um Monsters of Rock no Brasil e, algo que parecia que não veríamos mais acontecer por aqui.

Mas eis que em 2023, fomos pegos de surpresa com a notícia de que teríamos uma nova edição, a 7° no país, de um dos maiores festivais de heavy metal do mundo.

Em 2015, foram dois dias e subiram ao palco, Ozzy Osbourne, Kiss, Judas Priest, e tínhamos agendado o que seria a última passagem do Motörhead em nossa terra, mas que infelizmente, fechou as cortinas sem ter o seu gran finale merecido, pois Lemmy acabou passando mal horas antes do show e não pôde se apresentar.

Pulando para a nova edição, estamos de volta ao Allianz Parque dessa vez, em um line que traz novamente o Kiss ao Monsters (e quase exatamente um ano após, a São Paulo novamente) em sua “End of Road Tour”, o Deep Purple, longe do país desde 2017, o Scorpions, que esteve anteriormente por aqui em 2019, como os “medalhões” da noite. Tivemos também o power do Helloween e o prog do Symphony X, ambas também com parada no Brasil em 2019, Doro Pesch, que esteve aqui em 2020 e de última hora, a peça final, o Candlemass, que substituiu o Saxon devido ao anúncio da aposentadoria do guitarrista Paul Quinn, das turnês.

Casa cheia, esperado visto o tamanho das filas gigantescas para cada setor e uma diversidade de público dos mais variados gêneros musicais ali presentes, em tantas vertentes do rock/metal, era dada a hora de começar as festividades.

Com horário programado cravado, a rainha do heavy metal, Doro Pesch foi quem deu o chute inicial, para um público que ainda se animava, em um dia de vento gelado na terra da garoa. A mulher sabe como estar no palco e honra o título que tem, com a sua voz poderosa e arranhada, ela trouxe um repertório focado em sua antiga banda, o Warlock. Acompanhada pelo guitarrista brasileiro, Bill Hudson, mesmo com a plateia ainda tímida, a Doro fez uma entrega espetacular em cima do palco, interagindo em diversos momentos com a plateia. Sua carreira solo foi prestigiada com, “Raise Your Fist in the Air”, em que em sua metade, a banda “brincou” com riffs de “From Whom Bell Tools” do Metallica. Ao final, Pesch levantou uma bandeira do Brasil jogada ao palco pela plateia e mostra a força da mulher dentro do metal, trazendo a tona o heavy old school.

Arquibancadas mais cheias, gramado menos visível e era hora do prog metal intrincado do Symphony X dominar a galera. Ao primeiro momento, pode se assustar ao nos referir ao estilo, que não é lá o mais popular entre os amantes da música pesada, mas a banda passa longe de ser somente aqueles blocos amontoados de notas e viradas imensas de bateria que outros grupos do estilo costumam praticar, transformando seus shows em algo mais parecido com um workshop. E Russel Allen é um verdadeiro monstro dos vocais e sua voz parece jamais perder força, e ao mesmo tempo, uma melodia impressionante, com tons altos, mas com um vocal que preenche os “cantos” de cada canção. A banda apresentou um show pontual, a abertura com “Nevermore”, do último disco, “Underworld”, e parecia um verdadeiro tanque de guerra dali em diante! Michael Romeo é um verdadeiro demônio com a guitarra nas mão, ainda que devido a alguns problemas de som, soasse um pouco embolada em determinados momentos, e esbanja sua técnica de uma forma que chega a ser macabra, em solos tão rápidos e precisos. Allen, o mestre de cerimônia, é dono de uma carisma incrível.  Em determinado momento, uma falha das bases pré gravadas das partes orquestradas gerou chiados e prejudicou o vocalista, que recebeu o “golpe” direto dentro de sua ouvido, o que parece lhe ter rendido uma baita dor de cabeça, visto as caras e várias mãos na testa em intervalos. Infelizmente, isso perseguiu o pobre Allen durante o resto do show, o que o deixou extremamente irritado ao ponto de jogar o pedestal de microfone ao fundo do palco, com uma expressão nada agradável. A plateia pareceu não ter muito bem compreendido a proposta ali, e se viu alguns braços cruzados no meio do shows, com o frontman questionando em um momento, se a platéia “estava realmente acordada?” Mesmo assim, o Symphony X deu uma aula de técnica e profissionalismo, encerrado a apresentação com a gloriosa, “Set the World on Fire“, cantada pelo público em uníssono. Foram sete músicas e pouco mais de meia hora em cima do palco, o que deixou a dúvida se era esse o programado ou se devido as falhas, optaram por encurtar a sua presença.

Eu sinceramente tinha certa curiosidade em relação ao que o Candlemass iria fazer ali, junto ao seu doom metal, se esse seria o tipo de som adequado a se juntar as demais tropas e em uma tarde de tanta música enérgica. Cobrindo o cancelamento do Saxon, o suecos trouxeram a sua música climática para a festa, e mudaram a dinâmica das coisas. Eu confesso não ser o maior apreciador do estilo, mas é inegável como a banda é competente e carismática em cima dos palcos, com pessoas que não tinham proximidade com o grupo, elogiá-los como, “um grande show, impecável na execução”. A clássica “Crystal Balls”, foi uma das mais bem recebidas pelo público, que moviam os braços como se regendo uma orquestra macabra. Fredrik Åkesson, guitarrista do Opeth, deu uma força para os caras os acompanhando nas seis cordas. Com certeza, aos que não conheciam o som do Candlemass”, irão procurar saber mais deles a partir de agora, e aos fãs, com certeza se sentiram bastante realizados ao estarem diante da missa negra que por ali rolou.

Dado a sequência, era hora das coisas começarem a tomar outra forma. Antes de seguirmos, um adendo sobre os telões, que foram usados de forma útil, como um filme que recapitulou toda as edições do Monsters que já aconteceram no Brasil ao longo dos anos, mostrando as bandas que já estiveram na festividade, além de em outro momento, relembrar figuras ilustres do rock e metal que já partiram, como Andre Matos.

Seis nomes, melodias e riffs rápidos em cima do palco. Era hora do Helloween trazer a sua música ao Monsters of Rock e da mesma forma que o show solo do ano passado me surpreendeu, não foi diferente agora. É ainda incrível ver como essa renovação do grupo, trazendo as duas “diferentes formas” funciona tão bem e em uníssono. Com a abertura enérgica de “Dr. Stein” (um minuto de silêncio por sacrificarem “Skyfall”), a banda já colocou a galera lá em cima, com a bateria rodeada pela abóbora gigante, a plateia foi lá pra cima após a entrada triunfante. “Eagle Fly Free” não deixa ninguém ao redor parado e causa um verdadeiro acesso coletivo em qualquer plateia, seja fã ou não do grupo, seja esse o primeiro ou não, show assistido deles. Ver um campo de futebol completo cantando aquele refrão é algo que não sai da cabeça de quem assistiu, e com certeza ficará na mente de gerações diferentes que estavam por ali, de filhos acompanhados dos pais e vibrando com cada nota executada pela banda. As bolas representando de ar foram jogadas ao público em “I Want Out“, com Andi Deris e Michael Kiske em cada ponta do palco, “disputando” qual dos dois estava no lado mais vibrante da plateia, e fazendo explodir ao final, em uma força uníssona, o refrão cantado em vozes que ressoavam em cada canto do Allianz. Que show, senhoras e senhores. Um ponto a parte aqui foi que a cortina do Helloween realmente deu trabalho a banda, com um pedaço dela soltando antes do show começar, e quando era preciso soltá-la, ela não caiu, o que fez com que a primeira música tivesse parte dela velada pelo pano, mas isso se tornou algo engraçado de se ver, e não bem um contratempo.

Momento de entrarmos em clássicos, e ao falarmos disso no mundo da música pesada, não há como desassociarmos do Deep Purple. Claro, a banda não é a mesma em cima dos palcos, tanto pela sua troca de formação como pela própria idade dos caras, sem contar que até ali havíamos visto bandas de heavy metal uma dinâmica mais pesada e agitada. Mas nem por isso o grupo apresentou algo que não seja no mínimo exímio. Jogando a plateia para cima de cara, “Highway Stars” foi a abertura, e que abertura, e ali já víamos que a escolha de Simon McBride para a guitarra foi certeira. O cara é dono de uma técnica e feeling impressionantes e qualquer dúvida sobre sua escolha, acaba de imediato. “Uncommon Man“, dedicada a Jon Lord, um momento lindo. O tecladista Don Airey, fez uma pequena amostra de seu poder em um primeiro solo, com direito a garçom lhe servindo uma bela taça de vinho, e a sequência continua a genialidade nos brindando, “Perfect Stranger”, era uma das mais esperada do dia, claro, e não poderia ser diferente a recepção aclamada aos sons das primeiras notas de teclado da introdução. Mais adiante, outro solo de Airey e dessa vez com direito a trecho de “Brasileirinho” e “Tico Tico no Fubá” na sequência, mescladas a introdução de “Mr. Crowley“, de Ozzy Osbourne e que o tecladista é responsável pelo registro. “Smoke on the Water” fechou o set, e a banda se recolheu, para voltar para o bis e com direito a um solo do monstruoso Roger Glover, fechando com “Black Night”. Presenciar um show do Deep Purple, não se resume a somente ver um show, é uma aula graciosa de musicalidade, genialidade e energia em perfeita sincronia e um verdadeiro privilegio aos que vislumbram essa oportunidade.

Caminhando para os finalmente, o Scorpions sobe ao palco e abrem a sua noite, com palco cheio de luzes (que até arderam os olhos), e com “Gas in the Tank“, do seu último lançamento, “Rock Believer”, a banda ganha seus fãs de imediato. Klaus Meine mostra sua carisma no palco, mas em certos momentos parece meio perdido do que fazer quando não está cantando, se resumindo a jogar (MUITAS) baquetas ao público e balançar um pandeiro.  Obviamente aqui, falamos de alguém que sofre com questões da sua idade e alguns problemas de saúde recentes, o que torna sim sua ação bastante limitada. A banda soa com peso em diversos momentos, e foca bastante no último registro, querendo não só depender dos clássicos para o show. Mas obviamente, eles estão por lá,  como o assobio de “Wind of Changes” que joga o público em êxtase, ou as primeiras notas de “Send Me an Angel“, que a vibração é sentida até na respiração da plateia. O final fica por conta da “Rock Your Like Hurricane“, que todos sabem acompanhar o refrão e não deixam passar a oportunidade de cantar um hino desses. Com 17 músicas, o Scorpions entrega um show redondo, mas engessado em diversos momentos, o que causa até certa estafa em sua metade, parecendo se estender além em alguns desses momentos, e que a banda parece estar cumprindo tabela e contratos. Talvez isso tenha se devido ao fato da competência esplendorosa do Purple anteriormente, o que de certa forma deixou Meine e sua trupe um pouco apagados em uma apresentação que prima pela composição, mas a execução parece escorregar em alguns pontos.

Hora do gran finale! Eles, Paul Stanley, Gene Simmons, Tommy Thayer e Eric Singer, ou simples, o Kiss. Doa a quem doer, se incomode com o que quiser sobre isso ou aquilo a respeito da banda, mas assistir ao espetáculo que o Kiss proporciona nos palcos é de embasbacar qualquer ser humano!

A banda traz praticamente o mesmo show que veio no ano passado, com uma iluminação diferente aqui, um adereço diferente ali, como os bonecos nas laterais do palco, mas no resumo, o mesmo show. E quer saber? Isso é lindo, não importa quantas vezes você veja Paul Stanley atravessar a plateia na tirolesa, os quatro “descendo do céu” em meio ao fogo ou Gene “voando” aos céus depois de cuspir “sangue”, é o verdadeiro impacto e gênese da palavra show!

Após a cortina cair, “Detroit Rock City” literalmente explode na cara do espectador e a magia está realizada, ninguém mais pisca os olhos e passa a presenciar a mágica que é o Kiss. Paul é sempre receptivo ao público, conversando em diversos momentos, perguntando se as pessoas estão se divertindo, gostando do que estão vendo (quem diria não para essa pergunta?), brinca com Tommy Thayer em um “duelo” de guitarra e parece não ser nunca vencido pela sua idade e sua energia. Nosso querido “The Demon” é presença forte no palco, e entre suas caretas e a língua gigante sendo mostrada ao público, um dos maiores momentos do show é seu solo de baixo, em meio a uma luz verde, ruídos sonoros de monstros e o sangue escorrendo pela boca enquanto na sequência, ele sobe aos céus com o baixo grave e imagens de raios na poderosa “God of Thunder“. “Do You Love Me?” encaminha para o final com os balões jogados a plateia, e claro, a explosão de papel picado em “Rock and Roll All Night” confirma o legado imensurável que o Kiss deixará na história da música.

O Monsters of Rock 2023 entrega o que promete, com uma estrutura de som e palco a altura do porte do evento, e e mesmo com alguns contratempos aqui e acolá, é inegável que o retorno do festival ao Brasil foi um verdadeiro sucesso e cumpriu a risca o peso que seu nome traz dentro do mundo da música pesada. Uma noite de lotação máxima, divertimento, muita história e legados! Que venha próxima edição!

Agradecemos ao credenciamento a Catto Comunicação e a Mercrury Concerts!

Marcio Machado

Formado em História pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Fundador e editor do Confere Só, que começou como um perfil do instagram em 2020, para em 2022 se expandir para um site. Ouvinte de rock/metal desde os 15 anos, nunca foi suficiente só ouvir aquela música, mas era preciso debater sobre, destrinchar a obra, daí surgiu a vontade de escrever que foi crescendo e chegando a lugares como o Whiplash, Headbangers Brasil, Headbangers News, 80 Minutos, Gaveta de Bagunças e outros, até ter sua própria casa!

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